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FORD E GM

A ditadura do acionista

abril 2019

O ano de 2018 começou para o setor automotivo brasileiro com duas notícias de impacto: a ameaça de “corte de empregos e até fechamento de fábricas“, pela General Motors, e o encerramento da planta histórica de São Bernardo do Campo, pela Ford, conjuntamente com o abandono definitivo da produção de caminhões no Brasil.

Significativamente, as duas notícias partiram de conglomerados norte-americanos, ambos, em anos recentes vítimas de crises contínuas, resultantes de longo histórico de erros de avaliação (mormente do mercado internacional), de equívocos administrativos e de políticas erráticas de produto.

Dois dos maiores grupos empresarias do planeta e, até há poucos anos (assim como os Estados Unidos), maiores fabricantes mundiais de veículos, Ford e GM passivamente se viram ultrapassados, engolfados pela moderna, variada e ambientalmente mais adequada produção europeia e, logo a seguir, atropelados pela avalanche oriental.

A consequência: perda de mercado interno, fechamento de inúmeras plantas na América do Norte e no restante do mundo e abandono de diversas marcas históricas – uma pela Ford (Mercury, em 2011) e cinco pela GM (Oldsmobile, em 2004; Pontiac, em 2010; e as europeias Opel e Vauxhall e a australiana Holden, em 2017).

Tal decadência culminou, em 2009, com a concordata da GM, salva – para horror do pensamento econômico liberal – pelo governo dos EUA, através da injeção de enorme volume de capital estatal. A GM reduziu o número de versões e racionalizou a produção (embora Chevrolet, Buick e Cadillac ainda teimem em fabricar modelos que não interessam a nenhum outro país do mundo). A Ford, por sua vez, acaba de limitar sua atuação às picapes pesadas, utilitários esportivos e carros de maior preço, abandonando todos os seus (inspirados e elegantes) automóveis pequenos e médios de concepção europeia.

O que dizer do Brasil?

Ford e General Motors tiveram trajetórias históricas paralelas, porém políticas e práticas gerenciais bastante distintas no país: certamente refletindo a estrutura empresarial da cada uma – empresa familiar, no primeiro caso, e sociedade anônima com milhões de acionistas, no segundo -, negociações na Ford frequentemente enfrentavam intransigência (e não raro truculência) da matriz. Na GM, a relação com Detroit tendia a ser via de mão dupla e, embora duras as discussões, mais facilmente se chegava ao acordo e à conciliação. Assim, a realidade brasileira podia chegar de forma diferente – ou simplesmente não chegar – à matriz.

Um fator, no entanto, sempre as uniu: o “lucro a qualquer custo“, demanda explícita e cada vez mais forte de suas diretorias mundiais, em Detroit e Dearborn, em nome desta entidade sem cara – “os acionistas” -, impondo exigências e pesados esforços, à revelia dos interesses locais – do país, da sociedade, dos empregados da empresa.

Abaixo, como pano de fundo e tentativa de compreensão dos fatos atuais envolvendo as filiais brasileiras das Ford e GM, relacionamos alguns eventos relevantes que marcaram o caminho percorrido por cada uma delas ao longo dos anos, para, logo a seguir, relatar o dia-a-dia dos eventos recentes. (Para conhecer em detalhe a história de ambas, consulte as páginas da Ford e Chevrolet em LEXICAR.)

 

FORD, TRAJETÓRIA

A Ford iniciou a montagem de veículos no Brasil em 1921. Em 1953 – poucos anos antes da constituição do GEIA, marco oficial da criação da indústria automobilística brasileira, respondia por 26,25% do mercado brasileiro de veículos, a GM suprindo outro tanto (26,9%). Mais da metade dos automóveis, caminhões e ônibus existentes no Brasil, portanto, eram oriundos das duas megacorporações.

