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FORD | galeria

Automóveis, utilitários e caminhões Ford norte-americanos alternaram, com sua arquirrival Chevrolet, a liderança do mercado brasileiro durante toda a primeira metade do século passado. Modelos Ford alemães, franceses e sobretudo ingleses também foram muito importados no segundo pós-guerra, porém sempre em menor quantidade do que aqueles vindos dos EUA. Em 1953, à época em que eram dados os primeiros passos para a criação da indústria brasileira de veículos, a Ford norte-americana respondia por 26,25% do mercado nacional, contra 26,90% da líder Chevrolet. Esta situação de quase empate também se verifica quando analisado o comportamento dos Grupos Ford e GM, no mesmo ano – 32,50 e 35,44%, respectivamente – havendo que se considerar, porém, que a GM disputava o mercado com cinco marcas – dentre elas a Cadillac, 3ª maior frota da cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, – contra três da Ford.

Tal posição de destaque tem razões históricas, a começar pela própria projeção do nome Ford no cenário industrial mundial, resultado do gênio técnico e empresarial de Henry Ford (1863-1947) que, num crescendo, projetou e construiu seu primeiro automóvel em 1896, criou sua própria empresa – a Ford Motor Co. – em 1903, colocou em produção o prático e extremamente barato Modelo T em 1908 e, em 1914, concebeu revolucionário sistema contínuo de produção – a linha de montagem. A produção seriada e todos os conceitos nela embutidos, sistema que seria logo internacionalmente conhecido como fordismo, rapidamente conquistou o planeta. Apoiado no permanente aperfeiçoamento de processos, na verticalização e na padronização (é famosa a frase de Henry: “você pode comprar um Ford de qualquer cor, contanto que seja preto“), a cada ano o Modelo T mais reduzia de custo e de preço. O uso inovador da publicidade fez a sua parte e, em 1918, o modelo já respondia por cerca de metade do mercado dos EUA. Desde cedo Ford buscou o mercado externo, sempre que possível associado à montagem local dos seus carros. A primeira linha de fabricação no exterior foi instalada em 1904, ainda para o Modelo C, no Canadá; em 1911 o Modelo T começou a ser produzido na Grã-Bretanha.

Antecedentes

A expansão na América Latina teve início pela Argentina, onde em 1913 foi fundada uma filial da Ford norte-americana; a montagem de veículos, no entanto, só seria efetivada em 1921. Também no México a fabricação local foi tardia, começando apenas em 1925. Assim, seria o Brasil o primeiro país latino-americano a produzir automóveis Ford. O pioneirismo, entretanto, foi resultado da iniciativa do industrial baiano Antônio Navarro Lucas, que em 1918 obteve licença da Ford para montar, em Salvador (BA), dez unidades mensais do Modelo T: aqueles foram os primeiros Ford nacionais. Atenta ao mercado brasileiro, no entanto, já no ano seguinte, em 24 de abril, a diretoria da Ford Motor Co. decidia criar filial no Brasil, já no início de maio instalando, na rua Florêncio de Abreu, centro da cidade de São Paulo (SP), escritório e linha de montagem para a fabricação do Modelo T. Esta foi a primeira indústria automobilística a se instalar no país.

A legendária solidez e facilidade de condução e manutenção deste modelo de 20 cv o converteu no automóvel mais popular do Brasil: seu projeto era tão simples e racional que, para onde faltavam estradas, o carro era transportado desmontado, em caixotes, e simplesmente “armado” em algum galpão à beira do porto ou no armazém da estação ferroviária. A quantidade de veículos aqui montados cresceu rapidamente, obrigando à empresa, até 1921, a mudar mais duas vezes de instalações, sempre no centro de São Paulo; nesta última fábrica, na rua Sólon, bairro do Bom Retiro, com capacidade de produção de 40 unidades diárias, foi montado em 1923 o primeiro caminhão Ford brasileiro.

O próprio processo produtivo – a linha de montagem, ainda uma novidade no mundo – transformava-se em motivo de propaganda, e a Ford não descuidava da sua difusão, associando-a à imagem de modernidade que a produção local trazia para o país; assim, na II Exposição de Automobilismo (São Paulo, 1924), a empresa fez montar uma pequena linha de fabricação para demonstração ao público, instalação que, no ano seguinte, seguiu para a capital federal.

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Automóveis Ford T perfilados diante da fábrica de Bom Retiro, em meados da década de 20.

Em 1925 a marca já dominava o mercado brasileiro, responsabilizando-se por cerca de 60% da frota do país (naquele ano também a GM inauguraria a montagem local de veículos). A presença da Ford crescia em todas as frentes do transporte: foi instrumento para a expansão das nossas fronteiras (realização amplamente explorada pela empresa, na figura do Marechal Cândido Rondon, contumaz usuário do Ford T em seus deslocamentos pelo sertão); serviu de base para a construção das nossas primeiras “jardineiras” – carrocerias de madeira para o transporte de passageiros introduzidas pela Grassi –, dando origem à hoje pujante indústria brasileira de ônibus e, simultaneamente, contribuindo para a constituição das primeiras empresas operadoras de transporte urbano do país; chegou mesmo a fornecer automotrizes (ônibus sobre trilhos) para linhas pioneiras em áreas de expansão urbana de São Bernardo do Campo. Em 1926 completou os primeiros tratores montados no país.

Em 1928, após mais de 15 milhões de unidades produzidas, a Ford aposentou o já anacrônico Modelo T, substituindo-o pelo Modelo A, com 12 opções de carroceria, 40 cv, amortecedores e freios nas quatro rodas. Recém-lançado nos EUA, o modelo foi logo colocado em produção no Brasil, seguido, nos anos seguintes, por outros modelos de automóveis, veículos comerciais e tratores. Nos anos da II Guerra, envolvida a indústria automobilística dos EUA no esforço bélico, faltaram componentes para alimentar a linha de produção brasileira, então parcialmente ocupada com a fabricação de aparelhos de gasogênio. Aproveitando-se dessa carência e competindo com a nascente indústria brasileira de autopeças, a Ford montou fábricas próprias de baterias, molas e carrocerias metálicas, para atender às suas necessidades e suprir o mercado interno.

No pós-Guerra a fábrica do Bom Retiro voltou a acelerar o ritmo de produção, alcançando, em 1948, média diária entre 50 e 60 unidades. No final da década ali eram montados automóveis norte-americanos Ford, Mercury e Lincoln e ingleses Anglia e Prefect, veículos comerciais leves, ônibus e caminhões médios e pesados Ford e Thames. Cerca de 1.200 componentes já tinham origem local, produzidos pela Ford e por uma centena de fornecedores instalados no país. Importadas em partes, cabines e carrocerias eram montadas no local. Ao completar 30 anos, em abril de 1949, a Ford já montara mais de 200.000 veículos no Brasil.

Em 1953 a Ford inaugurou moderna fábrica no bairro do Ipiranga, sempre na cidade de São Paulo, mudando-se das instalações que, desde 1921, ocupava no Bom Retiro. Com capacidade para 125 veículos/dia, foi inaugurada num momento de transição da política industrial brasileira, quando já se cogitava incentivar a nacionalização de veículos, porém ainda não haviam sido traçados planos e metas – o que só viria a ocorrer com a constituição do GEIA, em maio de 1956. Assim, a fábrica do Ipiranga começou a operar ainda como montadora de veículos importados.

Naquela altura a Ford já buscava incrementar a agregação de itens de produção local, tendo utilizado em 1952, segundo informou, mais de 2.000 itens fornecidos por fabricantes nacionais. Tendo como meta atingir 40% de nacionalização em 1955, naquele mesmo ano iniciou a construção das cabines e carrocerias dos caminhões e picapes com aço brasileiro e componentes estampados no país.

