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A norte-americana International Harvester Co. (popularmente conhecida como IH) nasceu em 1902, em resultado da união da McCormick Harvesting Machine Co. com quatro outros fabricantes de implementos agrícolas dos EUA. A McCormick, por seu lado, foi criada em 1847 para produzir um modelo de ceifadeira de tração animal inventada pelo fundador da empresa, ocasionando que a IH se tornasse uma das mais antigas indústrias mecânicas daquele país. Em 1907 fabricou seus primeiros utilitários e logo depois caminhões, embora o segmento de máquinas agrícolas por muitas décadas permanecesse seu principal negócio.

Muito diversificada e tecnologicamente estagnada, a empresa começou a viver crescentes dificuldades financeiras nos anos 70, acabando por ter que se desfazer das divisões de tratores, máquinas agrícolas e de construção, vendidas, em 1984, para a Tenneco, grupo controlador da J I Case (esta, unida à New Holland, em 1999 daria origem à gigante CNH). Com a venda, a marca e o logotipo IH – criada em 1947 pelo grande designer Raymond Loewy – passaram à propriedade da Case. Reduzida ao negócio de caminhões, em 1986 a International Harvester abandonou o nome histórico e assumiu a razão social Navistar International Corp. Em 2016 o Grupo Volkswagen adquiriu 16,8% das ações da companhia; em janeiro de 2020, através de sua subsidiária Traton, fez oferta para aquisição do restante do controle; a administração da Navistar prometeu avaliar a “oferta não solicitada“. Após dez meses de negociação, a venda da totalidade das ações foi aceita, em transação envolvendo montante de cerca de US$ 3,7 bilhões. 

A IH foi o terceiro fabricante mundial de veículos a se instalar no Brasil, abrindo uma filial ainda em maio de 1926, logo depois da General Motors. Situada em São Paulo (SP), lá iniciou a montagem de caminhões importados, acabando por conquistar importante fatia do mercado nacional. Em 1947 a filial constituiu-se em sociedade anônima, com o nome International Harvester Máquinas S.A.. A produção no Brasil, interrompida durante a Segunda Guerra, foi retomada em 1949, agora em novas instalações, em Santo André (SP). Com capacidade de 25 veículos por dia, nela foram fabricadas peças para o mercado de reposição e montados caminhões leves, médios e pesados (de 1/2 a 40 t de capacidade), tratores e máquinas de construção. Importados em regime CKD, os veículos da marca foram também montados no Rio de Janeiro (RJ), em instalações próprias, em Porto Alegre (RS) e em portos de cidades nordestinas.

Em 1952, após inversão de CR$ 30 milhões, a empresa deu início à nacionalização de seus veículos. Em dois anos, além da montagem de cabines com componentes importados, a empresa já fabricava, entre outros, rodas e tambores de freios. No final de 1954, quando já produzia 250 cabines/mês, apresentou ao Governo Federal plano quinqüenal de investimentos, no final do qual atingiria a construção de 5.000 unidades do modelo selecionado (R-164, PBT de 7,7 t), com 74,27% de nacionalização. Apesar da proposta não ter sido formalmente aceita pela Administração Federal, conturbada pelo suicídio do Presidente Vargas, a IH deu continuidade a seus planos. Prensas foram instaladas e, em 1955, as cabines já estavam quase que completamente nacionalizadas, construídas com partes estampadas no Brasil e tendo como único item importado o para-brisa, vindo dos EUA.

Primeira fase, 1958: por menos de nove anos fabricando no Brasil

Assim, quando da abertura do processo de nacionalização conduzido pelo GEIA no governo JK, a empresa foi das primeiras a se apresentar, ainda em 1956 tendo seus planos aprovados. O projeto envolvia a ampliação da planta de Santo André para a fabricação de um caminhão médio, à razão de 5 mil unidades/ano; até o final de 1960 deveriam ser concluídos 10 mil veículos. Em setembro de 1958 saiu da linha de montagem o primeiro veículo, modelo N-184, com 10 t de PBT e três versões de entre-eixos. O percentual de agregação nacional era ainda reduzido (35%), já que motor (seis cilindros em linha a gasolina, 137 cv), caixa (cinco marchas com reduzida) e partes estampadas da cabine ainda eram importados. No mais, era um veículo de arquitetura convencional, porém com rodas raiadas, freios pneumáticos, cabine semi-avançada e estrutura mais reforçada do que seus equivalentes nacionais de origem norte-americana Chevrolet e Ford.