  • 1957, primeiro veículo nacionalizado pela Ford: caminhão médio F-600, modelo convencional a gasolina com motor V8 (pouco antes, reagindo às exigências do governo federal de índices mínimos de nacionalização, a matriz chegara a alegar a “impossibilidade de fundição de blocos de motor em países tropicais“).
  • 1961, primeiro caminhão com motor diesel (em 1955 a Mercedes-Benz do Brasil já havia fundido o primeiro bloco de motor na América Latina; em 1956 inaugurou sua fábrica e lançou o primeiro caminhão diesel produzido no país).
  • 1963: a Ford brasileira ainda era a única empresa do setor a não dispor de um Diretor, contando apenas de um Gerente Geral, obrigado a se reportar à Administração Central, nos EUA, para qualquer decisão de maior monta.
  • 1966, lançamento do primeiro automóvel Ford nacional: Galaxie, enorme modelo norte-americano com motor V8.
  • 1973, véspera da Primeira Crise do Petróleo, lançamento de seu segundo automóvel: Maverick, ainda um modelo norte-americano com motor V8.
  • 1985, lançamento da linha de caminhões Cargo: atualíssima, de origem europeia, totalmente a diesel e com cabine sobre o motor (caminhões com cabine avançada já eram produzidos no Brasil pela FNM, Mercedes-Benz e Scania, respectivamente desde 1952, 58 e 75).
  • 1986, associação com a Volkswagen e criação da Autolatina: diante de dificuldades conjunturais, em lugar de investir e reposicionar-se no mercado, a Ford optou por “buscar sinergias” com seu maior concorrente. Extinta em 1994, a Autolatina foi experiência quase mortal para a Ford: dos 20,8% do mercado interno ocupados em 1984, em 1996 teve a participação reduzida a meros 8,2%.
  • 1989: em direção contrária à demanda do mercado por carros pequenos (todos os concorrentes há anos já possuíam seu modelo) a Ford lança mais um sedã médio, Verona.
  • 1991: fechada fábrica de motores diesel, inaugurada somente seis anos antes.
  • 1993: lançamento do primeiro modelo 1000, três anos após a pioneira Fiat e depois de todos os outros fabricantes.
  • 1996: duas décadas depois da concorrência, lançamento do Fiesta, primeiro carro pequeno da marca no Brasil.
  • 1999, janeiro, desvalorização do Real: nova crise, causada pelo baixo índice de nacionalização dos novos modelos Fiesta e Ka e pela dependência de modelos pequenos importados. (Para detalhes sobre a crise, leia, em especial, o capítulo “No Fundo do Poço“, na página Ford de LEXICAR.)
  • 1999, março: novo governo do Rio Grande do Sul questiona benefícios concedidos à Ford e à GM para construção de fábricas no Estado; Ford obtém novos benefícios na Bahia e para lá se transfere.
  • 1999, julho: Ford anuncia fechamento da fábrica do Ipiranga, São Paulo.
  • 2002, janeiro: Ford e GM entram em crise global, motivada pela perda de mercado “em casa”; “para que a empresa volte a ser competitiva“, a Administração Central anuncia profunda reestruturação, envolvendo corte de 35.000 empregos, 1.600 na América do Sul.
  • 2002, maio: fábrica baiana é inaugurada e é lançado o Novo Fiesta; oito anos depois de extinta a Autolatina, tem início a lenta recuperação de mercado da Ford.
  • 2004: recorde de produção no país, embora mantendo a discreta participação de 12% no mercado; para crescer, a rede de concessionárias e executivos da filial brasileira demandam um modelo de entrada, já disponibilizado por toda a concorrência; de modo a atender a “diretriz de gerar lucro“, e considerando que “carros baratos não dão lucro“,  a matriz determina que a fábrica brasileira se concentre nos carros pequenos, mas não nos de entrada.

