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Wilson Fittipaldi Jr., nascido em 1943, e seu irmão Emerson, três anos mais novo, paulistanos, escreveram seu nome no automobilismo brasileiro não apenas como pilotos campeões, mas também como construtores. Em paralelo com suas carreiras de pilotos, trabalhando juntos, foram responsáveis por pelo menos cinco tentativas importantes, no sentido de construir carros brasileiros competitivos para o esporte automobilístico, em diversas categorias.

Os dois se iniciaram cedo nas corridas, ambos nos karts: Wilsinho aos 15 anos e Emerson aos 14. Wilson foi campeão brasileiro em 1959, 60 e 61; Emerson em 1964. Já estas primeiras experiências acenderam na dupla o desejo de desenvolver seus próprios carros. Em 1966, o irmão mais velho, em companhia do amigo Maneco Combacau, adquiriu a fábrica de karts Riomar. Logo iniciou o projeto de um novo chassi, lançado seis meses depois, que se revelaria revolucionário e redefiniria a categoria no Brasil – o famoso “chassi deitado” Mini, mais curto e com posição de pilotagem reclinada.

Com a homologação, no Brasil, da categoria Fórmula V (criada na Alemanha, utilizando mecânica Volkswagen 1200 de série, com 44 cv), os irmãos resolveram projetar o seu próprio carro. Conhecido como Fitti-Vê, o protótipo foi construído nas oficinas da Riomar. No ano seguinte a fábrica de karts foi vendida e a dupla (que, depois de passar pela equipe Willys, então corria pela Dacon) passou a se dedicar à construção dos Fórmula V. Com chassi tubular, carenagem aerodinâmica de fibra de vidro (moldada pela Glaspac), suspensão traseira com braços longitudinais e molas helicoidais (a dianteira era original VW), o Fitti-Vê pesava apenas 375 kg. O carro foi vencedor da primeira prova da categoria na América Latina e, com ele, Emerson sagrou-se campeão brasileiro 1967 da categoria. O carro foi por duas vezes exposto no Salão do Automóvel, nos stands da revista Autoesporte (em 1966) e da Petrobrás (1968), ano em que foi oferecido um grande aerofólio traseiro como opcional. Entre 1966 e 69, 54 unidades foram fabricadas.

Ainda em 1967 os irmãos Fittipaldi se propuseram construir um protótipo especialmente para vencer as disputadas Mil Milhas de Interlagos, daí surgindo o Fitti-Porsche. O novo carro tomou por base um chassi Porsche 1500 RS, reforçado e com distância entre eixos aumentada, sobre o qual foi montado em posição central um conjunto de motor (quatro cilindros, 2 l) e câmbio (cinco velocidades) da mesma marca. A suspensão dianteira era original, enquanto que a traseira teve desenho próprio, com braços longitudinais e molas helicoidais. Inicialmente projetado como spyder, o Fitti-Porsche acabou ganhando carroceria fechada com portas em “asa de gaivota”. No seu primeiro treino, em Interlagos, o carro quebrou o recorde da pista com tempo quase 15 segundos menor, limite que já durava dez anos. Também foi recordista no Rio de Janeiro, Brasília e Paraná. Apesar de sempre muito bem classificado nos treinos, por problemas mecânicos ou de pneus o Fitti-Porsche venceu raras provas.

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O vencedor monoposto Fitti-Vê, dos anos 60 (fonte: site mestrejoca).

Em 1968 a dupla preparou seu primeiro “turismo” modificado, o Fittipaldi 1600, um Fusca com capô, portas, bancos e para-lamas de fibra de vidro, janelas de acrílico, motor 1600 com dois carburadores, câmbio de quatro marchas adaptável a cada circuito e suspensão dianteira regulável. Na versão seguinte a ventoinha foi eliminada, substituída por duas grandes tomadas de ar, liberando potência para o motor, que atingiu 70 cv.

No final do ano os irmãos planejavam a construção de um protótipo com motor de sete litros, Ford ou Chevrolet importado. Emerson viajou para a Europa para negociar componentes para o novo carro, e acabou ficando. Aí teve início sua meteórica carreira internacional: em 1969, aos 21 anos, começou a disputar a Fórmula Ford, vencendo três das nove provas que correu; convidado para a Fórmula 3, terminou o ano como campeão britânico, com oito vitórias em 11 provas; em 1970, já na Fórmula 2, foi convidado pela Lotus para a Fórmula 1; dois anos depois já era campeão mundial – o primeiro brasileiro a vencer uma temporada na categoria máxima do automobilismo.