Ao longo de 1960 as instalações de Santo André foram concluídas, com a inauguração da estamparia e, em dezembro, da fundição e fábrica de motores, elevando para 93% o índice de nacionalização. No final daquele ano, no I Salão do Automóvel, a International inovou e, seguindo a “última moda” dos EUA, lançou o primeiro veículo brasileiro com faróis duplos; denominado NV-184, era o mesmo modelo anterior, agora com motor V8 nacional de 160 cv. Em 1963 a empresa entrou no mercado de ônibus, apresentando o NFC-183, obtido da adaptação do chassi do caminhão (entre-eixos de 4,85 m, bitola dianteira alargada, posto de comando deslocado para adiante, alternador em lugar de dínamo). O chassi foi lançado com três opções de motor: V8 a gasolina, diesel Perkins de 128 cv e, solução inédita no Brasil, V8 a GLP. No ano seguinte o motor diesel foi estendido aos caminhões, que receberam o código N-184-D e o logotipo da Perkins à esquerda da grade dianteira. O modelo a gasolina, por sua vez, ganhou uma variante com terceiro eixo de fábrica, com rodado simples, elevando o PBT para 15,7 t.

A produção da International brasileira, porém, jamais deslanchou, permanecendo durante toda a sua existência uma das menores entre os onze fabricantes nacionais. A empresa não descartou a diversificação, desde 1960 fazendo parte dos seus planos a produção de tratores; em 1963 chegou a preparar um protótipo de caminhão leve, para 2,5 t (da categoria do Ford F-250), testado, mas não colocado em linha. Em meados de 1965 a produção foi suspensa. O ano terminou com boatos de encerramento definitivo das atividades, desmentidos pela empresa, que informou ter interrompido apenas “provisoriamente” a fabricação de caminhões enquanto estudava o lançamento de novo modelo. Em novembro de 66, por ocasião do Salão do Automóvel, a linha de fabricação de caminhões ainda estava parada, mas a IH afirmava que não era em definitivo, falando ora na fabricação de um motor diesel, ora no lançamento de um caminhão fora-de-estrada. Nenhuma das alternativas foi levada adiante e a produção jamais foi retomada. Em abril de 1967, após a construção de pouco menos do que 6.000 veículos (dos quais somente 299 ônibus) a International oficialmente cerrou as portas, comprometendo-se a manter o fornecimento de peças de reposição para a frota em operação. No final do ano as instalações de Santo André foram vendidas para a Chrysler.

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N-184, o primeiro caminhão International fabricado no país, aqui na frota do Moinho Fluminense (fonte: carrosantigoseonibus).

Segunda fase, 1997: caminhões brasileiros para exportação

A International retornou ao Brasil em 1998. Pelo menos quatro tentativas haviam sido feitas antes desta: em 1971, quando se candidatou à nacionalização de um modelo de trator de esteira, mas teve o pedido negado pelo CDI; entre 1978 e 84, participando do capital da Ideal, fabricante brasileiro de colheitadeiras; em 1986, quando uma comissão de executivos norte-americanos foi enviada ao país para avaliar a oportunidade de voltar ao mercado de caminhões, porém teve a ação inviabilizada pela crise vivida pela matriz, que já a obrigara a se desfazer de suas divisões de tratores e logo a levaria a uma profunda reestruturação e à mudança do nome para Navistar; finalmente, no ano seguinte, ao discutir uma possível associação com a Mendes Júnior, alternativa inviabilizada pela desistência da empreiteira com relação ao projeto. A crise mais recente acabou por adiar, por uma década, sua volta ao país.

