> > > ROMI-ISETTA

ROMI-ISETTA | galeria

Primeiro automóvel fabricado em série no Brasil, o Romi-Isetta foi a versão nacional do Isetta, pequeno carro italiano apresentado no Salão de Turim de 1953 e produzido até 1956 pela Iso, fabricante de motonetas que na década seguinte também construiria em pequena série carros esporte de alto desempenho. Um dos mais curiosos e bem sucedidos mini-automóveis entre tantos que floresceram na Europa dos anos 50, época em que o continente se recuperava dos estragos da II Guerra e ansiava por veículos econômicos e baratos, o Isetta foi também produzido sob licença na França, Espanha, Grã Bretanha e Alemanha (pela BMW), onde teve especial acolhida, vendendo mais de 160 mil unidades entre 1955 e 1962.

No Brasil o carrinho foi fabricado pelas Indústrias Romi, empresa líder no mercado nacional de máquinas operatrizes de alta tecnologia e uma das mais destacadas do mundo no setor. A Romi nasceu da Garage Santa Bárbara, oficina mecânica de automóveis constituída em 1930, em Santa Bárbara d’Oeste (SP), por Américo Emílio Romi. Em 1933 começou a fornecer implementos para os agricultores da região; cinco anos depois, fundou a Machinas Agrícolas Romi Ltda., indústria de arados, grades de disco, semeadeiras e adubadeiras mecânicas, com fundição e forjaria, que antes de terminar a década já se tornara a maior do país. Em 1941, motivado pela restrição à importação de máquinas provocada pela Guerra, Emílio entrou em novo ramo de negócios: sem abrir mão da oficina e das máquinas agrícolas, fabricou seus primeiros tornos mecânicos, que desde então trazem a marca Imor (inversão do nome Romi, cuja origem italiana seria aconselhável escamotear naqueles tempos de ânimos exacerbados pela Guerra). A produção expandiu rapidamente, alcançando 7.700 unidades em 1946.

O Romi-Isetta não foi a primeira incursão da Romi na indústria automobilística. Na segunda metade da década de 40, também com a marca Imor, fabricou por algum tempo o trator agrícola de origem alemã Lanz Bulldog, para o qual importava somente o motor de um cilindro e dois tempos, rústica unidade capaz de utilizar óleos pesados e combustíveis pobres. (Se tratava de máquina de grande sucesso na Europa, onde mais de 220 mil unidades foram vendidas em quase cinco décadas de existência.)

O Bulldog foi logo substituído por um modelo mais moderno, desenvolvido com o apoio de André Toselo, professor do Instituto Agronômico de Campinas – equipamento de 32 cv lançado em 1948 com o nome Imor Toro (das sílabas iniciais de Toselo e Romi)Primeiro trator de projeto e produção nacionais, fez sensação ao ser apresentado, em 1950, na I Exposição Industrial, realizada no Parque da Água Branca, em São Paulo. A abertura indiscriminada do mercado aos produtos importados em pleno pós-guerra, no entanto, inviabilizou a continuidade do projeto, que foi encerrado após a fabricação de cerca de 50 unidades. O Romi-Isetta teria vida um pouco mais longa.

romi-texto7

Verso de folder de propaganda do primeiro Romi-Isetta: a Romi sempre buscou associar seu carrinho a atividades lúdicas e ao prazer de viver (fonte: site isettamania).

O interesse da Romi em fabricar um pequeno automóvel urbano teria surgido ainda em 1954, muito antes, portanto, do futuro presidente Juscelino Kubitschek ter sido eleito e anunciar suas metas de governo, dentre as quais a implantação no Brasil de uma indústria automobilística própria. Escolhido o modelo Isetta, da Iso, em julho de 1955 foi assinado contrato de licenciamento com a empresa italiana. Daí até o início de produção decorreu menos de um ano. Um novo pavilhão metálico foi construído ao lado da fábrica de tornos, onde foi instalada a linha de montagem: de lá, em 30 de junho de 1956 (um mês e meio depois da criação do GEIA, portanto), saíram os primeiros automóveis fabricados no Brasil. O Romi-Isetta foi oficialmente apresentado ao público em 5 de setembro de 1956: tinha grupo motor importado da Iso, chassi tubular e carroceria de aço estampada (ambos fornecidos já montados e pintados pela Tecnogeral, fabricante dos móveis de aço Securit). As primeiras unidades já alcançavam 72% de nacionalização, em peso.

