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Fundada em 1965 e controlada pela KIA desde 1976, a Asia Motors era pouco conhecida no mundo ocidental até o início da década de 90. Sua expansão coincidiu com a abertura do mercado brasileiro à importação de veículos determinada pelo governo Collor. Em 1993 foi constituída a Asia Motors do Brasil, composta por três sócios brasileiros, como importadora exclusiva da marca no país. Em setembro aqui chegaram suas primeiras vans, a Towner e a Topic – veículos diesel de baixo preço, práticos e sem similar nacional. Foram elas (mais a KIA Besta) o alimento farto e barato que nutriu o serviço ilegal de transporte de pessoas, flagelo que se alastrou sem controle pelas principais cidades brasileiras, desestruturando o transporte público regulamentado e produzindo efeitos deletérios sobre a mobilidade urbana que perduram até hoje. Em apenas dois anos foram importados quase 50 mil desses carros, tornando o Brasil o segundo maior mercado internacional da Asia Motors e a minivan Towner o importado mais vendido no país entre as marcas que aqui não tinham fábricas.

Já no mês seguinte à importação dos seus primeiros carros a Asia Motors anunciou o interesse em aqui produzi-los. Em março de 1995 confirmou a construção de uma planta em Serra (ES), em terreno de propriedade da KIA. A fábrica, com início de operação previsto para 1997, teria capacidade de montagem de 50.000 unidades/ano da Towner e Topic (ambas seriam importadas sob a forma CKD). Seis meses depois, porém, o Presidente coreano da KIA seria evasivo diante da Ministra da Indústria e do Comércio, não confirmando sequer sua fábrica seria instalada no Brasil ou em outro país da América Latina. Sua única afirmação: se unidade industrial viesse a existir, seria única para as duas marcas – Asia e KIA. Logo se percebeu ter sido esta uma reação contra o importador brasileiro, que tentava se antecipar à controladora definindo programas de investimento à revelia da própria matriz. Apesar do desmentido, a Asia brasileira manteve seus planos de construção de fábrica própria. Iniciou negociações com o Governo do Rio de Janeiro e, entrando no jogo de barganhas por benefícios fiscais, logo estendeu seus contatos a outros estados das regiões Sul e Sudeste.

Os rumos dos dois grupos só ficaram mais claramente definidos em abril de 1996, com a desistência da holding KIA participar diretamente de investimentos no Brasil, dispondo-se apenas a vender tecnologia para a fabricação dos veículos. Assim, o processo de implantação das duas marcas passava oficialmente para as mãos dos seus representantes nacionais (Asia Motors do Brasil e KIA Motors do Brasil, empresas de importação e revenda independentes entre si), o que acabaria por inviabilizar o projeto de fábrica conjunta.

Em abril de 1996 a Asia aderiu ao Regime Automotivo. Valendo-se das vantagens (legais) previstas no Programa, a empresa deixava de recolher 50% dos impostos de importação relativos aos veículos trazidos da Coréia, em troca do compromisso de fabricá-los no país e, até o final de 1999, compensar com exportações os 50% da alíquota não recolhidos. Ocorre que, atrás de benefícios cada vez maiores, a decisão pela localização da fábrica veio sendo constantemente adiada, retardando perigosamente os prazos para o cumprimento de suas obrigações junto às autoridades federais. (Dentre os pleitos apresentados pela empresa havia alguns absurdos, tais como aumentar de três para quinze anos o prazo para atingir o índice de nacionalização de 60%.) Em janeiro de 1997, após ter o Governo Federal constituído pacote específico de benefícios para investimentos sob o Regime Automotivo no Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e estimulada por um conjunto adicional de incentivos oferecido pelo Governo da Bahia, a Asia Motors finalmente anunciou seus planos definitivos: a construção de uma fábrica em Camaçari (BA) para a produção de 36 mil Towner e 24 mil Topic por ano a partir de meados de 1999, 51% do investimento financiado pela Asia coreana. Em maio o tamanho do empreendimento já havia mais do que duplicado, passando para 130 mil unidades/ano.

Mas os dias do projeto estavam contados. Em julho de 1997, ao mesmo tempo em que era lançada a pedra fundamental da fábrica, na Bahia, se tornava pública, na Coréia, a profunda crise que envolvia o grupo KIA – dívidas superiores a dez bilhões de dólares, concordata, intervenção dos bancos credores e estatização temporária. O ano de 1998 se iniciou sem perspectivas de solução para o empreendimento brasileiro: as obras de terraplenagem, que já deviam estar concluídas, nem sequer haviam sido licitadas (as obras só teriam início no final de maio). O projeto executivo da usina ainda se encontrava em fase inicial de discussão e, o mais grave, o grupo brasileiro que liderava o processo, sem nenhuma capacidade financeira própria, ainda buscava investidores ou financiadores dispostos a entrar no negócio. Agravando o quadro, percebendo que o projeto não teria continuidade, o Governo Federal começava a cogitar da cobrança dos impostos de importação não recolhidos entre 1996 e 1997, ao mesmo tempo que suspendia a concessão do benefício a novas importações enquanto a empresa não oferecesse demonstração concreta de que o empreendimento seria realizado.

As suspeitas se provaram procedentes. Em novembro de 1998, em resultado de um leilão internacional, a também coreana Hyundai assumiu o controle da KIA e da Asia Motors. Ato contínuo, o governo brasileiro oficiou à Asia Motors do Brasil a cobrança da multa devida, montando US$ 210 milhões. Na Coréia, a Hyundai decide fortalecer a KIA, a ela incorporando as atividades da Asia Motors; em 2000 extingue internacionalmente a Asia Motors, como marca e como empresa. Apesar das reiteradas declarações de representantes do governo coreano de que o comprador da Asia honraria os compromissos previamente assumidos com o Brasil – construção da fábrica ou pagamento da multa – nada ocorreu; contraditoriamente, naquele mesmo ano o próprio governo da Coréia rogava o perdão da dívida pelo Brasil.

A questão ainda hoje rola pelos corredores da Justiça: em março de 2014 a Fazenda nacional obteve em primeira instância o reconhecimento da responsabilidade dos sucessores da Asia Motors do Brasil pela dívida, que já monta a US$ 890 milhões. Cabe recurso.





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