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FEI | galeria

Fundada em 1946 pela congregação dos padres jesuítas de São Paulo e desde a década de 60 instalada em São Bernardo do Campo (SP), a FEI – Faculdade de Engenharia Industrial é hoje um dos principais centros de formação em engenharia automotiva do país. O curso de Engenharia Mecânica, com duração de cinco anos, foi criado em 1947, e em 1963, com três anos, os cursos de Engenharia Operacional, em diversas especialidades, dentre as quais Mecânica Automobilística (MecAut).

Dado ser objetivo básico da Engenharia Operacional dotar os profissionais, prioritariamente, de conhecimentos de aplicação prática, úteis no dia-a-dia das atividades industriais, o corpo de professores da FEI foi arregimentado exatamente junto aos quadros da nascente indústria automobilística brasileira. Escolhido de primeira hora, trazido da Vemag, onde então trabalhava, foi o projetista espanhol Rigoberto Soler Gisbert, chegado ao Brasil em 1950 e já nacionalmente conhecido como autor do extraordinário GT Uirapuru, da Brasinca. Professor de Carroceria, a ele foi dada, em 1968, a coordenação do recém criado Departamento de Estudos e Pesquisas de Veículos (DEPV). Foi através desse Departamento que Soler, com seu espírito ousado e criativo e com sua capacidade de incentivar, estruturar e orientar o trabalho coletivo dos alunos, que se tornou responsável por alguns dos projetos mais corajosos e originais já concebidos no país nas esferas dos veículos automotores e dos transportes: com tais projetos pioneiros elevou o status da FEI a referência em engenharia automobilística no país e deu projeção internacional à sua equipe criadora.

O primeiro dos muitos projetos exemplares do DEPV foi especialmente preparado para o VI Salão do Automóvel, no final de 1968: foi o FEI X-1, veículo anfíbio concebido e construído em menos de dois meses por Soler e seus alunos, utilizando quase que exclusivamente materiais disponíveis na Faculdade. Tinha carroceria de madeira, com a parte inferior na forma de casco, motor e eixo traseiro do Renault Gordini, rodas dianteiras de kart, duas marchas (frente e ré) e um manche, para acionamento do leme traseiro, em lugar de volante de direção. Com dois lugares e apenas 380 kg de peso total, até os 60 km/h era tracionado pelas rodas traseiras, após o que passava a ser impulsionado por uma grande hélice; quando atingia 80 km/h, seu “bico” se elevava e a partir daí o carro movia-se apenas apoiado nas rodas de trás (equipadas com rodalivre). A frenagem se dava pela reversão da hélice.

Nos dois anos seguintes foram simultaneamente desenvolvidos um pequeno hovercraft (X-2), para 280 kg de carga, e o belo GT X-3, que viria a ser mais conhecido como Lavinia. Estas foram realizações muito mais complexas, especialmente a última, um automóvel de alto desempenho, totalmente operacional que, apesar da concepção mecânica clássica (escolhida por razões pedagógicas), apresentaria detalhes construtivos inéditos, tais como freio aerodinâmico e portas com abertura em asa-de-gaivota. Do Dodge Charger vieram o motor V8, com 5,2 l e 235 cv (podendo ser preparado para atingir 300 cv), a suspensão dianteira por barras de torção, o eixo traseiro, a caixa de direção e os freios (a disco na frente, a tambor atrás). Utilizou-se uma caixa de quatro marchas (a do Dodge tinha apenas três), enquanto que a suspensão traseira recebeu molas helicoidais, em lugar dos feixes originais. Concebido para ter motor dianteiro e tração traseira, para ele foi projetado um chassi tubular treliçado.

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GT Lavinia, primeiro grande sucesso da FEI: desenvolvido no final da década de 60, o carro aqui aparece, em fotografia contemporânea, diante da prefeitura de São Bernardo do Campo.

Sua carroceria foi moldada em chapas de aço, a martelo, sobre um modelo de madeira em escala natural, seguindo a mesma técnica utilizada pelos carrozzieri italianos de então. O projeto estrutural também cuidou da segurança dos passageiros: santantônio integrado à carroceria, chassi para deformação progressiva e parede corta-fogo tubular inclinada, impedindo a invasão do conjunto motriz em caso de colisão frontal. Em lugar de grade e para-choque, a frente do carro recebeu uma peça moldada em alumínio, que abrigava seis faróis retangulares de iodo e a entrada de ar para refrigeração do radiador. Dentre os diversos detalhes originais (para a época) estavam: limpadores de para-brisa recolhidos sob a aba do capô, quando parados; lanternas montadas verticalmente nas colunas traseiras; instrumentos agrupados verticalmente no console central; bancos reclináveis refrigerados; maleta destacável, em lugar do tradicional porta-luvas. Apesar da reduzida altura (apenas 1,1 m) e de seus dois pneus de reserva, o X-3 dispunha de grande espaço para bagagens, com acesso interno ou externo, graças ao balanço traseiro e ao deslocamento dos dois tanques de combustível para as laterais. O carro foi por duas vezes apresentado no Salão do Automóvel (VII e VIII edições), respectivamente como X-3 (com excêntrica forração interna em pele de boi) e Lavinia, neste caso com nova pintura e alguma modificação nos acabamentos.

