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KIA | galeria

Primeiro fabricante coreano de automóveis, a Kia foi fundada em 1944 para produzir bicicletas. Em 1952 começou a montar carros, sob licença da japonesa Mazda, somente em 1974 construindo os primeiros automóveis de projeto e estilo próprios. Dois anos depois assumiu o controle da também coreana Asia Motors.

Uma das maiores beneficiárias da abertura indiscriminada do mercado, instituída no governo Collor, a Kia deu início às importações ainda em 1990, com a van Besta. Esta, com seu motor diesel de 80 cv, espaço para até 12 passageiros e preço reduzido, rapidamente invadiu o país, compondo a quase totalidade da frota de vans piratas que grassou de norte a sul naqueles anos de desregulamentação. Apenas com isto, quase que instantaneamente o Brasil se tornou o segundo mercado mundial para a empresa. Por muito tempo, Besta seria aqui sinônimo de van e transporte ilegal.

Para obter incentivos fiscais, os importadores da marca instalaram uma primitiva linha de “fabricação” em Manaus (AM), onde completavam os veículos que chegavam da Coréia quase que totalmente montados, a eles simplesmente agregando pneus e baterias nacionais. O índice de nacionalização mal atingia ridículos 3%. A fraude foi descoberta e, já em 1993, informou-se que nova fábrica seria construída em Serra, no Espírito Santo. A confirmação da notícia chegaria em 1995, por intermédio do chanceler sul-coreano em visita ao país, ao ser anunciada a construção de fábrica para 15 mil veículos/ano, a ser inaugurada em até dois anos; a van seria um dos produtos da nova planta. Enquanto isso, mais modelos eram importados: Besta furgão, picape Ceres, jipe Sportage, caminhão leve Bongo e, em 1996, o primeiro automóvel – o sedã Clarus.

Em 1996 os planos para a fábrica nacional já eram outros: destinada ao caminhão leve Bongo, seria instalada na região Sul/Sudeste; teria capacidade para 10 mil veículos/ano (30% para exportação) com 60% de nacionalização. Construídos sob regime CKD, teriam trem de força importado. O empreendimento, conduzido pela família Gandini, importadora brasileira da marca, não contaria com recursos financeiros da Coréia. Em agosto do ano seguinte foi revelado o local da planta: Itu (SP). Um grande e inesperado problema, entretanto, se gerava no Extremo Oriente e logo viria à luz: em meio à Crise Asiática, envolvido por dívidas superiores a US$ 10 bilhões, o grupo Kia (incluindo a Asia) entrava em concordata e, em outubro, sofria intervenção do governo sul-coreano. O início de construção da fábrica de Itu foi adiado. Ainda assim, em meados do ano seguinte os investidores brasileiros ainda reafirmavam a permanência do projeto, informando que só aguardavam a chegada do novo presidente da matriz para o lançamento da pedra fundamental da fábrica.

Em outubro de 1998, mediante leilão, a também coreana Hyundai adquiriu 51% do capital da Kia e Asia. Sob a nova administração, a construção da fábrica brasileira foi mais uma vez adiada. Em agosto de 1999 a Hyundai  redefiniu sua estratégia de instalação no Brasil: investimento direto da matriz, construção de nova versão da van Besta, com 16 lugares, e planta para 60 mil unidades/ano, preferencialmente localizada no Nordeste (era sua meta se valer dos benefícios fiscais do Regime Automotivo, recém expandido para as regiões menos desenvolvidas do país). A Bahia foi o Estado escolhido. O projeto de fabricação do Bongo em Itu foi colocado no limbo pelos coreanos, porém mantido como prioritário pelo grupo investidor brasileiro.

Esta seria apenas mais uma mudança de rumo no relacionamento da Kia com o Brasil. Na verdade, sua vinda para o país parecia fadada a não acontecer, função de um imbroglio aparentemente insolúvel criado pela Asia e que até hoje permanece pendente: a dívida cobrada pela União (que, acrescida de multas, ultrapassa US$ 187 milhões) por descumprimento das normas do Regime Automotivo, segundo as quais a redução de impostos de importação tinha que ser traduzida em investimentos internos e nacionalização dos veículos. Ora, a Asia importou dezenas de milhares de carros com benefícios fiscais (federais, estaduais e municipais) sem nunca os ter produzido no país, assim gerando o passivo milionário.

A partir de 2000 os coreanos iniciaram um processo de confrontação com o governo brasileiro, ameaçando vincular qualquer investimento futuro da Kia ao perdão da dívida da Asia. Também a fábrica de Itu foi envolvida no impasse, já que, apesar de aprovada pelas autoridades federais, necessitava de contrato de transferência de tecnologia que a nova administração da Kia se recusou a conceder. (O próprio governo sul-coreano, intercedendo junto à União a favor da Kia, pouco diplomaticamente lembrou que outros investidores coreanos olhavam “com interesse como o Brasil tratará a questão“).

O governo brasileiro acabou por se subordinar aos lobbies e pressões e, no início de 2001, sem perdoar a dívida (já em US$ 210 milhões), concedeu mais dois anos para que a Asia (que não mais existia como empresa, extinta que foi pela Hyundai) construísse sua fábrica. A decisão foi pessoalmente comunicada ao governo sul-coreano pelo presidente brasileiro, em visita àquele país. O prazo limite para a inauguração da planta, dezembro de 2003, chegou sem que os coreanos fizessem qualquer movimento para cumpri-lo: simplesmente ignoraram o privilégio que tão liberalmente lhes foi concedido.

Dos asiáticos só chegariam novas notícias em 2010, com informações sobre investimentos no Uruguai para montar o Bongo para o mercado sul-americano. Quanto aos Gandini, até hoje persistem nos seus propósitos, ainda que com freqüentes mudanças de rumo: em 2002, de Itu, a eventual fábrica do Bongo foi transferida para Linhares (ES), com capacidade para 1.200 veículos/mês; em 2004, mudou para Pouso Alegre (MG), junto à Usiparts, que seria responsável pela construção da carroceria e por parte do aporte de recursos; a produção seria de 600/mês e o índice de nacionalização de apenas 40% (chassi e elementos mecânicos seriam importados). Em 2005 o projeto de construção de caminhões foi finalmente abandonado.

Aquele foi um ano de transição, decisivo para a imagem mundial da Kia. Como resultado do processo de reestruturação conduzido pela Hyundai, o foco da empresa foi redirecionado e a gama de produtos substituída por uma linha jovem, de melhor qualidade e tecnologicamente muito mais moderna. Simbolizando a “velha geração”, a van Besta saiu de produção. Os bons resultados de vendas não se fizeram esperar, inclusive na Europa. Em 2006 o Brasil começou a conhecer carros Kia mais atraentes, a começar pelo pequeno e simpático Picanto, justificando o abandono – que agora se vê estratégico – da fábrica de caminhões. O símbolo máximo da renovação da marca surgiu no Salão de Paris de 2008: a minivan Soul. Moderna e ousada, funcional e espaçosa, ainda antes do seu lançamento oficial motivou Gandini a arriscar mais uma empreendimento: a compra de terreno em Salto (SP) onde pretendia futuramente fabricá-la.

Em novembro de 2011 a Justiça Federal livrou os representantes brasileiros da empresa coreana da dívida histórica da Asia com o país. Em 2018 o processo contra a coreana, contudo, ainda corria na justiça.





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