A segunda estréia no Brasil ocorreu por força de um Acordo Operacional firmado em setembro de 1997 com a Agrale, mediante o qual esta cederia uma de suas plantas industriais de Caxias do Sul (RS) para a fabricação de caminhões para o mercado interno e exportação. Foi constituída a subsidiária International Caminhões do Brasil Ltda., com pretensiosos planos: lançar caminhões médios da série 4000 (14 a 25 t de PBT), onde a concorrência era mais acirrada, tendo quase todos os fabricantes nacionais presença na classe; e introduzir no mercado a série pesada 9000 (40 a 45 t), de típica concepção norte-americana e um tipo de veículo com o qual o consumidor brasileiro jamais tivera contato. A produção inicial prevista era de 1.200 unidades/ano, devendo chegar a 5.000 em cinco anos, 50% destinada à exportação para a América do Sul. Mas nesse prazo a International já estaria, pela segunda vez, fora do mercado nacional.

A produção da série 4000 foi iniciada em junho de 1998, com apenas 40% de componentes de origem nacional (a cabine de aço galvanizado e o motor diesel de gerenciamento eletrônico Navistar eram importados dos EUA). O caminhão foi lançado em duas versões: 4700, 4×2 com motores turbo de 7,6 litros e 190 ou 210 cv (respectivamente com 14 e 16 t de PBT) e 4900, com 250 cv, nas opções 4×2 e 6×4 (16 e 24 t). Em março do ano seguinte foi a vez do lançamento do primeiro caminhão pesado, o 9200, com 30% de nacionalização. Tratava-se de um cavalo-mecânico 6×2 ou 6×4, com 45 t de PBT, de projeto sofisticado: cabine-leito de alumínio com suspensão pneumática e defletor no teto, ar condicionado de série e computador de bordo, permitindo o controle de até 200 funções, chassi construído em aço temperado, reduzindo em duas toneladas o peso do conjunto, sem perda de resistência, e motor eletrônico Cummins turbo de seis cilindros com aftercooler, 10,8 l e 380 cv.

Finalmente, em maio de 2000, foi lançado na feira Transtec 2000, em Caxias do Sul, o segundo modelo pesado da marca, o 9800, com cabine avançada basculante e 57 toneladas de peso bruto. Como o 9200, também era um cavalo-mecânico com cabine de alumínio, defletor, chassi de aço temperado e motor Cummins de 10,8 l, porém com potência de 405 cv; só era apresentado, contudo, na versão 6×4. O caminhão trazia ABS de série, mas, estranhamente para os padrões brasileiros, era fornecido com caixa manual não sincronizada. O lançamento do 9800 estava associado à suspensão de sua fabricação nos EUA, passando o Brasil a ser a base de distribuição mundial do modelo. Assim, passou a ser produzida uma variante com direção à direita para os mercados da África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e alguns países do sudeste asiático.

Como forma de acelerar o (lento) programa de nacionalização dos seus produtos, a partir de março de 2000 a Navistar começou a montar nos modelos médios e no 9800 cabines fabricadas pela Usiparts (antiga unidade da Brasinca, em Minas Gerais); o 9200 continuava a recebê-las dos EUA, até sua retirada de linha, pouco depois. Da mesma forma, os motores norte-americanos foram sendo substituídos por nacionais: em 2001 a série 4000 passou a dispor, como opção, de um motor eletrônico Maxion, empresa brasileira da qual a Navistar acabava de adquirir o controle acionário. Com a adoção deste motor (V8, 7,3 litros, 197 cv), juntamente com a cabine da Usiparts, os caminhões médios conseguiram alcançar o razoável índice de nacionalização de 64%, fazendo jus, a partir de então, a financiamentos da Finame. A série 9000, por sua vez, passou a ser equipada com Cummins nacional (eletrônico, seis cilindros, 24 válvulas, turbo com intercooler, 380 cv), também atingindo a barreira dos 60% de componentes fabricados no país.

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Cavalo-mecânico 9800i: com este modelo, em 2013 a International retornaria ao mercado brasileiro.