FORD, HOJE

Tendo o Ka como o terceiro carro mais vendido do país, a Ford encerrou o ano de 2018 em quarto lugar em vendas de automóveis, com 9,2% de participação, posição praticamente idêntica à do ano anterior. No segmento de caminhões, dado o crescimento muito abaixo da média do setor (19,3 vs 47,6%), perdeu o terceiro lugar para a Volvo. Ainda assim, são posições invejáveis em duas categorias de mercado tão disputadas.

Mas a história se repete, como veremos a seguir.

  • em reunião para apresentação do Balanço mundial da empresa, a Diretoria da Ford norte-americana comunica a “necessidade de rever a operação na América Latina, até onde devem participar e como vencer neste mercado” (01/08/18)
  • greve na planta de Taubaté após demissão de empregados visando “adequar os volumes de produção” à redução das exportações (21/01/19)
  • em consequência dos rumores de reestruturação dos negócios brasileiros da Ford, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC cobra a retomada da discussão sobre investimentos na planta de São Bernardo do Campo, item previsto no acordo trabalhista de março de 2017 (os empregados de São Bernardo têm estabilidade de emprego assegurada somente até novembro de 2019) (22/01)
  • paralizações parciais de empregados na fábrica de São Bernardo (29/01)
  • comunicado oficial da Ford anuncia o encerramento definitivo da fábrica de São Bernardo do Campo, decisão tomada em função do  “prejuízo” de US$ 678 milhões nas operações sul-americanas em 2018; na planta, originária da Willys, são produzidos caminhões leves da linha F, caminhões Cargo e o hatch Fiesta; “para o retorno à lucratividade sustentável das operações” a Ford deixará de atuar no segmento de caminhões; 2.800 trabalhadores serão afetados (19/02)
  • greve dos trabalhadores da fábrica de São Bernardo do Campo (20/02)
  • o governador do Estado de São Paulo se propõe a encontrar comprador para a fábrica de São Bernardo, em troca da “promessa” da empresa não dispensar seus 1.200 empregados administrativos e não fazer cortes nas demais unidades paulistas da empresa (Taubaté, Barueri e Tatuí) – hipóteses, aliás, que nunca chegaram a ser aventadas pela Ford; o governador não se comprometeu em manter os empregos industriais: “O governo não fará imposições à compradora. Nós buscaremos uma solução de mercado ao lado da Ford” (21/02)
  • CAOA demonstra interesse na compra da fábrica Ford e de sua linha de caminhões (26/02)
  • em reunião com a Diretoria da Ford, nos EUA, sindicalistas do ABC ouvem que decisão é irrecorrível; três fabricantes (não identificados no encontro) teriam mostrado interesse na compra da fábrica (07/03)
  • em reunião com o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, Governador de São Paulo confirma que um grupo (não identificado) interessado em comprar a planta de São Bernardo assinou termo de confidencialidade com a Ford para seguir com as negociações (28/03)
  • jornal O Estado de São Paulo informa que CAOA assumirá a fabricação de caminhões em São Bernardo, já tendo mesmo fechado acordo com a Ford para a compra da planta (01/04)
  • notícias de que “conversa com CAOA avança” levam à suspensão da greve em São Bernardo (02/04)

 

GM, TRAJETÓRIA

A montagem de automóveis e veículos comerciais pela General Motors do Brasil foi iniciada em 1925.

  • 1958, primeiro veículo nacionalizado: caminhão médio 6400, modelo convencional com motor de seis cilindros a gasolina.
  • 1964: linha de veículos comerciais relançada com modernas cabines de desenho e projeto nacionais.
  • 1968, lançamento do primeiro automóvel: Opala, sedã médio de origem alemã (Opel), como ocorrerá com todos os demais modelos, até 1994.
  • 1969: primeiro caminhão diesel.
  • 1973, lançamento do segundo automóvel: sedã pequeno Chevette.
  • 1974: Chevrolet é líder nacional em caminhões médios a gasolina (71,7% vs 24,4% da Ford) e segunda no total de vendas, depois da Mercedes-Benz.
  • 1976: inauguração da fábrica de motores Detroit Diesel, fechada três anos depois após graves problemas de qualidade e desempenho.
  • 1982, automóvel Monza: sedã e hatch médios, “carro mundial” de origem europeia.
  • 1989: hatch compacto Kadett.
  • 1992: sedã médio de luxo Omega.
  • 1994: sedã médio Vectra.
  • 1994: hatch pequeno Corsa.
  • 1995: descontinuada a produção de caminhões.
  • 2000: inaugurada nova fábrica no Rio Grande do Sul; lançamento do Celta, carro pequeno de projeto brasileiro.