A seguir, em paralelo ao aprofundamento dos projetos de aerodeslizadores (VA, VA-1 e Igará – descendentes diretos do X-1 e X-2), Soler e seus alunos se dedicaram ao desenvolvimento de nova tecnologia para o transporte coletivo de passageiros, num programa que acabaria por ser financiado pelo Ministério da Indústria e do Comércio, por ordem do General-Presidente Garrastazu Médici. O trabalho se iniciou pelo estudo da propulsão aerodinâmica guiada, efetuado por meio do protótipo TALAV-1 (de Trem Aerodinâmico Leve de Alta Velocidade), que teve a construção patrocinada pela revista 4 Rodas. O TALAV-1 operava em monotrilho, impulsionado por hélice e motor elétrico de 3,7 kW. Tinha capacidade para quatro pessoas, com velocidade máxima de 60 km/h e previsão de operação automática, segundo a qual o passageiro podia programar sua parada através de botões (tal como nos elevadores). A partir desta experiência, e obtido financiamento federal, foi desenvolvida uma unidade de maior capacidade e grande desempenho (TALAV), em torno da qual foi concebido todo um sistema de transporte integrado, com veículos de diversos portes, o qual foi intitulado Sistema Delta de Transportes.

O TALAV foi concebido para operar em canaletas de concreto pré-moldado, elevadas ou em nível, deslocando-se sobre colchão de ar, segundo o mesmo princípio dos hovercrafts. Veículo de construção modular, poderia ser fabricado em diversos comprimentos, como veículo de passageiros ou de carga, para isto bastando substituir o compartimento superior (que era independente do chassi) por um baú ou container. O apoio financeiro federal permitiu construir um protótipo para 20 passageiros, com 15,6 m de comprimento e apenas 6 t de peso total carregado. Conceitualmente, podia ser impulsionado por hélice, turbo-hélice ou jato puro, de modo a atingir velocidades de até 200 km/h; o protótipo apresentava duas turbinas a jato francesas Turbomeca Marboré (empuxo de 480 kgf) e, para auto-sustentação, um motor Ford Corcel de 60 cv. O operador ficava alojado numa cúpula no teto, entre os dois motores, sendo embarque e desembarque efetuados por uma porta com abertura telescópica situada na dianteira do veículo. Construído em estrutura de alumínio, com as extremidades dianteira e traseira moldadas em fibra de vidro, o TALAV foi exposto na Brasil Export, inaugurada em setembro de 1972, em São Paulo (SP), em comemoração aos 150 anos da independência do país. Por falta de novos financiamentos, nem o TALAV, nem os demais veículos projetados para o Sistema Delta, chegaram a ser testados em condições reais.

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Importante criação da FEI da “fase Rigoberto Soler”, o projeto Talav foi concebido como um completo sistema de transportes, compreendendo desde os veículos até a infra-estrutura e os controles operacionais.

Em 1972 Soler apresentou, em maquete, o ônibus urbano Uiraquitan, realizado a pedido de Jaime Lerner, em sua primeira gestão como prefeito de Curitiba (PR), quando começava a implantar o sistema de troncalização e integração dos transportes em sua cidade. Tratava-se, na verdade, de um antigo projeto de ônibus rodoviário, preparado ainda em 1968 e já mostrado à imprensa na época, que propunha um veículo com piso baixo, motor traseiro e cabina do motorista sobre o teto; tais características propiciavam maior espaço interno e piso totalmente plano e livre, atributos desejáveis num ônibus para operação em corredores adensados, o que atraiu Lerner para o projeto. Em lugar de chassi, o ônibus seria uma espécie de monobloco, com uma viga central no teto e dois anéis estruturais na região dos eixos; o motor seria um Scania de 260 cv. O tempo excessivo necessário para a construção do protótipo e produção seriada obrigou a Prefeitura de Curitiba a optar por soluções mais convencionais.

