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DACON | galeria

Sigla de “Distribuidora de Automóveis, Caminhões e Ônibus Nacionais”, a Dacon foi uma concessionária Volkswagen de São Paulo (SP). Adquirida por Paulo de Aguiar Goulart em meados da década de 60, por mais de vinte anos teve significativa presença na cena automobilística brasileira.

As iniciativas de Paulo sempre foram marcadas pela ousadia, o que sucedeu desde seu primeiro projeto, do início de 1964 – a importação de motores Porsche alemães e sua instalação em automóveis Volkswagen Karmann-Ghia nacionais, operação executada pela Rampson, indústria de componentes de alumínio de propriedade de Paulo e do futuro Ministro da Fazenda Dilson Funaro. Concluída a 19ª unidade, Chico Landi convenceu Paulo a inscrever um dos carros, como protótipo, nas 1.000 Milhas da Guanabara, prova realizada em julho de 64 e vencida pelo grande piloto. Aí surgiu a Dacon, como revendedora VW.  Não satisfeito, porém, em ser apenas um figurante “vendedor” de automóveis, desde o início Paulo assumiu papéis de protagonista, inicialmente preparando motores e, mais adiante, fabricando carros com a sua própria marca.

Em 1966 criou a Escuderia Dacon, para a qual preparou quatro Karmann-Ghia / Porsche, dois com motor 1.6 de 120 cv e dois com 2.0 de 200 cv; câmbio, freios e suspensão foram ajustados para suportar a maior potência do motor e parte da carroceria foi substituída por componentes de fibra-de-vidro, sendo mantido o estilo original do carro. Tendo como pilotos Emerson e Wilson Fittipaldi, José Carlos Pace, Chico Lameirão, Anísio Campos e Carol Figueiredo, dentre outros grandes da época, a equipe Dacon venceu metade das dez competições das quais participou no ano e meio de sua existência. Havia planos de construir um K-G com motor central Porsche de seis cilindros e 250 cv, com freios a disco nas quatro rodas e carroceria totalmente de fibra (cujos moldes já teriam sido iniciados por Anísio Campos), mas o projeto foi abandonado. A seqüência de vitórias nas pistas trouxe para a Dacon pelo menos um ganho comercial quase imediato: foi-lhe conferida pela Porsche a representação oficial da marca para o Brasil (mais tarde também assumiria outras importantes representações, tais como BMW, Citroën e Maserati).

A experiência adquirida na potencialização dos K-G levou a Dacon à personalização de diversos outros modelos da linha VW, desde Fusca e Brasília, que nos anos 70 ganhavam dupla carburação, rodas largas, detalhes de acabamento e itens de conforto, até o Passat, que seria um dos carros-chefes da empresa na década seguinte. Interessante experiência, de 1976, foi a construção de um protótipo do esportivo VW SP-2 com o então atualíssimo motor refrigerado a água do Passat, projeto concebido (e abandonado) pela própria Volkswagen. O propulsor foi localizado na traseira e o radiador de água na frente, no lugar do estepe, reduzindo a capacidade do porta-malas; a taxa de compressão foi aumentada, elevando a potência para cerca de 100 cv; a suspensão foi recalibrada, mas os demais elementos mecânicos permaneceram os originais. O carro ganhou os instrumentos do Passat, bancos, volante (importado) e revestimento interno de couro, ar-condicionado e vidros verdes com comando elétrico. A carroceria foi modificada, tanto para se adaptar à nova mecânica (traseira mais alta e grade dianteira) como para melhorar a estética do carro (entradas de ar para refrigeração do motor mais discretas, ampliação da área envidraçada lateral, eliminação dos ressaltos e frisos laterais). A retirada de linha do modelo pela VW, entretanto, acabou por inviabilizar o projeto da Dacon.

A frustração com sua versão do SP-2 levou a Dacon a priorizar o mais novo lançamento da VW, o moderno Passat, com base no qual desenvolveu diversos modelos, lançados a partir de 1978. Os primeiros foram as caminhonetes Break, com duas e quatro portas: a primeira, derivada do Passat três portas, tinha vidro traseiros fixos e coluna B trapezoidal, formato que anos depois viria a ser utilizado em ponto menor pela própria VW na Parati; a segunda, partindo do Passat de quatro portas, tinha a metade posterior do teto elevada em seis centímetros e cercada, na frente e laterais, por estreita lâmina de vidro; a tampa traseira de ambas se assemelhava à da Variant. Os dois carros podiam dispor de grande número de opcionais, desde lanternas e faróis retangulares (oriundos do Dodge Polara), vidro térmico traseiro e para-brisa laminado degradê até revestimento de couro, ar-condicionado e vidros elétricos.