GM, HOJE

A política coerente de produto da GM brasileira ao longo dos anos, focada em automóveis pequenos e médios de projeto europeu, muito mais adequados à realidade do país, protegeram a empresa em momentos de crise. Deixada em segundo plano, a linha de produção de caminhões foi abandonada nos anos 90. A nova fábrica gaúcha, o Celta e os lançamentos seguintes consolidaram a posição da marca e por fim levaram-na à liderança, ultrapassando a Volkswagen em 2011 e a Fiat em 2016. Desde então se mantém em primeiro lugar no setor – em total produzido e modelo mais vendido. A produção anual do Onix, seu carro de maior sucesso, é maior do que o total fabricado pela Hyundai, Toyota ou Honda. O sedã Prisma vende mais do que, juntas, Peugeot, Citroën e Mitsubishi.

Ainda assim, “os acionistas” querem mais. Eis o relato dos últimos dias:

  • comunicado da Presidência da GM Mercosul aos funcionários das fábricas de São Caetano do Sul e São José dos Campos prenuncia cortes de empregos e até fechamento de plantas, caso o “prejuízo significativo” nos últimos três anos na região não seja revertido ainda em 2019; um plano de “recuperação de rentabilidade” teria sido apresentado à Administração Central nos EUA, plano que “requer apoio do governo, concessionários, empregados, sindicatos e fornecedores” e de cujo sucesso – ameaça – “dependem os investimentos da GM e o nosso futuro” (dias antes, ao anunciar à imprensa, em Detroit, que “considerava sair da América do Sul“,  a Presidente mundial da empresa foi literal: “não vamos continuar investindo para perder dinheiro“) (18/01/19)
  • Presidência da GM Mercosul nega o encerramento das fábricas brasileiras e confirma a manutenção do programa de investimentos para o período 2014-2019; o ciclo de investimentos para o período seguinte (2020-2023) estaria condicionado, porém, às diretrizes da matriz de só investir em locais e produtos rentáveis (22/01)
  • GM apresenta aos sindicatos de São José dos Campos e ABC seu programa de cortes de custos, cuja aceitação pelos trabalhadores condicionaria investimentos futuros; as medidas envolviam, entre muitos outros itens, redução do piso salarial em até 30%, congelamento de salários, não pagamento de participação nos resultados, aumento de 10% na jornada semanal, jornada intermitente, criação de turnos de 12 horas, terceirização em toda a fábrica e fim do transporte fretado (23/01)
  • apresentado ao sindicato de Gravataí programa semelhante, incluindo corte de piso salarial e de benefícios, terceirização total e revogação de acordos anteriores (26/01)
  • em reunião com 64 dos seus maiores fornecedores, GM cobra redução ou congelamento do preço de componentes e ameaça que, sem “sacrifícios” do setor, serão inviáveis novos investimentos no Brasil (28/01)
  • paralização de quatro horas na fábrica de Gravataí leva a administração da GM a recuar em suas exigências, mantendo o teor dos acordos atuais, válidos até 2020 (01/02)
  • em seu primeiro comunicado oficial à imprensa desde o início das “negociações” com sindicatos e fornecedores, a GM informa estar concluindo as ações previstas no plano de investimentos 2014-2019 e estar “negociando condições de viabilidade para o novo e adicional investimento de R$ 10 bilhões no período 2020 a 2024“; os novos aportes seriam destinados apenas às duas plantas paulistas (02/02)
  • Balanço Anual da GM mundial indica lucro líquido de US$ 8,1 bilhões, aí incluídas as perdas de US$ 900 milhões na Argentina e Brasil (06/02)
  • fechado acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos: 10 das 28 cláusulas restritivas propostas pela GM foram parcialmente aceitas pelos trabalhadores, em troca de promessa (ainda não formalizada pela empresa) de novo ciclo de investimentos de US$ 5 bilhões (07/02)
  • cedendo às ameaças da GM e Ford de encerramento de suas fábricas paulistas, o governo estadual cria o programa IncentivAuto, oferecendo redução do ICMS em troca de investimento mínimo de R$ 1 bilhão (um décimo do que a GM já havia sugerido para suas duas plantas); no mesmo dia a prefeitura de São Caetano do Sul oferece à GM seu pacote de benefícios; o projeto de lei correspondente, aprovado pela Câmara de Vereadores dias depois, criou o programa ProAuto, concedendo à GM, por oito anos, isenção total do IPTU, redução do ISS de 5% para 2%, desconto na tarifa de água e abatimento de até 80% na tarifa de esgoto (08/03)
  • após os incentivos oferecidos pelo Estado de São Paulo, GM confirma investimento de R$ 10 bilhões para o período 2020-2024, igualmente divididos entre as fábricas de São Caetano do Sul e São José dos Campos; a empresa terá abatimento de 25% no ICMS no período (2,5% por bilhão investido) (19/03)