A empresa, no entanto, resistia a avançar na nacionalização dos órgãos mecânicos mais importantes, sendo atitude recorrente da sua Administração Central a terminante negativa de proceder à produção total no país, só revertendo a decisão após saber do total acatamento da GM às regras do GEIA. (Quanto à não fabricação local de motores, chegou a brandir a absurda alegação da “impossibilidade de fundição de blocos de motor em países tropicais“.)

1957: a Ford fabrica os primeiros caminhões a gasolina do país

Foi somente após a criação do GEIA, portanto, e quase no prazo limite, que a Ford submeteu ao órgão o plano de fabricação de veículos completos. Eram três tipos: um caminhão médio, um leve e uma picape, prevendo capacidade máxima de 30 mil unidades, em 1960, com a produção de 8.250 caminhões já em 1957. Em coerência com as regras vigentes, o índice de nacionalização deveria aumentar progressivamente, saltando de cerca de 40%, em 1957, para 90% (em peso) em 1960. Quando o projeto da Ford foi aprovado, no final de 1956, a quase totalidade dos componentes das cabines já era estampada no Brasil; a produção de algumas partes era terceirizada, caso das caçambas de picapes, fornecidas pela Máquinas Piratininga, e algumas centenas de itens diversos eram adquiridos junto a outros fabricantes nacionais.

Em 26 de agosto de 1957 deixou a linha de montagem do Ipiranga o primeiro caminhão Ford nacional – o F-600, ainda apenas com cerca 40% de conteúdo nacional, em peso. Tratava-se de um modelo convencional, de porte médio (para 6,5 t, entre-eixos de 4,37 m) e arquitetura tipicamente norte-americana, com motor V8 a gasolina (4,5 l e 161 cv) e cabine recuada; tinha caixa de quatro marchas e diferencial de duas velocidades, com reduzida de comando elétrico. Dois meses depois foi lançada a picape F-100, para 930 kg, dotada da mesma motorização e igual cabine, porém com três marchas (primeira não sincronizada). Ambos eram modelos descontinuados nos EUA – um mix de capô, para-lamas e cabine de 1953 com grade de 1956. Exatos 3.454 veículos foram concluídos no primeiro ano, 576 dos quais do modelo picape. Para atender às metas do plano, foram criados os Departamentos de Engenharia do Produto e de Ensaios e Pesquisa (alocados nas antigas instalações do Bom Retiro), construída uma fundição de motores em Osasco (SP), instaladas linhas de usinagem e montagem de motores e ampliada a estamparia do Ipiranga, as três últimas inauguradas em novembro de 1958.

Em 1959, a cabine do caminhão e picape foi reestilizada, recebendo novo painel, volante “em cálice” e os para-brisas panorâmicos introduzidos em 1956, nos EUA. A picape, por sua vez, ganhou caçamba muito mais moderna, com para-lamas integrados, seguindo projeto apenas recentemente adotado na matriz. Para registrar o salto no índice de nacionalização, obtido após a inauguração da fábrica de motores, os emblemas de todos os modelos passaram a vir nas cores verde e amarela. Em junho daquele mesmo ano foi lançado o caminhão leve F-350 (para 2,7 t, entre-eixos de 3,30 m), com a mesma mecânica dos demais (este seria, por muitos anos, o único modelo brasileiro na categoria). No ano seguinte o caminhão médio ganhou a versão F-600-148″, com menor entre-eixos (3,77 m), próprio para receber carroceria basculante ou 5ª roda, com capacidade de tração de 12 t.

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Caminhão Ford F-600 1959.

A defasagem estética entre os produtos brasileiros e norte-americanos logo se tornou oportunidade de negócio para a filial brasileira que, já a partir do final de 1960, passou a exportar para-lamas, capôs e demais estampados de cabine para o mercado de reposição dos EUA. Também no final daquele ano a Ford patrocinou uma “expedição” destinada a vencer 3.800 km, entre São Paulo e Rondônia, incluindo os quase 2.000 km da estrada Brasília-Acre, com trechos ainda em implantação; envolvendo sete caminhões leves e médios, os veículos levaram dois meses para alcançar Porto Velho. (Como indústria pioneira, ainda necessitando demonstrar a qualidade e confiabilidade dos seus produtos, foi comum, na época, o patrocínio da indústria automobilística a raids e caravanas penetrando regiões remotas do país.) Nova “expedição”, desta vez com seis caminhões completamente carregados e uma picape, foi iniciada em agosto de 1962; a marcha foi também extremamente lenta, porém dessa vez em 24 dias a caravana atingiria Rio Branco, 4.150 km distante da cidade de onde partiu.

Em 1961 a Ford causou furor com o anúncio de seus planos (já apresentados ao GEIA) para a fabricação local do Ford Fairlane 1959 – um “verdadeiro carro americano“, sonho de consumo e quase fetiche num país por décadas acostumado a importar “rabos-de-peixe“, frustrado com a “triste” cena local, cada vez mais dominada por “pobres” Fuscas, Dauphines e DKWs. O novo carro seria produzido à razão de 400 unidades mensais em nova fábrica a ser construída em São José dos Campos (SP), onde havia poucos meses a empresa adquirira grande terreno. O lançamento estava previsto para 1962. A Ford requeria ao governo federal completa isenção de impostos para importação de máquinas, estampos usados e ferramentas, benefícios já não mais previstos pelo GEIA. O processo se arrastaria por algum tempo, até ser provisoriamente abandonado. Somente oito anos depois a Ford lançaria seu primeiro automóvel nacional.

1961 foi também o ano em que a Ford brasileira dobrou-se à realidade local, que aceleradamente se afastava dos motores a gasolina no transporte de cargas, e lançou seu primeiro veículo diesel. Equipado com motor Perkins de seis cilindros e 125 cv, o F-600 Diesel recebeu poucas modificações com relação ao modelo a gasolina: apenas reforço da suspensão dianteira e substituição do logotipo “V8”, na grade, por outro, nomeando o novo combustível. O ano terminou com a produção do 60.000º Ford brasileiro, cifra que colocava a empresa em terceiro lugar entre os onze fabricantes instalados no país, depois da Willys (maior produção acumulada 1957-61) e da Volkswagen.

A Ford, porém, apresentava algumas idiossincrasias, certamente heranças do estilo autoritário e centralizador de Henry Ford, que manteve sua empresa sob rígido controle pessoal enquanto viveu (o Grupo Ford é ainda hoje uma empresa familiar, embora com administração parcialmente profissionalizada). Em 1963, a filial brasileira da Ford era a única empresa, em toda a indústria automobilística nacional, a depender totalmente da matriz, não dispondo sequer de um Diretor, mas apenas de um Gerente Geral, que se reportava aos EUA para qualquer assunto que exigisse decisão (esta foi uma das questões apontadas pelo GEIA como óbice à aprovação do “projeto Fairlane”). A Ford era, também, a campeã do setor na remessa de royalties e dividendos para o exterior, sendo responsável, entre 1957 e 1961, por 46% desta rubrica (Willys e VW – as duas maiores –, juntas, não alcançavam 28%): a empresa se gabava, em 1960, de ter recebido US$ 31 milhões do Brasil, entre 1957 e 60, a título de remessa de lucros e taxas de serviço, correspondendo a quase duas vezes e meia o total gasto na nacionalização de seus caminhões (US$ 13 milhões).