Na seqüência chegaram três novos modelos de duas portas, equipados com as lanternas traseiras da Variant II e trazendo a tradicional longa lista de opcionais da Dacon, incluindo teto-solar: 180S (um hatch com enorme para-brisa traseiro panorâmico, lembrando o do Porsche 924), o três volumes 180D e o (falso) 180 Targa, com meio teto fixo e meia-capota conversível. Também foi preparado um quatro-portas alongado, com entre-eixos 25 cm maior. Três anos depois os modelos foram renomeados (respectivamente, 820, 821 e 822), a eles se juntando o três-volumes quatro-portas 823.

Em 1981 foi a vez de três derivados do VW Gol: conversível, “targa” e o furgão F – o primeiro utilitário da marca –, no qual a porta traseira do furgão original era substituída por uma peça moldada em fibra-de-vidro, aumentando o volume disponível para carga. Finalmente, foi o Voyage quem ganhou a versão “targa”, com o código 827.

Os planos da Dacon eram muito mais pretensiosos, porém. Enquanto construía em 1981 sua monumental nova sede – uma torre com 96 metros de altura na valorizadíssima esquina da avenida 9 de Julho com Brigadeiro Faria Lima, primeiro edifício paulistano com fachada totalmente revestida de vidro, projetado pelo arquiteto Ricardo Julião –, começava a desenvolver seus primeiros veículos completos. Retomando a colaboração com Anísio Campos, que a partir daí viria a participar da concepção de todos os novos lançamentos da empresa, apresentou em 1982 o protótipo do 828, um mini carro com carroceria de plástico reforçado com fibra-de-vidro, dois lugares e apenas 2,65 m de comprimento. O carrinho, que buscava utilizar o máximo de componentes de origem VW, trazia interessantes soluções construtivas: montado sobre plataforma Fusca encurtada em quase 78 cm, levava pequenas rodas de 10 polegadas de diâmetro (depois substituídas por aro 13) e suspensão traseira da Variant II.

O corpo da carroceria, construído em peça única, tinha estrutura tubular; a dianteira também era em peça única, aparafusada; os cantos traseiros eram independentes do restante do corpo, para facilitar a troca no caso de pequenas colisões. Lanternas e grade vinham da Kombi e faróis retangulares do Passat; o limpador do para-brisa ficava recolhido sob a borda do capô, sobre o qual uma portinhola dava acesso ao tanque de combustível e ao reservatório de óleo para os freios. O banco, inteiriço, era o assento traseiro do VW 1600; o pneu de reserva ficava posicionado na vertical, atrás do banco, junto à lateral direita. O canto inferior traseiro das largas portas apresentava um recorte, que tanto diminuía a possibilidade de choques na abertura como liberava maior área no rodapé, reforçando a estrutura do veículo.

O carrinho foi concebido para receber diversificada família de motores, desde um dois cilindros com 650 cc (o VW 1300 dividido ao meio, no comprimento, mantidos os dois pistões opostos mais próximos do câmbio) até um potente 2.100 cc, passando pelos usuais 1300 e 1600. A realidade, no entanto, falou mais alto: em outubro de 1982 a Dacon requereu concordata, culpando a retração econômica pela qual passava o país, que ao mesmo tempo restringiu o mercado de automóveis e elevou excessivamente os custos de construção da nova sede. O fato naturalmente inibiu qualquer pretensão de fabricação de um motor pequeno, que viabilizasse o 828 como um carro econômico. Assim, a Dacon optou por oferecer um veículo urbano, pequeno e ágil no trânsito das cidades, porém bem equipado e dispondo de um motor potente.