Como que por ironia, no dia seguinte ao aparente fim desta novela, nova notícia chega de Detroit: tamanho é o sucesso do Onix na América Latina que (apesar da multinacional necessitar de tantos incentivos para produzi-lo), a administração central da empresa decidiu universalizar o nome do modelo.

 

EM CONCLUSÃO

A visão “estratégica” do Board of Directors da Ford e General Motors parece longe de entender a realidade brasileira.

Toda a indústria automobilística vem investindo pesadamente no país nos últimos anos: não apenas as pioneiras Volkswagen, Mercedes-Benz e Scania, em suas fábricas “sessentonas”, e as da segunda geração Fiat e Volvo, recém-chegadas aos “quarenta”; também as newcomers (assim como as veteranas com fábricas novas) têm continuamente aplicado recursos em modernização e aumento de capacidade. Assim, não há como correr em defesa de Ford e GM alegando serem donas de plantas excessivamente antigas e tecnologicamente defasadas: o que se dirá daquelas da Volkswagen e Mercedes-Benz, esta já operando sob o conceito Indústria 4.0?

Mais tosco ainda é argumentar, em apoio à Ford pela decisão de fechamento de sua planta, que a empresa possui fábricas “em locais ‘inconvenientes’, controladas por sindicatos que extrapolam em exigências“: onde estão sediadas Scania e as mesmas Mercedes-Benz e Volkswagen, que se encontram em pleno ciclo de investimentos, totalizando, até 2022, R$ 9,3 bilhões?

Mas a fome dos acionistas é insaciável…

 

 

 

 

 





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HÁ 60 ANOS

O automóvel brasileiro em 1956

dezembro 2016

1956 é tido oficialmente como o ano da criação da indústria brasileira de veículos. Isto é uma meia-verdade.

Se considerarmos que foi naquele ano, no dia 16 de maio, que o Presidente Juscelino Kubitschek assinou o Decreto no 39.412, que criou o Grupo Executivo da Indústria Automobilística e, com ele, as bases institucionais para a construção local de automóveis, caminhões e ônibus quase 100% nacionais, a comemoração oficial está correta.

Também é real que em 5 de setembro de 1956 foi lançado o primeiro automóvel de passageiros fabricado no país – o minúsculo Romi-Isetta – e, em 19 de novembro, o DKW Universal, primeiro veículo produzido segundo as novas regras do GEIA.