O lançamento envolveu intensa e sofisticada campanha publicitária, com recursos de marketing e merchandising incomuns entre nós na época. Sólido grupo industrial com exportações para mais de 50 países, a Romi não poupou recursos: no dia do lançamento promoveu caravana pela cidade de São Paulo, bênção do Cardeal e visita ao Governador, além de coletivas de imprensa e farto material impresso; na seqüência, comerciais em rádio e TV (que mal completava cinco anos de idade no país), propaganda em capa de revistas, convites a personalidades da “alta sociedade” para desfilarem com o carrinho, patrocínio de corridas e gincanas, inserção do carro como figurante em filmes encenados por “astros e estrelas” do cinema nacional.

Além do privilégio de ser o primeiro automóvel fabricado no Brasil, o Romi-Isetta apresentava tantas características incomuns que, por si só, colocavam-no em evidência. Para começar, possuía apenas uma porta, colocada à frente do veículo, à qual era acoplado o volante e o painel de instrumentos, resumido a velocímetro e três luzes-espia. Muito curto (sua distância entre eixos era de 1,5 m), comportava apenas um banco e espaço para dois adultos e uma criança. Os eixos, equipados com pequenas rodas de aro 10”, tinham bitolas diferentes – 1,20 m na frente e 52 cm atrás. Seu motor de dois tempos, com um cilindro e refrigerado a ar, era de origem motociclística; montado na traseira, levemente deslocado para a direita (sua tampa de visita ficava na lateral), tinha um pistão bipartido, 198 cm3 e 9,5 cv. O câmbio tinha quatro marchas (a alavanca de mudanças ficava na parede lateral, à esquerda do motorista) e a transmissão era por corrente dupla banhada em óleo. Pela proximidade entre as duas rodas tratoras, o carro dispensava diferencial. O chassis era tubular e a suspensão dianteira independente. Apesar da ampla área transparente, somente o para-brisa dianteiro era de vidro, todas as demais janelas e os quebra-ventos sendo de acrílico; o carrinho era fornecido com teto solar deslizante de lona. Alcançava 85 km/h e consumo de combustível de 26 km/l.

O PRIMEIRO ROMI-ISETTA: SUA FICHA TÉCNICA: chassi tubular; carroceria monovolume, uma porta, dois lugares, sem bagageiro, 2,28 m de comprimento; motor transversal traseiro de dois tempos refrigerado a água, com um cilindro (198 cm3, 9,5 cv); tração traseira com caixa manual de quatro marchas; direção mecânica; suspensão dianteira independente (molas de borracha e amortecedores de fricção) e traseira com eixo rígido, braço oscilante e meio feixe de molas; freios hidráulicos a tambor nas quatro rodas.

Em 1957 pequenas alterações foram introduzidas na carroceria: os para-lamas dianteiros ficaram mais longos e os faróis mudaram de posição, sendo deslocados dos para-lamas para as laterais; também a cilindrada do motor foi aumentada para 236 cm3, mantida a potência de 9,5 cv. No ano seguinte, os para-lamas foram novamente encurtados e as lanternas sinalizadoras transferidas de cima dos faróis para o centro das laterais.

Em 1959 foi lançado o modelo 300 de Luxe, com grande número de mudanças técnicas e estéticas com relação à geração anterior. O carrinho ganhou novo motor BMW de quatro tempos, com 298 cm3 e 13 cv – “40% mais potente”, como anunciava a Romi –, caixa BMW (ainda de quatro marchas) e suspensão dianteira mais macia, composta de braços oscilantes, molas helicoidais e amortecedores hidráulicos. Externamente, a principal modificação foi na tampa de acesso ao motor (situado na lateral direita), que teve a grade de ventilação alterada – de grelha com abertura vertical, passou a horizontal. No interior, o painel de instrumentos foi redesenhado e os comandos reposicionados; eram novos estofamento e o volante de três raios (até então tinha dois).

450 Romi-Isettas foram fabricados em 1957 e 1.200 no ano seguinte, quando a produção diária chegou a cinco unidades. A despeito de seu pioneirismo, porém, a Romi se situava em descompasso com a legislação federal que regia a implantação da indústria automobilística, elaborada a partir da criação do GEIA, que definiu como passíveis de obtenção de privilégios fiscais apenas empreendimentos que visassem a produção de automóveis com quatro ou mais lugares. Carros de dois lugares faziam lembrar modelos esportivos, naturalmente ausentes das prioridades governamentais. É evidente que também não se cogitou, na época, o eventual interesse de aqui se produzir mini-carros urbanos – categoria que, aliás, levaria décadas para alcançar nossa ordem de preocupações. Assim, o Romi-Isetta não pôde recorrer aos benefícios oferecidos aos demais fabricantes (todos eles vindo a estabelecer linhas de montagem depois da Romi). A Romi, por seu lado, não teve condições (ou interesse) de assumir, sozinha, a nacionalização dos órgãos motores do carrinho, sendo levada a compensar os custos de importação com aumentos de preço, tornando o Isetta desproporcionalmente caro diante dos concorrentes.