Enquanto isto, antes de também aventurar-se no cenário europeu, Wilson construía mais um carro – o Fitti-Volks. Este ousado projeto foi preparado em pouco mais de um mês. Tomou uma plataforma Fusca, cujo túnel central foi substituído por um tubo de grande diâmetro e os pontões traseiros por um semi-chassi tubular; sobre esta base montou a gaiola que formou a cabine.  A suspensão dianteira era Porsche e a traseira, a mesma dos Fitti-Vê; câmbio de cinco marchas, direção e freios (a tambor) também vieram da Porsche. A grande originalidade (ou estranheza…) do carro estava na motorização: dois 1600 da VW, com cilindrada elevada para 2,2 l cada, unidos através da ponta dos virabrequins por meio de uma junta elástica, montados entre-eixos, resultando num motor de oito cilindros opostos; o carro era alimentado a álcool e, com quatro carburadores duplos e comandos de válvulas especiais, desenvolvia cerca de 400 cv. A leve carroceria de fibra de vidro (seguindo e estilo do Fusca e mais uma vez moldada pela Glaspac) era dividida em duas, a metade traseira constituindo enorme capô; pesava somente 17 kg. A exemplo do Fitti 1600, foram eliminadas as ventoinhas de resfriamento do motor; em seu lugar, tomadas de ar junto ao para-brisa (que para isto foi fortemente inclinado), dutos sob o teto e quatro grossas mangueiras flexíveis lançavam o ar diretamente sobre o motor; dois radiadores de óleo foram instalados no lugar do para-choque dianteiro. No seu primeiro treino de classificação para os 1.000 km da Guanabara, ficou com o terceiro melhor tempo, atrás do Alfa Romeo P-33 e apenas a um segundo do Ford GT40. O carro, contudo, não teve grande sucesso nas pistas.

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O espantoso Fitti-Volks – o Volkswagen bimotor de 400 cv dos irmãos Fittipaldi (fonte: site thesamba).

O período de 1970 a 73 Wilson Fittipaldi passa na Europa, como piloto nas Fórmulas 3, 2 e 1, nesta pela Brabham. Em 1974 (ano em que Emerson seria pela segunda vez campeão mundial, agora pela McLaren) Wilson já estaria de volta ao Brasil, para dar início ao seu projeto mais ambicioso, nada menos do que a construção do primeiro – e único – monoposto brasileiro para Fórmula 1. Instalada num galpão próximo ao autódromo de Interlagos, em São Paulo, sob a razão social Fittipaldi Empreendimentos S.A. e com o patrocínio da Copersucar, em menos de um ano a jovem equipe coordenada por Wilson preparou os dois carros exigidos pelo regulamento da FIA. O projeto foi de autoria do brasileiro Ricardo Divila (29 anos, hoje técnico da equipe Nissan de automobilismo, no Japão). Embora não trouxesse novidades sob o ponto de vista mecânico, o primeiro F1 brasileiro (FD-01, de Fittipaldi-Divila) apresentava uma carroceria original, resultado de acurado trabalho aerodinâmico, dando ao carro a mais reduzida área frontal dentre os F1 da época. A carenagem de fibra de vidro, testada no túnel de vento do CTA, escondia todos os órgãos mecânicos, à exceção dos braços da suspensão; a principal entrada de ar para o motor ficava na abertura do santantônio e o radiador de água foi colocado na extremidade traseira.

O objetivo da equipe era utilizar o máximo de elementos produzidos no país, para o que contou com a colaboração de grande quantidade de indústrias. Parte dos componentes era de série; diversas partes, porém, tiveram que ser especialmente projetadas, sendo muitas delas testadas no antigo Brabham de Wilson, transformado em “carro-mula”. O chassi monocoque e os braços da suspensão ajustável foram fabricados com material aeronáutico fornecido pela Embraer. Motor e câmbio eram ingleses, da marca e modelo de todos os demais carros de F1 da época: Ford Cosworth V8 (2.993 cm3, 470 cv) e caixa Hewland de cinco velocidades. Excluindo motor, câmbio e freios a disco (também importados), o FD-01 chegou a atingir 75% de material nacional.

Em outubro de 1974, nos salões do Congresso Nacional, em Brasília, o carro foi apresentado ao General Presidente e à imprensa, e já em janeiro do ano seguinte disputava seu primeiro GP, na Argentina. Conduzido por Wilsinho, apresentou problemas de alimentação e superaquecimento, acabando por acidentar-se na 12ª volta. O carro foi sendo acertado ao longo da temporada (o italiano Arturo Merzario era o segundo piloto), recebendo ajustes na suspensão, aerofólios e carenagem, neste caso para aumentar o fluxo de ar para refrigeração do motor. Desta forma, foram geradas as versões FD-02 e 03.

No final de 1975, após vencer seu segundo campeonato mundial, Emerson abandonou a McLaren para tornar-se piloto da sua própria escuderia. Para ele foi preparado o FD-04, mais uma vez alterado na aerodinâmica, suspensão e refrigeração. Os resultados de sua primeira temporada na Copersucar foram quase nulos (3 pontos em 15 corridas); ainda assim, Emerson recusou convite da Ferrari para assumir como piloto principal em lugar de Niki Lauda, recém acidentado. Para 1977, o FD-04 foi melhorado e teve a carenagem bastante modificada; o carro também mudou de cor – de prata para amarelo. No meio do ano a equipe mudou-se para a Grã-Bretanha e Emerson estreou outro carro, criado pela dupla Divila e o inglês David Baldwin, o F-5, de projeto totalmente novo e concepção atualizada (sua carroceria foi moldada no Departamento de Estilo da GM, em São Caetano do Sul). Ainda assim, o ano terminou com apenas 11 pontos, em 14 provas – todos conquistados com o carro antigo.