Em abril de 1962 o estilo da linha Ford foi mais uma vez alterado, desta vez assumindo o desenho do modelo norte-americano de 1960. A nova série, chamada Super Ford, não mereceu alterações mecânicas significativas – apenas comando hidráulico da embreagem. A carroceria, no entanto, era totalmente nova, com quatro faróis, pedais suspensos, estribos embutidos e sistema de ventilação interna melhorado; a picape recebeu para-choques traseiros. Com o tempo, aos quatro modelos básicos foram agregadas diversas variantes, totalizando 14, a maioria delas destinada a encarroçadoras e oficinas fabricantes de veículos especiais. A F-100 dispunha de cinco: podia ser vendida só com para-brisa (sem portas, teto e parede traseira), como semicabine (idem, com portas), com ou sem caçamba e como cabine dupla (esta, fornecida por terceiros); F-350, F-600 e F-600 Diesel dispunham de três variantes cada: com cabine, só com para-brisa ou na versão mais nua, sem para-brisa – apenas curvão, capô e para-lamas.

Ao longo de 1963 e 64, anos conturbados no cenário político brasileiro, a Ford se retraiu, não tendo sequer participado do IV Salão do Automóvel – embora houvesse o que comemorar, pois em março de 1964 havia atingido a marca de 100.000º veículo produzido no país. Em 1965 voltaram as novidades, com a apresentação, em fevereiro, da linha renovada de caminhões (grade e capô de novo desenho) e o lançamento de dois modelos de picapes, uma “para trabalho” e outra para lazer, batizadas Rancheiro e Passeio; além do estilo, as diferenciava a suspensão mais macia (novas molas e amortecedores) e as rodas de menor diâmetro, na segunda.

Lançamento do Galaxie: um “carrão americano”, sonho de consumo brasileiro

O que todos aguardavam, no entanto, era outra notícia, finalmente confirmada em 29 de abril: o anúncio oficial da fabricação de um “carrão americano” no Brasil – o Ford Galaxie, modelo posicionado numa categoria acima do anteriormente previsto Fairlane. A versão escolhida foi aquela ainda em produção nos EUA – a qual, porém, seria substituída logo a seguir, meses antes do lançamento do modelo brasileiro, portanto. Ao longo de 1966, enquanto a Ford ampliava e modernizava a fábrica do Ipiranga, preparando-a para o Galaxie, pouco de novo surgiu: os caminhões ganharam opção de caixa de cinco marchas, além de uma versão com chassi longo – o F-600-194″ –, com 4,94 m entre eixos, e às picapes passou a ser disponibilizada a configuração 4×4, obtida a partir do sistema Tração Total da Engesa; além da caixa de redução, do novo eixo dianteiro com roda livre de engate automático e da opção de instalação de tomadas de força, os veículos não recebiam nenhuma outra alteração mecânica, mantendo suspensão, motor e caixa de três velocidades (com alavanca de mudanças na direção) originais.

O Ford Galaxie 500 foi a grande sensação do V Salão do Automóvel, inaugurado em novembro de 66, ocupando o lugar de honra no grande stand da marca, projetado pelo arquiteto Sérgio Bernardes. Antes mesmo do lançamento oficial, em março de 1967, o primeiro automóvel brasileiro da Ford recebeu o título de Carro do Ano da revista Autoesporte. Embora o Galaxie não trouxesse nada de tecnicamente moderno a nível mundial – tratava-se, afinal, de um típico automóvel concebido para a conservadora classe média norte-americana –, foi uma ousadia da Ford produzi-lo no Brasil, quando nossa indústria automobilística mal alcançara os dez anos de idade. Primeiro carro de grande porte e categoria superior fabricado no país, com padrão de acabamento ainda incomum entre os carros nacionais (o que exigiu da Ford especial atenção com o controle de qualidade), ainda assim o Galaxie foi lançado com o elevado índice de nacionalização de 98%.

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Lançado em 1966, o Galaxie foi o primeiro automóvel brasileiro da Ford.

O carro trazia o mesmo motor V8 a gasolina dos caminhões, porém com cabeçotes e dutos de admissão e exaustão fundidos em alumínio. Não tinha carroceria monobloco, solução técnica em franca expansão na indústria européia, mas chassi periférico com suspensão dianteira independente e eixo rígido traseiro com molas helicoidais. A caixa de marchas era de três velocidades sincronizadas com alavanca de mudanças na coluna do volante, direção hidráulica opcional (embora exigindo quatro voltas do volante, de batente a batente), freios a tambor assistidos, freio de estacionamento de pé e sistema elétrico de 12V, com alternador (ainda pouco comuns, então). Apesar do peso elevado, mostrava bom desempenho (para a época), às custas, porém – como seria de esperar -, do excessivo consumo de combustível: aproximadamente 6,3 km/l, “em condições normais“, segundo o fabricante, ou entre 3,5 e 5 km/l, conforme testes da revista 4 Rodas.

Se, sob o ponto de vista tecnológico, o Galaxie era um automóvel absolutamente convencional, por outro lado trazia um nível de conforto desconhecido no restante da produção nacional. Além da quantidade de itens internos (rádio com três faixas, relógio elétrico, circulação de ar com três velocidades, chave de ignição mais segura e com possibilidade de encaixe em qualquer posição, tapetes de bouclê de nailon moldados, retorno automático do pisca-pisca, limpa-brisa com duas velocidades e porta-luvas iluminado), foram muitas as intervenções em prol do silêncio e suavidade de marcha. Assim, além do isolamento termo-acústico da carroceria, a suspensão, os pontos de fixação da carroceria ao chassi, o eixo cardã, a coluna de direção e os cabos do acelerador receberam elementos elásticos destinados a reduzir fricção e vibrações. Como elementos de segurança, foram adotados pneus sem câmara e volante de direção deformável em caso de colisão. Tipicamente norte-americanos eram o enorme banco dianteiro inteiriço e o painel, cujos únicos instrumentos eram o largo velocímetro horizontal e um indicador de combustível.

O PRIMEIRO GALAXIE: SUA FICHA TÉCNICA: chassi independente periférico, carroceria três volumes, quatro portas, seis lugares, bagageiro com 541 litros, 5,33 m de comprimento; motor dianteiro refrigerado a água, com oito cilindros em V, 4.458 cm3, 164 cv; um carburador de corpo duplo; tração traseira com caixa manual de três marchas sincronizadas; direção mecânica (hidráulica opcional); suspensão independente na dianteira e eixo rígido oscilante na traseira, com molas helicoidais; freios hidráulicos a tambor nas quatro rodas.

Havia anos, desde as primeiras notícias sobre a intenção de lançar o Fairlane, que também se falava na nacionalização de um carro médio da marca, ou o compacto norte-americano Falcon (montado na Argentina a partir de 1962), ou um modelo de origem européia – o Taunus alemão ou o britânico Cortina (a linha de produtos europeus ainda não havia sido unificada, na década de 60). A solução encontrada pela Ford foi outra, e completamente inesperada: a compra, concluída em outubro de 1967, da Willys Overland do Brasil S.A., segundo maior fabricante do país (ultrapassada pela VW em 1963), com plantas industriais em São Bernardo do Campo, Taubaté (SP) e Jaboatão (PE) e ampla e consolidada linha de produtos (ainda que defasada tecnologicamente): Gordini, Aero Willys, Itamaraty e utilitários Jeep. A principal razão da aquisição do controle da Willys – e grande cartada da Ford –, porém, foi outra: a gestação de um moderno carro médio, em fase final de desenvolvimento conjunto com a Renault francesa, e que viria a ser, por quase três décadas, o produto Ford de maior sucesso: o ainda chamado Projeto M, e que logo seria batizado de Corcel.