No entanto, desconsiderar o muito que já era então criado no país, mais do que simples desleixo seria um erro histórico. Este foi nosso enfoque ao criarmos LEXICAR: contar a história de todos os que contribuíram nesta longa trajetória, que não teve início em 1956, mas quase 50 anos antes, com as primeiras carrocerias de automóveis projetadas e construídas no país.

Com esta página – que desejamos atualizar a cada final de ano -, LEXICAR se propõe desenhar o retrato da indústria automobilística brasileira de seis décadas atrás, mostrando sua evolução e as novidades trazidas ano a ano.

Comecemos, neste dezembro, pelo “início oficial”: 1956.

 

Montagem de veículos e início do processo de nacionalização

A montagem de veículos no Brasil vinha de longe: automóveis Ford T já eram montados na Bahia em 1918, três anos antes da Ford inaugurar sua própria fábrica em São Paulo. A primeira planta da General Motors foi inaugurada em 1925, iniciando a montagem de automóveis e caminhões de diversas das suas marcas, norte-americanas e europeias. Produtos de muitos outros fabricantes chegavam ao país em partes, e eram aqui montados por distribuidores e empresas industriais brasileiras, com agregação de alguns componentes nacionais, como pneus e baterias: International, Fiat, Büssing, Chrysler, Studebaker, Mercedes-Benz, Scania-Vabis e Willys foram alguns deles.

Ainda que timidamente, a agregação de itens nacionais aos veículos aqui montados passou a se intensificar a partir do início da década de 50, em resposta a estímulos industrializantes do segundo governo Vargas. A GM (que desde 1934 construía no Brasil as carrocerias de seus ônibus), em 1953 se dispôs a construir nova fábrica e iniciar a nacionalização de caminhões e picapes, que já no ano seguinte passaram a receber cabines e caçambas nacionais. Mais conservadora, também em 1954 a Ford passou a produzir localmente suas cabines de caminhões e picapes.

A Willys, que nos anos seguintes viria a se tornar o maior fabricante brasileiro de veículos, inaugurou grande fábrica em São Bernardo do Campo, em 1954, dando início imediato à montagem da Jeep. No ano seguinte lançou modelo mais atualizado – Universal -, já trazendo 40% de componentes nacionais.

Jeep Universal 1956

 

Veículos nacionais em dezembro de 1956

Um dos maiores pecados que comete quem comemora o dia do lançamento do DKW Universal – 19 de novembro de 1956 – como marco fundador da nossa indústria de veículos é desconhecer a existência da Fábrica Nacional de Motores. Estatal fundada em 1942, em 1949 fabricou os primeiros caminhões brasileiros, inicialmente sob licença da italiana Isotta-Fraschini – já então com 30% de nacionalização – e, desde 1952, da também italiana Alfa Romeo.

Em 1956 fabricava o caminhão FNM D-9500 e o chassi de ônibus dele derivado. Com motor diesel de seis cilindros de injeção direta e 130 cv, eixo traseiro de dupla redução, caixa de câmbio com oito marchas para frente e duas a ré e freios pneumáticos, tinha capacidade para 8,1 t, ou 22,0 com reboque. Ultrapassava 50% de conteúdo local. Entre 1955 e 56, tratores agrícolas Fiat 25/R também eram montados pela FNM.

Igualmente em produção seriada, em1956, havia o pequeno Romi-Isetta. Produzido pelo fabricante de tornos Romi (que em 1948 chegara a projetar e construir tratores agrícolas), tinha apenas dois lugares e 2,2 m de comprimento. Possuía motor (importado) de um cilindro e dois tempos, com 198 cm3 e 9,5 cv, e caixa de quatro marchas à frente, mais ré.