Em junho de 2002, quatro anos após sua chegada ao Brasil, a International fabricava sua 3.000ª unidade (21% exportados), um resultado muito aquém dos planos da empresa. Diversos fatores concorreram para este baixo desempenho: lenta adesão do comprador brasileiro à nova marca; rápida neutralização, pelos concorrentes, de alguns dos novos conceitos apresentados pela International, tais como motores eletrônicos e tração 6×4; reduzidíssima rede de assistência, intencionalmente pequena, segundo incompreensível política da montadora (em 2002 havia apenas 16 delas em todo o país); e alto percentual de componentes importados. A drástica redução do mercado de caminhões, nos EUA, que afetou especialmente a International, acabou determinar a mudança de rumo da filial brasileira. Em outubro de 2002, através de um comunicado oficial, alegando “sucessivos prejuízos (…) devido ao forte incremento de custos causado pela desvalorização do Real” e a “impossibilidade de repassar esse aumento aos preços de seus produtos”, a empresa informava a decisão de cessar a “operação de comercialização de caminhões no mercado brasileiro, como parte de um programa de reestruturação da companhia”. Naquela altura, havia exatos 2.348 caminhões da marca circulando no país.

As vendas internas foram encerradas, mas não a produção, embora agora restrita aos modelos pesados. A partir daí a empresa operaria apenas para o mercado externo, mesmo porque havia que cumprir um contrato de fornecimento de mil conjuntos CKD do 9800 para a África do Sul. Exatamente um ano depois, em outubro de 2003, a Navistar apresentou à imprensa os resultados de sua nova política: 1.204 caminhões fabricados nos últimos doze meses – um recorde, na sua curta história. A empresa aproveitou a oportunidade para lançar o 9800i, o mesmo 9800 com cabine reestilizada, alguns melhoramentos técnicos e de conforto e três opções de motor, todos Cummins eletrônicos: de 380 ou 405 cv, para a América Latina, e 475 cv, com direção à direita, para a África do Sul e Nova Zelândia. Em 2008, ao completar dez anos de operação, a linha de montagem gaúcha da Navistar já havia montado em torno de 12.500 caminhões.

Terceira fase, 2013: vindo para ficar?

Em setembro de 2009, nos EUA, Caterpillar e Navistar oficializaram joint-venture com o objetivo de desenvolver e produzir caminhões pesados fora da América do Norte. A nova empresa comum, chamada NC² Global LCC, teria como foco principal os países BRICS, nos quais o Brasil se inclui. Rapidamente, em menos de meio ano, a empresa confirmou a intenção de operar no Brasil, o que representaria mais um retorno dos veículos International ao mercado interno, desta vez em nova fábrica, talvez sob a marca Caterpillar, para neutralizar a “imagem negativa” que a Navistar teria deixado “em sua breve passagem” pelo país. A sociedade foi surpreendentemente desfeita em setembro de 2011.

No início do ano seguinte a Navistar associou-se à Neobus com o objetivo de comercializar ônibus completos, com a marca Neostar, para o mercado interno e exportação. Ao mesmo tempo, impactada pela efervescência do segmento brasileiro de caminhões e pela instalação de novos fabricantes no país, a empresa mais uma vez decidiu retornar ao mercado interno, tratando de elevar o conteúdo nacional dos seus veículos e construir uma unidade fabril própria em Canos (RS), ao lado da linha de motores da MWM, finalmente abandonando as instalações alugadas junto à Agrale.

Inaugurada em junho de 2013, a planta tem capacidade anual de produção (em três turnos) de 5.000 unidades. Nela passaram a ser produzidos o anterior modelo extrapesado 9800i (PBTC de 56 a 74 t, agora com 410 cv e câmbio manual de 13 marchas ou automatizado de 18) e, numa tentativa de revival de uma concepção há muito em desuso no Brasil, do médio convencional DuraStar (PBT de 16,5 a 26 t), nas versões 4×2, 6×2 e 6×4, com motor MWM de seis cilindros, 7,2 l e 274 cv, câmbio manual de 6 ou 10 marchas, eixo traseiro de dupla velocidade e freios pneumáticos a tambor, com ABS opcional.

A International, no entanto, parece fadada a desaparecer do país. Se em 2014 já produzira irrisórias 954 unidades (cerca de 80% delas adquiridas por órgãos de governo), encerrou 2016 com 67 caminhões fabricados. Dois meses antes, a 10 de novembro, a empresa divulgou nota oficial anunciando que, “frente a este cenário [econômico nacional], a International Caminhões tomou a decisão de suspender temporariamente a produção de caminhões de sua marca na fábrica de Canoas“. Por quanto tempo desta vez?

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