Uma grande cartada: assumindo o controle da Willys a Ford herda o moderno projeto Corcel

A união dos negócios das duas empresas (que inicialmente mantiveram personalidades jurídicas próprias) passou a constituir o maior complexo industrial automobilístico do país, com quatro unidades fabris no Estado de São Paulo e uma em Pernambuco, quatro linhas de montagem, três fábricas de motores, uma de eixos e transmissões, duas ferramentarias, estamparias e fundições, um centro de pesquisas e uma equipe de corridas. Em março de 1968 foi encerrada a produção do Gordini e, em dezembro, os restantes produtos Willys passaram a assumir a marca Ford. A fusão das duas empresas foi concretizada em outubro de 1969, com a criação da Ford-Willys do Brasil S.A.. Em maio de 1972, por fim, ao ser mudada a razão social da companhia para Ford Brasil S.A., o nome Willys foi definitivamente eliminado, embora alguns de seus antigos veículos ainda viessem a ser mantidos em produção por muitos anos (os últimos deixaram a linha de montagem apenas em 1983) (leia comentários sobre os modelos de origem Willys em Willys).

No mesmo mês da aquisição da Willys, a Ford anunciou o aumento de capacidade de seus caminhões. Com a nova série, chamada NC (Nova Capacidade), obtida a partir do redimensionamento de longarinas, eixos, suspensão e pneus, o caminhão leve F-350 teve a capacidade de carga aumentada em 38% (de 2.640 para 3.648 kg); o F-600 ganhou 1.330 kg, representando entre 20 e 22% de aumento, dependendo da versão. A linha de comerciais foi renovada em maio de 1968: além das novas carrocerias com faróis retangulares para todos os modelos e do novo motor Perkins de 142 cv para o F-600 Diesel (seis cilindros, sete mancais, camisas removíveis e bomba injetora rotativa), foi a picape F-100 (que deixava de ter versões diferenciadas para “passeio” e “trabalho”) quem recebeu as maiores modificações: mais 10 cm na distância entre eixos; maior potência (166 cv), graças ao aumento da taxa de compressão; menor raio de giro; diferencial autoblocante opcional; primeira marcha sincronizada; melhorias no sistema de refrigeração e nas buchas de fixação dos elementos mecânicos no chassi; nova relação no diferencial, aumentando a velocidade; abertura da tampa da caçamba com maçaneta central; e nova suspensão dianteira semi-independente (chamada Twin-I-Beam, a suspensão consistia de dois eixos transversais com seção em I apoiados, numa extremidade, em molas helicoidais e braços tensores e, na extremidade oposta, articulados com o chassi).

Enquanto isto, o Projeto M era submetido a extensivo programa de provas, inclusive esportivas, na pele dos protótipos Willys Mark I e II (Bino), para este fim tendo sido reativado o Departamento de Competição da Willys. Os dois foram carros campeões desde a estréia, em janeiro de 1968, conquistando, entre outros, os dois primeiros lugares nas IX Mil Milhas Brasileiras, à frente de vários Porsches e Alfa Romeos, e nos 1.000 Quilômetros de Brasília. Lamentavelmente, em outubro, apenas cumprida a sua missão de servir de “mula” para a mecânica Corcel, o Departamento foi extinto pela Ford.

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Herdado da Willys, que desenvolveu o projeto em conjunto com a Renault, o Corcel veio a se constituir no maior sucesso da história da Ford do Brasil.

Em fevereiro a imprensa divulgou as primeiras imagens do novo carro, assim como suas especificações gerais. Dois meses depois o Projeto M já tinha nome definitivo – Corcel – e em setembro era colocada à venda sua primeira versão, o modelo quatro-portas standard. O novo carro pode ser considerado um marco na história da indústria automobilística brasileira. Projetado simultaneamente com o Renault R12 (que seria lançado quase um ano depois, em outubro de 1969), com o qual compartilhou a plataforma e a concepção mecânica, recebeu, porém, carroceria de desenho próprio, desenvolvida pelo Departamento de estilo da Willys, sob o comando de Roberto Araújo (apenas o painel de instrumentos, por exigência da Ford, copiou o britânico Cortina). Concebido como uma família de três modelos, trazia o que de mais atualizado se praticava na Europa no campo dos carros médios de grande série: carroceria monobloco, motor de quatro cilindros com cinco mancais, caixa de quatro marchas acoplada ao diferencial, tração dianteira com dois pares de juntas homocinéticas, circuito de refrigeração selado com ventoinha elétrica de acionamento eletromagnético, distribuição por corrente, suspensão dianteira McPherson e coluna de direção deformável; poucos meses depois do lançamento, passou a sair com alternador. Foi o primeiro automóvel realmente atualizado lançado no Brasil, não sendo exagerados os termos das suas primeiras peças publicitárias, anunciando o lançamento: “O Ford Corcel é muito mais que um novo carro: é uma nova concepção em automóvel. Um gigantesco passo à frente. Uma antecipação do automóvel da década de 70“.

Internamente, tinha bom acabamento, porém sem sofisticação. Era equipado apenas com os itens básicos: no painel, velocímetro, termômetro de água e marcador de combustível; além disto, trava na direção, pisca-pisca com retorno automático, limpa-brisa com duas velocidades e porta-luvas com chave. Dentre os opcionais estavam: cintos de segurança, pneus radiais e bancos dianteiros individuais com encosto reclinável. O Corcel foi lançado com a marca Ford, porém sua linha de produção foi instalada na fábrica da Willys, em São Bernardo do Campo (SP). O Ford Corcel quatro portas recebeu o título de Carro do Ano 69 da revista Autoesporte (distinção que seria repetida duas outras vezes, em 1973 e 79).

O PRIMEIRO CORCEL: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco de três volumes, quatro portas, seis lugares, bagageiro com 458 litros, 4,40 m de comprimento; motor dianteiro longitudinal refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 1.289 cm3, 68 cv; um carburador de corpo simples descendente; tração dianteira com caixa manual de quatro marchas sincronizadas; direção mecânica; suspensão dianteira independente com braços triangulares inferiores, simples superiores e braços tensores e eixo rígido oscilante na traseira, com fixação central e braços longitudinais, molas helicoidais nos dois eixos; freios hidráulicos a tambor nas quatro rodas (opcionalmente, a disco na frente).

A Ford esbanjou novidades no VI Salão do Automóvel, no final de 1968, começando por sua mais recente vedete, o Corcel, que, além de receber mais uma opção de acabamento (luxo, com bancos individuais, painel revestido, luzes de segurança nas portas dianteiras, garras nos para-choques e frisos cromados nas laterais e em torno dos vidros), ganhou dois novos modelos, cupê e GT. Comercializados a partir do ano seguinte, foram desenvolvidos em conjunto com o sedã e a caminhonete (que seria lançada em 1970). Os dois compartilhavam a mesma carroceria de duas portas, com bancos individuais e freios a disco na frente, porém o GT teve seu motor “retrabalhado” (cabeçote rebaixado, válvulas e coletores redimensionados, novo comando de válvulas e carburador duplo), permitindo-lhe alcançar 80 cv de potência. Externamente os dois se diferenciavam pela decoração “esportiva” do GT: faróis de milha, teto de vinil, faixas pretas nas laterais e na parte central do capô, superfície traseira, abaixo da tampa da mala, também pintada de preto; este ainda trazia novo volante e painel mais completo, com contagiros, amperímetro e manômetro. Opcionalmente, o GT podia ser equipado com cintos de segurança, ventilador interno de duas velocidades, luzes de segurança nas portas, chave na tampa do tanque de combustível e pneus de banda branca.