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Raio X do FD-04, um dos cinco monopostos projetados no Brasil para a escuderia Copersucar (fonte: site flaviogomes).

Aí terminou a fase “brasileira” dos monopostos Copersucar-Fittipaldi: todos os outros carros seriam de projeto e construção estrangeiros – nem por isso tornando-se mais competitivos. Eis o resumo dos anos finais da escuderia: 1978, com o F-5A (modelo F-5, revisado pelo italiano Giacomo Caliri), 17 pontos e 9º lugar na classificação final – o melhor resultado de todas as campanhas da marca; 1979, com F-5A e F-6 (atualizadíssimo projeto do australiano Ralph Bellamy), somente um ponto. Em 1980 os irmãos Fittipaldi compram a equipe Wolf, já sem contar com o patrocínio da Copersucar. Dois anos depois, com US$ 7,2 milhões de dívidas, a equipe seria desfeita. Entre 1980 e 82, mais três carros foram preparados: F-7 (Wolf 1979, projetado pelo inglês Harvey Postlethwaite, com novo nome), F-8 (do mesmo projetista) e F-9 (derradeira contribuição de Ricardo Divila para os Fittipaldi).

Embora possa parecer irrisório o resultado final dessa incursão brasileira no mundo da Fórmula 1, há que considerar a dificuldade que todos construtores enfrentam no acerto final dos seus carros até que eles atinjam um ponto de confiabilidade e competitividade suficiente, capaz de capacitá-los a disputar as primeiras posições em provas cheias de fatores imponderáveis. Deve-se lembrar que os Copersucar-Fittipaldi pontuaram diversas vezes, quando chegaram na frente de equipes muito mais ricas e experientes, tais como Ferrari, McLaren, Renault e Williams. (Os primeiros F1 brasileiros seriam relembrados no seu 30º aniversário, em 2004, ano em que a fabricante de autopeças Dana, comemorando os seus 100 anos, patrocinou a restauração de dois daqueles modelos históricos – FD-01 e FD-04.)

Ainda em 1980, no Brasil, os irmãos tentam mais uma (curtíssima) experiência como construtores: desejando criar o “Abarth brasileiro”, contratam Jorge Lettry, o grande ex-chefe de equipe Vemag e Puma, para preparar esportivamente o Fiat 147 Rallye, que lançaram em junho como Fiat Fittipaldi. O trabalho foi completo: na mecânica e carroceria, tudo foi revisto. O motor teve o cabeçote rebaixado e recebeu novo coletor de escape com dupla saída e carburador com duplo corpo descendente, resultando em (apenas) mais 3 cv agregados aos 72 originais. Todos os elementos da suspensão foram mudados (molas, amortecedores, barras estabilizadoras) e alterados os pontos de regulagem do camber, caster e alinhamento; a caixa ganho quinta marcha. Externamente, nova grade, para-choques mais largos recobertos de borracha, spoilers na frente e (dois) atrás, arcos das rodas alargados, novo desenho do capô, teto-solar e três cores exclusivas, metalizadas. No interior, novo volante, instrumentos completos, bancos esportivos com regulagem contínua do encosto e cintos de segurança retráteis de três pontos. Com fábrica instalada em Barueri (SP) e comercialização pela rede Fiat, esperava-se vender entre 50 e 60 unidades mensais. Entretanto, com apenas quatro carros fabricados (um deles para competição) e alegando a não disponibilização pela Fiat de carros novos para transformação, em 1981 os Fittipaldi venderam o projeto para a revenda paulistana Eldorado, que o relançou com motor a álcool. Ao se desfazer do empreendimento, Emerson anunciou o lançamento, “até final de 1982“, de um esportivo de dois lugares, destinado ao mercado externo, com motor entre-eixos de alta performance, que não chegou a se concretizar.

Em 1984 Emerson Fittipaldi embarcou para os EUA e, no ano seguinte, foi contratado como piloto da equipe Patrick Racing de Fórmula Indy, da qual foi campeão em 1989 e vencedor das 500 Milhas de Indianápolis de 1989 e 93.

Em 2017, aos 71 anos de idade, concebeu e desenvolveu, em conjunto com a italiana Pininfarina, um automóvel esportivo de alto desempenho, a ser construído em apenas 39 unidades (número de vitórias internacionais de Emerson) pela preparadora alemã HWA. Denominado EF7 Vision Gran Turismo, possui estrutura monobloco, carroceria moldada e reforçada com fibra de carbono, câmbio seqüencial de seis marchas e motor V8 de 4,8 l e 600 cv, permitindo-lhe atingir 100 km/h em menos de três segundos.





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