     

FNM D-9.500 e Romi-Isetta

 

Importante ator, cujo papel pioneiro é com freqüência esquecido, é a Mercedes-Benz. Seus caminhões e chassis vinham sendo aqui montados desde o início da década. Em 1953 a empresa alemã iniciou a construção de grande fábrica em São Bernardo do Campo, inaugurada em 28 de setembro de 1956 com o lançamento do caminhão diesel médio L-312. Equipado com motor de seis cilindros, 4,8 l e 110 cv, câmbio de cinco marchas e freios hidráulicos com assistência a ar, também vinha em versão sem cabine, para encarroçamento como lotação.

Feito ainda mais relevante da Mercedes-Benz, porém, foi a fundição dos primeiros blocos de motor na América Latina, em dezembro de 1955, façanha textualmente considerada impossível pelas norte-americanas Ford e General Motors.

A última novidade do ano, em novembro – e que, por fim, veio a marcar o início da indústria brasileira de veículos – foi o lançamento da caminhonete DKW Universal, produzida pela Vemag, que também montava os caminhões Scania-Vabis no Brasil. Simpaticíssimo carrinho que se tornaria ícone dos anos iniciais de nossa indústria, possuía motor de três cilindros e dois tempos, com 903 cm3 e 38 cv, caixa de câmbio de quatro marchas e – quase desconhecida no Brasil – tração dianteira.

     

Mercedes-Benz L-312 e DKW Universal

 

A farta produção de carrocerias de ônibus

LEXICAR tomou como marco inicial de nossa indústria automobilística a fabricação, pela Grassi, da primeira carroceria para automóveis concebida no país, em 1907. A mesma Grassi produziu a primeira carroceria brasileira de ônibus, em 1911. Em 1932 realizou suas primeiras exportações.

Foi aquela carroceria para um automóvel Fiat importado, em 1907, que deu origem à nossa pujante indústria de carrocerias de ônibus, das maiores e mais modernas do mundo.

Grande número de fabricantes operava no Brasil em 1956: pelo menos três dezenas de pequenas, médias e grandes indústrias, além das inúmeras oficinas artesanais anônimas espalhadas por todas as regiões do país.

O Rio de Janeiro liderava o setor, na época, com pelo menos oito marcas em operação plena: Bons Amigos (fundada em 1942), Carbrasa (1947), Cermava (1949), Ciferal (recém criada em 1955, que por anos lideraria tecnologicamente o setor), Cirb (1935), Metropolitana (1948), Pilares (1952) e Vieira (1945).

Também o Rio Grande do Sul se destacava pelo número de empresas: Eliziário (anos 40), Hennemann (1946), Incasel (1949), Nicola (1949), Ott (produzindo carrocerias desde 1924) e Spohr, Schneider (anos 20). Algumas não sobreviveram à década de 50, porém Nicola e Eliziário dariam origem à Marcopolo, atual líder brasileira e uma das principais do planeta.

São Paulo possuía dois grandes fabricantes (a própria Grassi e a Caio, de 1945), além de diversas pequenas empresas de alcance limitado (Linsônibus, Lopes Saes, Modêlo, Panair). Em Santa Catarina operava a Nielson – futura Busscar -, criada em 1946.

Finalmente, representando a miríade de artesãos que com parcos recursos utilizavam sua criatividade para proporcionar mínimas condições de transporte para milhares de moradores do interior do país, aqui citamos os ônibus tipo zepelim, que encontraram auge de fama e de mercado, no Pará e no Amazonas, exatamente em meados da década de 50.

A seguir você encontrará uma seleção de carrocerias produzidas em 1956 por oito diferentes fabricantes nacionais.

 

     

Carbrasa sobre chassi Volvo e Ciferal sobre Mercedes-Benz LP-312

     

Metropolitana sobre Mercedes-Benz L-312 e Eliziário sobre FNM

     

Nicola sobre FNM e papa-filas com cabine e carroceria Caio 

     

Grassi sobre plataforma GM Coach e carroceria artesanal paraense tipo zepelim 





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