Expandindo a linha em todas as pontas: Corcel Belina, LTD Landau e caminhão F-750

O Salão também mostrou novidades na linha Galaxie, que ganhou freios autoajustáveis na dianteira e direção hidráulica de série. Foi lançado o LTD, como modelo mais luxuoso e sofisticado da marca, com motor de 4.785 cm3 e 190 cv (obtidos a partir do aumento do diâmetro dos cilindros), nova grade, teto de vinil, painel com revestimento imitando madeira, retrovisor externo com controle remoto, apoia-braço no centro do banco traseiro, espelho no quebra-sol do passageiro e cores metálicas. Também o Galaxie 500 teve o estilo levemente retocado (mais um friso na tampa da mala e no centro da grade, sobre os quais foi aposto um emblema retangular) e ganhou novos acabamentos e comodidades. O carro também trouxe algumas alterações mecânicas, a principal delas o aumento da potência para 170 cv. Aos dois modelos passaram a ser oferecidos, como opção, ar condicionado e, pela primeira vez no país, transmissão automática (importada dos EUA). O motor do LTD, com 190 cv, também foi disponibilizado para o Galaxie 500.

Em março de 1969 o Corcel sedã totalizou 10 mil veículos fabricados; no mês seguinte, foi iniciada a comercialização do modelo Cupê, nas versões standard e luxo; em junho foi a vez do GT. Também em junho foi oficialmente inaugurado o Centro de Pesquisas e Engenharia, junto à antiga fábrica da Willys, em São Bernardo do Campo, único na América Latina, compreendendo departamentos de produto e de estilo, laboratórios de pesquisa e de testes e escritório central.   Naquela altura, as operações da Ford no Brasil já eram as maiores da América Latina, em vendas, e a sexta do mundo, depois dos EUA, Canadá, Grã-Bretanha, Alemanha e Austrália. No Brasil, a Ford-Willys permanecia como segundo maior produtor nacional: no primeiro posto, a Volkswagen se distanciava cada vez mais rapidamente dos demais fabricantes; a GM, em terceiro lugar, só  alcançaria (e definitivamente ultrapassaria) a Ford em 1974, após o lançamento do Chevette.

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Dois anos depois da chegada do Galaxie foi lançado o LTD, sua versão mais luxuosa.

No campo dos veículos comerciais, o segundo semestre trouxe duas novidades: opção de motor mais potente, com 190 cv (do LTD), para a picape F-100, e duas versões com 3º eixo para o F-600 (não tracionado ou 6×4, chamado NC3), elevando em até 9 t a capacidade de carga do caminhão. Em novembro foi lançada a linha 1970, com as seguintes alterações: grade retocada (fundo preto e friso horizontal cromado) para todos os modelos; para a picape, diferencial mais curto, filtro de ar em banho de óleo, cintos de segurança e, na versão luxo, duas cores e frisos cromados nas laterais e tampa traseira; para F-350 e F-600, caixa de quatro marchas (de 2ª a 4ª sincronizadas), direção mais macia, novo disco de embreagem e mais uma opção de motor (4,8 l e 167 cv); para F-600 (gasolina e diesel), radiador de maior capacidade e opção de caixa de cinco velocidades não sincronizadas, com sobremarcha de acionamento elétrico para o Diesel.

Logo depois dos caminhões foi apresentado o restante da linha 70, com pequenas modificações estéticas e mecânica inalterada. A grade do Galaxie 500 foi parcialmente pintada de preto e emblemas mudaram de lugar; tanto ele como LTD e Corcel receberam retângulos refletivos nos para-lamas traseiros. Também no modelo LTD a grade foi retocada e emblemas e dísticos deslocados; o rodapé do carro foi pintado de preto e adornado com friso cromado, filete colorido foi pintado ao longo da lateral, acompanhando o bordo superior dos para-lamas, e os para-choques receberam garras guarnecidas de borracha; LTD e Galaxie 500 ganharam, de série, extintor de incêndio e cintos de segurança para seis passageiros. Para o Corcel foram ainda destinados retoques no painel e em detalhes internos; externamente, nos sedãs e cupês luxo, foram afixadas duas barras decorativas entre as lanternas traseiras; cintos de segurança e extintor passaram a ser oferecidos como opcionais (alterações na linha Willys, ver Willys).

Na linha de automóveis de luxo a maior novidade foi o lançamento do Galaxie (simplesmente, sem o numeral 500), versão mais barata do modelo, quase espartano, despido de frisos e acessórios, preparado para enfrentar o Dodge Dart, segundo “carro americano” produzido no país, recém lançado com sucesso pela Chrysler. Apesar de destituído até mesmo de direção hidráulica, o Galaxie “econômico” veio equipado com o V8 de 190 cv, oriundo do LTD, que passou a ser o motor padrão dos três modelos.

Em março de 1970 a linha Corcel foi completada, com o lançamento da caminhonete, batizada Belina. Com duas portas e uma tampa traseira de abertura para cima, dando acesso ao grande compartimento de bagagem com capacidade para 420 kg e 855 litros (ou 1.680 l, com o banco recolhido), o carro trazia a mesma mecânica do sedã. Foi apresentado em três versões de acabamento: standard, luxo e luxo-especial (também chamada Country Square), esta com acabamento semelhante ao GT e com a superfície inferior das laterais, a partir da linha da cintura, revestida com laminado imitando madeira (bem ao gosto norte-americano, a versão teve vida curta, não durando muito mais do que um ano). O motor de 80 cv do GT foi oferecido como opcional. Poucos meses depois a Ford promoveria a primeira convocação de proprietários (recall) do país, para corrigir problemas recorrentes na geometria de direção, que causavam desgaste prematuro dos pneus dianteiros – problema que, por alguns meses, quase colocou em cheque o futuro do Corcel.

Em julho de 70 já apareciam os primeiros lançamentos para 1971 na linha de caminhões, trazendo faróis redondos para todos os modelos; na picape, freios, suspensão Twin-I-Bean e relação de transmissão foram modificados; F-350 recebeu freios assistidos e F-600, opcionalmente, tanque de combustível de maior capacidade e caixa de cinco marchas sincronizadas.

Seguindo o exemplo da Volkswagen, que antecipou a linha 71, também a Ford não esperou pelo VII Salão do Automóvel para lançar os seus carros. Começou com o sedã Corcel na versão táxi, que teve a suspensão reforçada, banco dianteiro inteiriço e revestimento interno simplificado, em vinil preto. Em setembro chegou o restante da linha Corcel, mostrando nova grade, lanternas dianteiras deslocadas para baixo do para-choque e painel pintado na cor da carroceria (exceto o quadro de instrumentos, com fundo preto); sedã e cupê tiveram as duas lanternas traseiras retangulares substituídas por dois pares, quadrados. Diversos conjuntos mecânicos foram aperfeiçoados (caixa, elementos da suspensão e sistema de alinhamento, ventilador do motor) e foi melhorada a vedação da cabine.

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Publicidade de lançamento do Ford Corcel Belina.

