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LAFER | galeria

Importante indústria brasileira de móveis fundada em 1927, também produziu, durante quase duas décadas, um automóvel de grande sucesso no país – o MP Lafer. O carro, que inicialmente recebeu o nome MGT 1973, foi projetado por Percyval Lafer, um dos três irmãos proprietários da empresa, como natural desdobramento do processo de diversificação por que passava a companhia. Como Percyval uma vez revelou, foi uma escolha lógica: “temos uma tapeçaria, produzimos fiberglass, espuma e estruturas metálicas; porque não carroçarias de automóveis?” (além de móveis, a Lafer produzia peças de plástico reforçado com fibra de vidro, como “orelhões” para concessionárias de telefonia, por exemplo).

O MP – cópia do esportivo inglês MG-TD 1952 – foi a primeira réplica fabricada no país em escala industrial. Montado sobre uma plataforma Volkswagen com carroceria plástica, o MP foi pela primeira vez mostrado ao público no VIII Salão do Automóvel, em 1972. No ano seguinte, demonstrando sua intenção de exportar o novo carro, a Lafer levou-o para sua primeira exibição internacional, na feira Brasil Export, em Bruxelas.

A fabricação em pequena escala teve início em maio de 1974, em São Bernardo do Campo (SP). Como veio a ser quase universal na pequena indústria brasileira de carros fora-de-série, portanto, também neste caso o novo modelo utilizou como base a conhecidíssima mecânica VW de motor traseiro. As primeiras séries do MP receberam o motor 1500 refrigerado a ar do “Fuscão”, com carburação simples e 52 cv. Além da tradicional suspensão VW, por barras de torção, usavam freios a disco na frente e a tambor atrás. A utilização do motor traseiro impediu a construção de uma réplica fiel; ao contrário, exigiu a concepção de nova carroceria, livremente inspirada no MG. Como a plataforma do Fuscão não sofria nenhum tipo de adaptação ou corte, a carroceria também ficou mais larga do que a original inglesa. O porta-malas veio para a frente, alojando o estepe, e nas primeiras unidades o bocal do tanque de combustível foi colocado na tampa do falso radiador, causando estranheza para os frentistas dos postos de serviço da época.

Numa solução esteticamente muito bem resolvida, a ventilação do motor se dava através de uma grade traseira, com o mesmo desenho das rodas do carro, dando a falsa impressão de ser um pneu de reserva; as lanternas traseiras eram as mesmas do Fuscão. Tinha capota de lona e, como o original inglês, portas abrindo para trás, para-brisa rebatível e janelas laterais desmontáveis (de difícil acionamento: diferentemente das cortinas plásticas do MG, eram de vidro, muito mais pesadas e sem mecanismo de elevação). O acabamento era bom, mas a qualidade e precisão dos instrumentos do painel eram insuficientes. O cockpit manteve a estilo do MG, com volante quase vertical, porém mais confortável. Apesar dos pneus radiais e rodas de magnésio (opcionais), as prestações nada tinham de esportivas e a relação de peso desfavorável (41% na frente e 59% atrás) não ajudava a estabilidade nem a frenagem, que tendia ao travamento das rodas dianteiras.

O IX Salão do Automóvel, em 1974, trouxe poucas mas importantes novidades para o MP: o carro ganhou novo painel, mais completo e com instrumentos de melhor qualidade, portas abrindo para a frente, no sentido “normal”, teto rígido removível e, principalmente, novo motor – o 1600 do VW Brasília, com 60 cv. Seu desempenho teve discreta melhora com relação ao motor anterior, a velocidade máxima finalmente ultrapassando os 120 km/h (124,4, com capota fechada, versus 117,0 no modelo anterior); consumo, estabilidade e freios, porém, continuavam fracos.

O MP suscitou grande interesse do mercado. Em abril de 1976 foi fabricada a 600ª unidade do carro, que já vinha sendo exportado para os EUA, Japão e diversos outros países, completo ou sob a forma de kits. Este sucesso despertou a concorrência, fazendo proliferar o aparecimento de réplicas iguais, nem sempre bem cuidadas. A Lafer tinha, pois, uma razão a mais para aprimorar o seu carro, que no mesmo ano ganhou dupla carburação, passando a desenvolver 65 cv. Além disto, externamente recebeu novas lanternas traseiras, mais longas, de duas cores, abandonando as anteriores do Fuscão; internamente, ganhou novo volante esportivo, com aro de madeira. Com o novo motor, o consumo e o desempenho do MP finalmente conseguiram melhorar de verdade, a velocidade máxima do carro alcançando os 129,4 km/h, quase a mesma do seu inspirador – o MG-TD.

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O MP foi um dos poucos carros brasileiros de grande sucesso no mercado externo; o exemplar da foto – com interessante pintura bicolor não original – foi emplacado nos EUA (fonte: site motortopia).