Reposicionado em categoria de preço mais elevada, tornou-se um “brinquedo de luxo”, atraente para o comprador de maior poder aquisitivo, imune à crise, que não tivesse que se preocupar com economia de combustível e pudesse pagar pela originalidade e exclusividade de possuir um mini-carro de luxo. O 828 foi oficialmente lançado em março de 1983, com motor 1600 a gasolina ou álcool, apenas na versão S (luxo). Avaliado pela imprensa especializada, o carro se revelou estável, ágil e com um interior surpreendentemente espaçoso. Os moldes para os componentes de fibra-de-vidro e as primeiras 11 carrocerias foram construídos pela Puma; a partir daí (e até 1985, quando a produção foi encerrada), os carros foram fabricados na unidade industrial da Dacon, em Santana do Parnaíba (SP). Ao todo, apenas 48 unidades foram concluídas.

Em 1984 Paulo Goulart fundou uma nova empresa, especialmente para fabricar seus carros: a PAG, sigla de Projects d’Avant Garde – e também as iniciais de seu nome. Instalada em Santana de Parnaíba (SP), no mesmo ano lançou o PAG Dacon, reprodução em escala menor do Porsche 928, cuja traseira já havia inspirado o Mini Dacon. Sempre desenhado por Anísio, o novo carro tinha carroceria de fibra com quatro lugares, mecânica VW Gol GT 1.8, caixa de quatro velocidades, tração dianteira e freios a disco nas rodas da frente. Para construí-lo, foi aproveitada toda a estrutura monobloco original do Gol, inclusive o para-brisa dianteiro e o esqueleto das portas; o monobloco era então “revestido” pelas partes de fibra-de-vidro, compondo um corpo de desenho absolutamente diferente do carro do qual derivava. Faróis vinham do Passat e lanternas traseiras da Kombi (como no 828). O motor tinha a cilindrada aumentada para 2,1 litros e desenvolvia 99 cv; o acabamento era luxuoso e bem cuidado, como era usual nos produtos da marca.

No final de 1987 Anísio Campos e a PAG (a partir daí assumida como marca dos veículos Dacon) voltaram ao tema do carro urbano com o Nick, fabricado a partir da picape VW Saveiro, da qual era aproveitada a totalidade da cabine, inclusive bancos, instrumentos e acabamento interno; o restante da lataria era retirada (frente e caçamba) e substituída por componentes moldados em fibra-de-vidro. O balanço dianteiro era encurtado até o limite do radiador e o entre-eixos e balanço traseiro reduzidos ao máximo, limitando o comprimento total do carro a 3,08 m. Para baratear o projeto, o para-brisa traseiro da picape foi mantido e o espaço acima do bagageiro, entre a cabine e a traseira, foi preenchido com uma espécie de gaiola de fibra, sem vidros. O acesso ao reduzido porta-malas se dava por uma tampa vertical, ladeada pelas lanternas traseiras, cedidas pelo VW Santana. Havia duas opções de motor: 1.6 do Gol e 1.8 do Santana.

Em 1990 o projeto do Nick foi revisto, passando a utilizar o VW Gol GTI como base. O estilo da metade traseira também foi alterado, sendo eliminada a exótica estrutura sobre o porta-malas, substituída por uma verdadeira extensão da cabine, com janelas laterais e para-brisa traseiro; o restante da carroceria permaneceu igual, assim como o exíguo vão de acesso ao bagageiro. Também foi desenvolvido um modelo para quatro lugares, a partir do monobloco do VW Voyage, com opção de motorização 2.0 do Santana.

A última criação da PAG, daquele mesmo ano, foi o Chubby, este construído sobre o próprio Santana 2.0 de duas portas. (A despeito de ter como base um carro muito maior, o novo modelo continuou a apresentar, tal como o Nick, um porta-malas com espaço limitado e de difícil acesso. Para minorar o problema, foi adotado um estepe temporário e preparado um jogo de malas especial para o carro.) Totalmente equipado (teto solar, ar condicionado, toca-fitas, fechamento automático das portas), o Chubby também tinha opção de câmbio automático. Estima-se que somente sete unidades tenham sido produzidas. Como todos os modelos Dacon e PAG, seu preço superava o do modelo do qual derivava.

Com a reabertura da importação de automóveis, a Dacon passou a priorizar as marcas estrangeiras que representava, interrompendo definitivamente a fabricação de carros. Assim, em 1991, após ter produzido cerca de 130 modelos Nick, a marca PAG foi extinta. A Dacon, como revendedora, sobreviveu mais cinco anos; Paulo Goulart faleceu precocemente em 2001.





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