Para o Salão foram reservados o GT e os carros de luxo. Contrariando as expectativas, o Corcel GT 71 manteve a mesma mecânica e só apresentou mudanças cosméticas: grade em preto com faróis de milha embutidos, entrada de ar adicional sobre o capô, que também foi pintado de preto, e faixa lateral terminando em falsas entradas de ar antes das rodas traseiras. Quanto à linha de luxo, suas lanternas traseiras foram subdivididas em três elementos verticais e a luz de ré transferida para o para-choque. O LTD, ainda mais luxuoso, transformou-se no LTD Landau; o para-brisa traseiro foi reduzido, recebeu novos frisos nas laterais, ganhou calotas raiadas, uma estrela de quatro pontas no capô (semelhante à do Lincoln Continental) e dois grandes apliques nas colunas traseiras, imitando as dobradiças das capotas dos automóveis landau do passado. Junto ao banco de trás foram instaladas luzes de leitura e caixas de som; havia opção de freios assistidos e estofamento e revestimento interno em couro. No Galaxie 500 as mudanças foram menores, apenas na grade (parcialmente pintada da cor da carroceria) e laterais (faixa cromada aplicada sob as portas).

O stand da Ford no Salão trouxe ainda duas outras surpresas: o Corcel Cobra, um dos primeiros carros-conceito preparados por grandes fabricantes no país, concebido a partir do Corcel GT, e o furgão F-75, construído pela Brasinca, por encomenda da Ford, sobre o chassi da picape F-75, ex-Willys. Nenhum dos dois teve seguimento industrial.

Em maio de 71, com pouco menos de dois anos e meio de vida, o Corcel chegou à 100.000ª unidade produzida. O ano de 1971 foi dedicado à preparação da empresa para a renovação completa de sua linha de comerciais (que, em dezembro, chegava à marca dos 200.000 caminhões fabricados no país). Assim, foram reduzidas ao mínimo as novidades para os automóveis. No Corcel, rearranjo no sistema de ventilação da cabine, lampejador de farol na alavanca da seta e luz da placa no para-choque. O GT (agora GT XP – de extra performance) ganhou novo motor de 1.372 cm3 e 85 cv; seus instrumentos foram transferidos para console central, foram eliminadas as falsas entradas de ar nos para-lamas traseiros e faixas pretas passaram a percorrer toda a extensão das laterais. A Belina também recebeu um motor XP, porém com 75 cv e sem aumento de cilindrada. Para o LTD Landau passou a ser oferecido teto de vinil na cor creme e freios a disco assistidos na dianteira, buscando resolver o maior problema do carro, apontado em todos os testes aos quais foi submetido.

Se pouco mudaram os carros Ford em 1972, caminhões e picape passaram pela mais radical transformação desde o seu lançamento 15 anos antes. Recebendo novas cabines, estilo totalmente renovado e alguma alteração mecânica, foram simplesmente anunciados como os Ford 72. F-100 e F-350 receberam a mesma frente, vinda do modelo 1970 norte-americano; seus motores, respectivamente com 168 e 161 cv, tiveram sistemas de carburação, arrefecimento e exaustão melhorados; a suspensão Twin-I-Beam da picape também foi aplicada ao leve F-350, que ainda recebeu freios com assistência a vácuo. Quanto aos demais caminhões, também importaram dos EUA o seu estilo, porém de modelo anterior, de 1969. Grande quantidade de itens mecânicos passou por revisão, desde chassi e suspensão à embreagem, freio de estacionamento e sistema de direção. Foi apresentada mais uma alternativa de distância entre eixos (extralonga, com 5,4 m) e lançado novo modelo diesel – F-750 –, com o mesmo motor Perkins de 140 cv e os mesmos comprimentos de chassi do F-600, porém com freios pneumáticos e capacidade de carga de até 9 t (16,5 t, com 3º eixo). Aos modelos a diesel foram oferecidos direção hidráulica, tanque adicional de combustível e (para F-750) rodas raiadas. A caixa de cinco marchas com 1ª não sincronizada foi tomada como padrão para os modelos médios e semipesados.

Mais uma vez a Ford não aguardaria pelo Salão do Automóvel para mostrar suas novidades. Que começaram pelo Galaxie e LTD Landau 1973, colocados à venda ainda em junho do ano anterior. Ambos passaram por considerável mudança estética, procurando aproximá-los um pouco do estilo corrente da marca e de suas subsidiárias Mercury e Lincoln, nos EUA. Mantendo inalterada a estrutura da carroceria e intervindo quase que somente no capô, grade e lanternas traseiras, a Ford obteve um efeito que logrou atualizar bastante seus carros de luxo. Além dos freios a disco de série, nada mudou na mecânica.

Maverick – mais um Ford norte-americano no Brasil

Em outubro foi lançada a linha Corcel para 73. Também neste caso foram poucos os elementos físicos alterados (capô, grade e extremidade dos para-lamas dianteiros), porém com poderoso impacto visual, aparentando intervenção muito mais profunda do que a efetivamente efetuada. Para a nova frente do Corcel a Ford foi buscar “inspiração” no Ford Pinto, compacto de vida curta lançado dois anos antes nos EUA (embora esteticamente a mudança tenha resultado positiva, este desnecessário plágio caseiro mostra a ânsia da Ford, naqueles anos – ao contrário da GM -, de “americanizar” sua linha brasileira de automóveis). Além da nova dianteira, todos os modelos tiveram redesenhadas as lanternas traseiras, que passaram a integrar a luz de ré; o motor de 1.372 cm3 e 75 cv se tornou equipamento de série do sedã, cupê e Belina; o painel destes, que era pintado da cor do carro, voltou a ser preto fosco. No GT, mudou mais uma vez o padrão das faixas e superfícies pretas; foi eliminada a entrada de ar sobre o capô e os faróis de milha, encaixados na grade, passaram a ser menores e retangulares. (Eleito, pela segunda vez, Carro do Ano pela revista Autoesporte, o Corcel 73 foi também o escolhido para o terceiro teste de 30.000 km da revista 4 Rodas [dez/73], que incluiu longa viagem ao nordeste do país; desregulagens do motor, desgaste dos pneus dianteiros e peças soltas na carroceria foram os problemas mais freqüentes; nenhum defeito mecânico grave foi constatado.)

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No limiar da Primeira Crise do Petróleo o Maverick brasileiro foi colocado à venda – três modelos, dois deles com motor V8 de cinco litros; na foto, a versão Super, a única com seis cilindros.

Quando o VIII Salão do Automóvel abriu as portas, em novembro de 1972, a linha Ford 73 já fora apresentada. Com isto, toda a atenção do público visitante pode ser voltada para o próximo lançamento da marca: o Maverick. Havia alguns anos, desde o aparecimento do extremamente bem sucedido Chevrolet Opala, em 1969, que a Ford sentia necessidade de dispor de um carro médio competitivo que pudesse substituir seus dois representantes na categoria – os obsoletos Aero-Willys e Itamaraty. Voltou-se alternadamente a falar no Falcon, no alemão Taunus, no inglês Cortina e até no Pinto. Na disputa entre as escolas européia e norte-americana, venceu a visão da Matriz (afinal, não era a América Latina – e o Brasil, por extensão – área de influência dos EUA?) – uma perspectiva, como se verá a médio prazo, equivocada. A decisão pelo modelo foi oficialmente comunicada, em março de 72, ao General Presidente da República; na mesma oportunidade foram informados os planos de exportação da empresa, através do Programa Befiex, que previa o fornecimento de 200 mil motores por ano para os EUA, exigindo a construção de nova unidade fabril (peças estampadas, componentes e matrizes de estampagem já vinham sendo regularmente enviadas para EUA, Argentina e Alemanha).