No X Salão do Automóvel a Lafer apresentou uma grande surpresa: o Lafer LL, elegante cupê de três volumes, com quatro lugares e perfil bastante próximo do Mercedes-Benz SL alemão, do qual seriam fabricados apenas seis exemplares (o projeto foi abandonado pelos elevados custos previstos para a sua industrialização). O LL foi projetado pelo grande designer e professor  Rigoberto Soler, da FEI, e pretendia ser uma vitrine do que de mais moderno e atualizado estava se produzindo, no mundo, em tecnologia e segurança de carroceria. O carro incluía diversos itens inéditos, hoje corriqueiros no mundo do automóvel, mas que só estavam disponíveis, na época, em alguns modelos topo de linha das marcas mais caras: instrumentos digitais montados no centro do volante, para-choques e coluna de direção retráteis, barras de proteção laterais, santoantônio integrado à estrutura, bancos com regulagem hidráulica, vidros verdes elétricos, limpa-brisa traseiro, retrovisores externos comandados do interior do carro, além de ar condicionado, direção hidráulica e freios a disco nas quatro rodas. A carroceria era de fibra de vidro, com detalhes de acabamento sofisticados, como painel de madeira, bancos de couro e grade dianteira de bronze. A mecânica, no entanto, não era tão avançada: o LL tinha tração traseira, suspensão por barra tensora longitudinal e molas helicoidais, independente apenas na dianteira (tinha eixo rígido na traseira). Os órgãos mecânicos principais vieram do Chevrolet Opala: motor de seis cilindros, 4.100 cm3 e três carburadores, desenvolvendo 200 cv, e câmbio manual de quatro marchas.

Após um ano de retração das vendas, 1978 iniciou com um novo modelo, o MP TI, uma variante mais “jovem” da réplica. Mantendo a mesma mecânica 1600, o TI se apresentava totalmente sem cromados (a menos dos aros das rodas e da grade de refrigeração do motor), substituindo o brilho dos faróis, das lanternas e da moldura do para-brisa por pintura preta fosca. Os para-choques metálicos também foram substituídos por outros de fibra de vidro, também pretos, porém de desenho muito pesado, em desacordo com as linhas delicadas do carro. Também o interior foi ligeiramente alterado, recebendo bancos reclináveis, painel na cor preta e vidros verdes. A suspensão foi rebaixada, melhorando a estabilidade.

No XI Salão do Automóvel, naquele mesmo ano, o TI foi novamente modificado, tornando o conjunto muito mais leve e agradável: os detalhes de acabamento, anteriormente pintados de preto, passaram a receber a mesma cor da carroceria, inclusive os largos para-choques, que ganharam garras e faixa central de borracha. A falsa grade foi redesenhada, se afastando ainda mais da original MG, também perdendo o cromado e recebendo a mesma cor da carroceria. Foi eliminada a série de rebaixos laterais do capô, que imitavam saídas de ar do motor. As rodas de magnésio, igualmente, tiveram o desenho alterado e passaram a ser pintadas nas cores do carro. O novo TI vinha equipado com dois faróis bi-iodo circulares e dois faróis de neblina quadrados.

O início da década de 80 foi conturbado para a Lafer, que chegaria a pedir concordata, em março de 1981, fruto da queda das vendas internas e externas de seu principal negócio – a indústria moveleira, fruto da alta dos preços das matérias primas, a um só tempo reduzindo a competitividade internacional e o mercado interno. Como forma de aproveitar parte da capacidade ociosa no setor de moldagem de plástico, a empresa passou a produzir aerofólios e carenagens para cabines de caminhões, acessórios para reduzir turbulência em baús e reboques. O produtos foram expostos na II Transpo, em 1980. A crise também se abateu sobre seus automóveis, especialmente em 1982, ano em que, até o mês de setembro, só haviam sido comercializadas 95 unidades, contra 600 de 1980. Lentamente, porém, a conjuntura econômica do país melhorou e, por conseqüência, também a situação da Lafer.

No final de 1983 o TI passaria por mais uma atualização de estilo, afastando-o de vez do seu grande inspirador britânico – mas também do mercado externo, que continuava preferindo o MP “histórico”. Dessa vez foi eliminada a falsa grade, substituída por peça de fibra com superfície quase lisa e duas nervuras diagonais, com o logotipo octogonal deslocado para o canto superior esquerdo; para culminar, o modelo ganhou faróis retangulares, em vez dos redondos tradicionais. O carro de fato ficou bem mais “moderninho”; todavia, com tantas modificações, se afastava definitivamente da categoria “réplica”.

Em 1986, buscando recuperar a atratividade dos seus carros, tornando-os verdadeiramente esportivos (o que necessariamente implicaria em abandonar o motor VW refrigerado a ar), a Lafer preparou um protótipo com motor dianteiro – esta sim uma réplica realista, à altura dos antigos MG. Apresentado no XIV Salão com o nome MP-TX, utilizava o moderno motor VW AP 1.8 (vertical, quatro cilindros em linha, refrigerado a água), montado à frente; numa proposta avançada, o câmbio foi transferido para trás, acoplado ao diferencial, otimizando a distribuição do peso pelos dois eixos. À exceção do teto rígido de fibra, nada o diferenciava do MP-TD. A complexidade do projeto, porém, desestimulou sua industrialização.

Os modelos TD e TI continuaram sendo produzidos normalmente até 1990, quando a abertura do país à importação de automóveis, determinada pelo governo Collor, deu um golpe mortal nos pequenos fabricantes nacionais. Para a Lafer, cujo principal negócio não era a fabricação de carros, talvez a decisão de encerrar a produção tenha sido menos dolorosa do que para os demais. Em quase 17 anos, foram construídos cerca de 4.300 automóveis, mais de mil deles exportados para mais de três dezenas de países. Os moldes das carrocerias de fibra de vidro do MP foram enterrados no terreno da fábrica, em São Bernardo do Campo, onde jazem até hoje, sob as fundações de um grande supermercado.





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