No IX Salão, em 1974, a FEI apresentou o X-9, um Fórmula Super Vê com características avançadas, utilizadas em categorias superiores. O propósito inicial da MecAut era construir um carro de Fórmula 1; os custos envolvidos e a dificuldade de testá-los em situação real obrigou a equipe a “limitar-se” ao Super Vê, porém agregando-lhe o que havia de mais atual em suspensão e aerodinâmica, como spoiler dianteiro e aerofólio em forma de asa delta e uma grande cúpula traseira canalizando ar para o motor. Os radiadores de óleo foram montados horizontalmente na dianteira, sendo os componentes da suspensão e o chassi monocoque construídos em alumínio. O projeto obedeceu a todas as normas internacionais de segurança estabelecidas pela FIA. Por vários anos este viria a ser o último projeto relevante preparado pela MecAut.

Em 1977, os cursos de Engenharia Operacional foram extintos no país, passando a Mecânica Automobilística da FEI a uma das especializações da Engenharia Plena; nesse período, Soler foi contratado pela Engesa e deixou a FEI. Em meados da década seguinte, o curso foi reestruturado, de modo a fortalecer no futuro engenheiro a visão do produto final; deixou-se de dar ênfase às partes (os diversos componentes do veículo), para valorizar a visão de conjunto, que passou a incluir conceitos de economia e mercado. O processo de mudanças foi consolidado em 1988, com a criação da Expo MecAut, na qual os alunos teriam que trabalhar, como projeto de formatura, num veículo completo, contemplando as fases de concepção, construção e lançamento. Inicialmente apresentados sob a forma de desenhos, e logo a seguir maquetes, com cada vez mais freqüência passaram a ser preparados modelos em escala 1:1, geralmente operacionais.

Até dezembro de 2008 foram efetuadas 42 edições da exposição, com cerca de 230 projetos apresentados pelos grupos de alunos. A cada período os projetos são avaliados por uma comissão de especialistas, que escolhem o melhor trabalho do semestre. Os trabalhos finais dos alunos têm, necessariamente, que apresentar algum avanço tecnológico ou conceitual, independente do veículo escolhido como tema. Há propostas de carros esportivos, veículos urbanos, motocicletas e triciclos; ressalta, entretanto, a grande quantidade e a originalidade dos veículos comerciais sugeridos. A série de fotos apresentada na galeria dá uma pequena mostra das muitas propostas significativas concebidas ao longo destes mais de 20 anos.

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X-12, com rodas orbitais, um dos diversos carros para provas de economia de combustível projetados por alunos da FEI.

Um único projeto importante foi desenvolvido no longo intervalo entre o X-9 e a primeira Expo MecAut, em julho de 1988: o utilitário Caure (lê-se Cauré). Concebido como picape (com variantes furgão, ambulância, van e veículo policial), foi o primeiro carro brasileiro com estrutura totalmente calculada por computador. Exibido na feira Brasil Transpo 84, tinha carroceria monobloco moldada em fibra de vidro e compostos sintéticos leves (epoxi e kevlar), de espessura variável em função dos esforços estáticos e dinâmicos previstos ao longo da vida útil do veículo; com isto, conseguiu-se reduzir o peso em 70%, com relação ao equivalente em aço. Com 3,20 m de comprimento e capacidade para dois passageiros e 220 kg de carga, o Caure recebeu suspensão, diferencial, direção e freios do Fiat 147 e conjunto motriz de motocicleta Honda (dois cilindros, seis válvulas, 400 cm3 a álcool; caixa de seis marchas) montado em posição central. (Em 1987, já com novo nome – Cérbero – e com a demonstração de interesse de uma indústria paranaense em produzi-lo, o pequeno carro teve o motor Honda substituído pelo 1.6 do Volkswagen Gol.)

A quase totalidade dos trabalhos de criação das equipes do curso de automóveis da FEI vem sendo apresentada nas exposições semestrais de fim de curso. Contudo, algumas realizações off-Expo MecAut são dignas de registro. De 1994 é o GT Mariella, projeto do professor Oscar Nishimura; foi equipado com motor dianteiro do Fiat Tempra (2.0 turbo, 165 cv) e caixa de marchas do VW Santana, montada entre as rodas traseiras. Seu chassi, todo de alumínio, tinha longarinas tubulares e travessas fundidas; também os componentes da suspensão, independente nas quatro rodas, eram de alumínio fundido; os quatro freios eram a disco ventilados e a carroceria, muito leve, moldada em kevlar. De 1997 é o carro elétrico Merlin, um pequeno spider de linhas bem trabalhadas, com tração traseira, chassi tubular e carroceria de fibra de vidro; tinha suspensão independente nas quatro rodas (duplo A e molas helicoidais), motor de 22,4 kW e transmissão mecânica de cinco marchas, com embreagem, e freios a disco ventilados. A carga elétrica era fornecida por 27 baterias ligadas em série (100 Ah), distribuídas pelos vãos livres da carroceria, na dianteira e em torno dos bancos; estimava-se autonomia de 100 km e possibilidade de 600 recargas.