Mais uma vez a Ford optou por um carro de arquitetura convencional: motor dianteiro sob imenso capô, tração traseira, suspensão independente à frente, eixo rígido e molas semi-elípticas atrás, freios a tambor nas quatro rodas. A versão lançada no Brasil foi a de 1969, primeira a ser fabricada nos EUA. Três protótipos foram exibidos no Salão: quatro portas, duas portas e GT. Em junho de 73 foram colocados no mercado os modelos com duas portas, o GT e o cupê, este nas versões Super e Super Luxo. O GT era equipado com motor V8, importado dos EUA (dizia-se ser o mesmo do Mustang), com 4.950 cm3 e 197 cv. O cupê trazia de série um seis cilindros de 3.016 cm3 e 112 cv, podendo receber o V8, opcionalmente (o motor de seis cilindros foi projetado a partir da antiga unidade utilizada pelo Willys Itamaraty, com válvulas de exaustão laterais, porém passou por grande quantidade de alterações: coletores, cabeçote, pontos de fixação, filtros, carter, peças móveis, sistemas de lubrificação e refrigeração – tudo foi mudado). Podia se escolher bancos individuais ou inteiriços. O GT já vinha com freios dianteiros a disco, pneus de tala larga e alavanca de mudanças no piso.

O PRIMEIRO MAVERICK (Cupê e GT): SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco cupê, duas portas, cinco lugares, bagageiro com 427 litros, 4,59 m de comprimento; motor dianteiro longitudinal refrigerado a água, com seis cilindros em linha, 3.016 cm3, 112 cv, ou V8, 4.950 cm3, 197 cv; um carburador de corpo simples descendente (GT: corpo duplo ascendente); tração traseira com caixa manual de quatro marchas sincronizadas; direção mecânica; suspensão dianteira independente com molas helicoidais e barras tensoras e eixo rígido com molas semi-elípticas na traseira; freios hidráulicos a tambor nas quatro rodas (GT: discos na frente).

A Ford não escondia suas intenções com o lançamento do Maverick: produzir pelo menos 30 mil unidades até o final de 1973, batendo de frente com o Opala, que no ano anterior vendera 72 mil carros.

O Maverick foi o primeiro carro Ford a abolir o quebra-vento, supressão não compensada pelo sistema de ventilação interna, que se mostrou insuficiente, conforme os primeiros testes efetuados pela imprensa especializada (cf. revista 4 Rodas, jul/73). Outros defeitos foram identificados: má visibilidade traseira, espaço exíguo no banco de trás, direção excessivamente reduzida (6½ voltas de batente a batente no cupê, 5½ no GT) e consumo excessivo no motor de seis cilindros. O GT, embora tivesse apresentado melhor desempenho do que o cupê, dispunha de um painel pobre em instrumentos – apenas um pequeno conta-giros, além dos básicos velocímetro e indicador do nível de combustível.

O Maverick Cupê Super 1973 foi o segundo carro da Ford a ser submetido ao teste de 30.000 km de 4 Rodas (jun/74); dessa vez, ao contrário do Corcel, o carro apresentou problemas mecânicos de toda ordem, um deles tão grave que causou o rompimento do bloco do motor de seis cilindros. Além das inúmeras falhas de montagem das peças móveis da carroceria e da ineficiente vedação contra água e poeira, ocorreram sérios defeitos na suspensão, direção, freios, embreagem e sistema elétrico (diferentemente do Corcel, que chegou até o Ceará no teste anterior de 4 Rodas, o Maverick circulou quase todo o tempo no interior do Estado de São Paulo, tendo sido sua maior viagem ao sul de Goiás). Meses depois, Emerson Fittipaldi, já bicampeão mundial de Fórmula I, testando dez automóveis nacionais para 4 Rodas (mar/75), desde o VW Brasília até o Dodge Charger R/T, considerou o o Maverick GT o pior de todos, dando-lhe nota mínima em freios e direção.

A Crise Mundial do Petróleo dá cheque nos beberrões Ford V8

Em outubro de 73 o Corcel alcançou 250.000 unidades fabricadas. No mês seguinte foi lançado o Maverick quatro-portas, havia um ano apresentado no Salão do Automóvel. Disponível nas versões de acabamento Super e Super Luxo, com motor de seis cilindros em linha e caixa de quatro marchas ou V8 e três marchas, o carro tinha 17 cm a mais na distância entre eixos com relação ao modelo cupê; ainda assim, seu porta-malas era menor (397 litros). O Maverick sedã vinha equipado com banco dianteiro inteiriço e alavanca de mudanças na coluna da direção; como opcionais, transmissão automática (no V8), direção hidráulica e ar condicionado. Ironicamente, o segundo modelo Maverick, acompanhado de seus motores “perdulários”, surgiu no mês seguinte à eclosão da Primeira Crise do Petróleo, episódio que mudaria para sempre a prática mundial com relação ao consumo de combustíveis. A Crise logo impactaria sobre as vendas da Ford, vindo a selar, a médio prazo, o destino do Galaxie, do Landau e do próprio Maverick, substituídos por veículos mais racionais ecológica e energeticamente.

Em junho de 1974 foi divulgada a linha Corcel 75. Os diversos modelos mais uma vez tiveram alteradas grade (a partir de agora de plástico injetado e não mais metálica), capô e lanternas traseiras, cujas lentes foram divididas horizontalmente em duas; também eram novos volante, painel de instrumentos com mostradores quadrados, calotas e limpadores do pára-brisa. A tampa do bagageiro da Belina teve o para-brisa ampliado e ganhou amortecedores a gás. Foi criada mais uma opção de acabamento para Belina e cupê: LDO (“tradução” do pretensioso Luxuosa Decoração Opcional), trazendo filetes pintados a meia altura das laterais, frisos cromados em torno dos arcos dos para-lamas, garras nos para-choques, teto de vinil (para o cupê) e diversos detalhes semelhantes; internamente, estofamento de duas cores – marrom e bege –, tapetes de buclê, painel pintado de marrom metálico e rádio, entre outros itens de conforto.

Em julho foi inaugurada em Taubaté (SP, antiga fundição da Willys) a nova fábrica de motores Ford, projetada para a produção de unidades de quatro cilindros em linha, para exportação. De concepção moderna, desenvolvido a partir de um projeto europeu, o novo motor era refrigerado a água e tinha 2.300 cm3, bloco de ferro fundido, cinco mancais, comando de válvulas no cabeçote acionado por correia dentada e tuchos hidráulicos (importados); desenvolvia 99 cv. No final daquele ano, 50 mil motores já haviam sido produzidos e exportados para Argentina, Canadá e Alemanha.

Pouco aconteceu de novo ao longo de 1975, além da troca de motores. No início do ano, foi preparada uma versão táxi para o Maverick de quatro portas; também passou a ser oferecida opção de alavanca de mudanças no piso para o sedã de seis cilindros. Em maio, seguindo a tendência irreversível de “dieselização” da frota brasileira de carga, a Ford lançou o caminhão leve F-4000, com motor MWM de quatro cilindros, 4.163 cm3 e 99 cv; simultaneamente, foi lançado o F-400, seu equivalente a gasolina (V8, 163 cv). Ambos tinham 4,03 m de distância entre eixos, 60 cm a mais do que o F-350, do qual derivavam e herdaram a cabine.

Buscando melhorar a posição do Maverick no mercado, que desde meados do ano anterior vinha despencando (de 3.500 unidades mensais, mal ultrapassou 900 em setembro, baixando para 663, em dezembro), a Ford tratou de relançá-lo, em junho, com motor de quatro cilindros e várias alterações mecânicas. Mesmo modelo fabricado para exportação em Taubaté (que naquele mesmo mês fabricara seu 100.000o motor), passou a ser o equipamento de série para todas as versões sedã e cupê (exceto o GT), as unidades com seis e oito cilindros permanecendo disponíveis como opcionais. Para sanar as muitas deficiências apresentadas pelo carro, a caixa de marchas foi reprojetada, a suspensão recalibrada e a embreagem e caixa de direção substituídas; freios a disco deixaram de ser item opcional. Os bancos foram mudados, de modo a aumentar o espaço traseiro, e a alavanca de mudanças desceu para um console central, sobre o piso.