Com o tempo, passada a fase de surpresa e curiosidade inicial, a empresa começou a perceber que os dois atributos principais do seu carro – baixo consumo e facilidade de estacionar em vagas reduzidas – não constituíam atrativos suficientes para o sucesso de longo prazo. Como poderia parecer, pelas matérias até hoje veiculadas sobre a marca, a Romi não se deixou surpreender pela situação. Desde 1957, quando percebeu a fragilidade de sua proposta diante da virtual concorrência e das rígidas regras do GEIA, a empresa buscou traçar planos de médio prazo de modo a se reposicionar diante da realidade. Assim, se propôs a progressivamente lançar quatro novos modelos, a partir de janeiro de 1958. Mantendo em linha o Romi-Isettta, passaria a fabricar três modelos comerciais, estudados “em ritmo de emergência” pela Iso, e um para quatro passageiros, em projeto na BMW. Da Iso viriam a caminhonete Romi-Isetta, de uso misto, para dois passageiros e 250 kg (ou 860 litros) de carga, e duas versões do Autocarro Iso 400 (que seria o Romi-600), caminhonete e furgão para 600 kg e 1,36 ou 3,17 m³.

romi-texto16

A bordo de um Romi-Isetta o presidente JK saúda a gloriosa chegada a Brasília da Caravana de Integração Nacional, em fevereiro de 1960.

O modelo oriundo da Alemanha seria o BMW 600, com motor boxer refrigerado a ar, com dois cilindros, 582 cm3 e 19,5 cv. Derivado do Isetta, era dotado de duas portas: além da dianteira “tradicional”, tinha uma segunda, na lateral direita, para acesso ao banco de trás. Com capacidade para quatro passageiros, o carro satisfaria às normas federais para o setor automotivo. Ainda no final de 1957, após negociação com a empresa alemã, a Romi submeteu ao GEIA seus planos de nacionalização do modelo 600, com a meta de produção de 4.300 unidades em 1960. O programa foi imediatamente aprovado pelo órgão, em conjunto com os de 15 outros empresas, nacionais e estrangeiras. A Romi contava, porém, com a participação direta da Iso e BMW na concretização do seu plano de expansão, respondendo pelo “financiamento para a aquisição de máquinas“, pela cessão de patentes e prestação de assistência técnica. A Iso declinou do “convite” e a BMW se dispôs a apoiar tecnicamente, porém sem participar com capital.

Em março de 1959 a Romi sofreu o golpe do falecimento de seu fundador, aos 63 anos de idade. Coincidência ou não, a empresa então desistiu do projeto aprovado pelo GEIA, limitando-se à produção, em ritmo decrescente, do Romi-Isetta. Ainda assim, não perdeu oportunidades de exibir sua cria onde quer que se apresentasse ocasião, tal como sua impactante presença na Caravana da Integração Nacional, evento comemorativo da inauguração da nova Capital Federal, programa épico envolvendo 130 veículos, que partindo dos quatro pontos cardeais do país – Belém, Cuiabá, Porto Alegre e Rio de Janeiro – convergiram para Brasília, aonde chegaram a 2 de fevereiro de 1960. 25 Romi-Isettas participaram da expedição. E foi em um daqueles valentes carrinhos que, a céu aberto, depois de dar as boas-vindas aos viajantes, o Presidente da República conduziu o desfile da Caravana através da cidade.

O Romi-Isetta chegou a ter seu stand no I Salão do Automóvel, em novembro de 1960. No ano seguinte, porém, sem incentivos e economicamente inviabilizado, o primeiro carro brasileiro – e único urbanino até hoje fabricado em série no país – deixou de ser produzido. Um total de 3.150 unidades teriam sido construídas, estimando-se que pelo menos 10% delas tenham sobrevivido até hoje.

Um dos ícones da história de nossa indústria automobilística, o Romi-Isetta teve uma infrutífera tentativa de revival em 1980, o Diaseta. Mais recentemente, dois projetos mais consistentes foram desenvolvidos, em Bauru e Itapevi: ao primeiro foi dado o nome Tozzeta; o segundo, impossibilitado de utilizar a marca Romi, por razões óbvias, simplesmente batizou o carro com o nome Réplica de Isetta.

<romi.com.br>   <fundacaoromi.com.br>





GmailFacebookTwitter