Seguindo a rota aberta pelos projetos Mileage, Millenium e X-10 (apresentados nas 19ª, 23ª e 24ª edições da Expo MecAut, respectivamente), foi projetado o modelo X-11, mais sofisticado, com eletrônica embarcada desenvolvida na própria FEI, destinada ao gerenciamento do motor, controle de velocidade e máximo aproveitamento da energia cinética, de modo a reduzir ao máximo o consumo de combustível; o chassi era de alumínio e a carenagem de fibra. Em 2002 foi construído o X-12, com carroceria autoportante e um avançadíssimo design, favorecido pela adoção de rodas orbitais; foi utilizado o sistema eletrônico do X-11, com melhorias. A roda orbital traseira (tratora), entretanto, apresentou desgaste excessivo e foi substituída por uma roda raiada; esta mudança, acompanhada de algumas alterações na carenagem, deu origem ao X-13. As carrocerias dos três modelos foram moldadas pela Chamonix. Mais um carro visando quebrar recordes foi criado em 2004, sob patrocínio da Dana – o X-14. Valendo-se de uma carroceria de fibra de vidro com baixíssimo Cx e um motor VW 1.0 turbo preparado para desenvolver 250 cv, a equipe da FEI almejava alcançar 300 km/h, quebrando o recorde brasileiro de velocidade, conquistado pelo DKW Carcará em 1966 e jamais superado.

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O potente GT X-20, de 2008, com sistema de guiagem ótica, é um exemplo de criação recente da FEI (fonte: site sobnovadirecao).

Para 2006 foram construídos mais dois super-milleage, com a mesma carroceria de fibra de carbono e 0,05 Cx: X-16, pesando apenas 33 kg, a gasolina (50 cm3 e 1,5 cv) e X-17, elétrico; com o último a FEI venceu a 3ª Maratona de Eficiência Energética, realizada no campo de provas da GM, em Indaiatuba (SP), na categoria veículos elétricos, com o consumo de 135 Wh (o segundo colocado alcançou 107 Wh). Mais outro carro elétrico foi montado em 2006, o X-19, desta vez um Chevrolet Astra transformado; consistia de um motor elétrico Siemens de aplicação industrial (potência equivalente a 30 cv), 24 baterias em série e um moto-gerador (400 cm3 e 13 cv) para alimentar as baterias, em alternativa à rede elétrica local; o carro manteve a caixa de mudanças de cinco velocidades do Astra e, na carroceria, recebeu os faróis do Vectra, um teto de vidro, teve eliminada a grade e elevada a linha da cintura.

O “experimental” seguinte da FEI buscou caminhos diversos: enorme roadster de linhas futuristas com motor V8 de sete litros e 550 cv, o X-20 foi um laboratório para o desenvolvimento de sistema de guiamento ótico, onde o piloto só é solicitado a acelerar e frear (o funcionamento é o seguinte: a pista é delimitada por duas faixas brancas; uma câmera capta a imagem das faixas 30 vezes por segundo, enviando-a para um computador, que calcula a posição central da pista e “dirige” o automóvel para lá). O carro tinha carroceria de fibra de vidro, chassi tubular de alumínio com motor entre eixos, suspensão independente (duplo A e molas helicoidais) e freios a disco ventilados nas quatro rodas.

Em paralelo à formação acadêmica e aos seus trabalhos de fim de curso, desde 1995 os alunos da FEI participam das competições de mini bajas organizadas pela SAE Brasil. O regulamento das provas exige que os veículos sejam construídos e pilotados pelos estudantes; além disso, cada carro é avaliado estática e dinamicamente pela SAE. São analisados aspectos de segurança, respeito à regulamentação e dirigibilidade, e só os veículos aprovados podem participar da disputa. No ano 2000 a FEI foi vice-campeã da etapa nacional, ganhando o direito de participar de provas no exterior. No ano seguinte, foi pela primeira vez campeã brasileira, feito mais seis vezes repetido até 2011. Enfrentando mais de 120 equipes internacionais sagrou-se campeã mundial por três vezes, em 2004, 2007 e 2008. Para manter viva a criatividade dos alunos e assegurar a evolução dos veículos e a competitividade da equipe, dois novos bajas são construídos anualmente pela FEI.

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