O resultado foi elogiado: melhor desempenho, maior estabilidade, menor consumo e mais conforto. Externamente, nada mudou. Entretanto, foi pela primeira vez oferecido um pacote de opcionais ao qual a empresa chamou conjunto de decoração: filetes coloridos nas laterais ou pintura de duas cores (“saia-e-blusa”), calotas e retrovisores na cor do carro, bancos de duas cores e pneus largos. A apresentação do Maverick de quatro cilindros foi seguida de ampla campanha de propaganda, realçando o desempenho esportivo do modelo (vencedor de diversas competições na categoria – mas sempre com motores V8) e sua participação em raids e provas de resistência. O novo motor conseguiu dinamizar as vendas do modelo, que quase triplicaram entre os cinco primeiros meses do ano (4.499 unidades) e os cinco seguintes ao lançamento (12.113 veículos).

A Ford começa a se render ao diesel e aos motores de quatro cilindros

Os únicos carros da Ford a merecerem mudanças para 1976 foram os top de linha. O estilo da frente e traseira foram bastante alterados e sua nomenclatura mudada – LTD e Landau se tornaram modelos independentes. Novas grades, com quatro faróis montados horizontalmente e luzes de sinalização nas extremidades, seis lanternas traseiras alinhadas em grupos de três e eliminação das garras do para-choque dianteiro (que teve a placa de matrícula deslocada para a direita) foram as transformações mais visíveis; capô, para-lamas e para-choque dianteiro tiveram que ser refeitos para alojar as mudanças. Também o painel de instrumentos foi redesenhado e acolchoado, embora mantendo suas linhas básicas. O Landau foi apresentado na cor prata (inclusive a capota de vinil), utilizando materiais especialmente sofisticados no acabamento interno. Sua grade, de elementos verticais e assemelhada à do modelo 73, era a mesma do LTD; apenas o Landau, porém, manteve o para-brisa traseiro de tamanho reduzido. A única (e importante) alteração mecânica foi a adoção, para os três modelos, do motor V8 de 4.950 cm3 e 197 cv utilizado no Maverick GT.

Em setembro, o motor de quatro cilindros e 99 cv chegou à picape F-100. Tratava-se de uma questão de sobrevivência, pois com a Crise do Petróleo e os constantes aumentos de preço da gasolina a picape Ford (e seu V8 gastador) passou por drástica redução nas vendas – quase 80% a menos do que no ano anterior. A capacidade de carga foi aumentada para 660 kg e, além do novo motor, diversas outras modificações foram introduzidas: caixa de quatro marchas sincronizadas, bitola traseira mais larga, suspensão recalibrada, tanque de combustível deslocado da cabine para a parte inferior da caçamba (onde ficava o estepe, por sua vez transferido para a lateral da caçamba), nova relação do diferencial, alavanca de mudanças no piso, painel com pintura antireflexo e sistema de ventilação melhorado. O V8 e a caixa de três marchas permaneceram como opcionais.

Foi discreta a presença da Ford no X Salão do Automóvel, onde montou um stand 60% menor do que dois anos antes. Não foi mostrada a linha de caminhões e picapes, tampouco novidades na linha Corcel (que, em junho, alcançara a 500.000ª unidade produzida, primeiro automóvel brasileiro a atingir a marca depois do imbatível Fusca). O Maverick, em plena campanha de ressurreição, foi o único a receber atenção da Ford, que para ele preparou a primeira (discreta) reestilização desde seu lançamento: nova grade dianteira com motivos retangulares verticais, lanternas traseiras maiores e bancos anatômicos reclináveis com encosto alto e regulagem micrométrica. Para melhorar a estabilidade e aumentar a largura do banco de trás, a bitola traseira foi alargada em 3,6 cm. Duas novas versões foram lançadas: GT 4 cilindros (trazendo duas entradas de ar no capô e faixas laterais pretas com traçado diferente) e LDO, a mais luxuosa da linha. Esta podia ter pintura de duas cores, meio teto de vinil (preto, branco ou marrom), frisos cromados nas laterais e grande quantidade de acessórios: alças de apoio no teto e colunas, vidros verdes, retrovisor com controle remoto e  interior nas cores marrom ou bege (incluindo revestimentos, painel, volante e cintos de segurança).

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Com a Crise Mundial do Petróleo a Ford se decidiu de vez pela motorização diesel; diversos modelos foram lançados em 1977, entre os quais o F-8500, seu maior caminhão até então.

À margem do Salão, antes de terminar o ano, a Ford lançou mais um caminhão diesel, o F-7000. Dispondo da mesma capacidade e iguais elementos mecânicos do F-600 Diesel, o F-7000 vinha, porém, equipado com um motor diesel diferente, o novo dois tempos Detroit (quatro cilindros em linha, injeção direta e 145 cv), cuja produção havia sido iniciada pouco antes no Brasil. Novos modelos foram lançados em 1977: em fevereiro, FT-7000, com 3º eixo de fábrica (fabricado pela Hendrickson, porém montado pela Ford); e em julho, mais dois semipesados (F-8000 e FT-8000) e o primeiro pesado da marca, o cavalo-mecânico F-8500, para 30,5 t, os três últimos com motor Detroit de seis cilindros em V e 202 cv, filtro de ar montado externamente sobre o para-lama direito, freios pneumáticos, freio de estacionamento com trava de mola, embreagem dupla e direção hidráulica opcional. Todos eles dividiam a mesma cabine, oriunda dos caminhões médios. Também estava previsto um cavalo-mecânico com 3º eixo (FT-8500), que acabou por não ser lançado.

(Em que pese a necessidade imperiosa da Ford ampliar sua gama de caminhões, tentando conquistar uma fatia do crescente mercado de semipesados e pesados, estes cinco lançamentos viriam a ser, em muito pouco tempo, um péssimo negócio para a empresa: além de alguns problemas crônicos apresentados pelos novos motores, ou por causa deles, a Detroit – uma subsidiária da General Motors – não encontrou mercado suficiente para o seu produto, nem mesmo junto à coirmã Chevrolet. Assim, apenas dois anos depois dos primeiros fornecimentos, a empresa decidiu encerrar a produção, provocando a ira de muitos dos nove mil compradores de veículos Ford e de 28 mil Chevrolet equipados com motor Detroit. Tanto Ford como GM foram acionadas judicialmente pelos órgãos de classe dos empresários de transporte.)

1977 foi um ano de crise para a indústria automobilística brasileira. Na Ford, a retração do mercado levou à demissão de mais de 1.300 empregados, férias coletivas de 15 dias para escoar os estoques e proposta (negada pela DRT) de redução da semana de trabalho para quatro dias, com corte de salário. Mas foi em 77, também, que a Ford comemorou, apesar dos percalços na carreira, a fabricação do 100.000º Maverick. E, apesar da recessão, 1977 foi sobretudo o ano do lançamento daquele que seria mais um grande hit da marca: o Corcel II.

A família Corcel II

O substituto do Corcel já vinha sendo desenvolvido havia alguns anos e imagens pouco nítidas das suas formas já haviam sido, por algumas vezes, veiculadas pela imprensa. O resultado real, no entanto, foi mais impactante do que as fotografias desfocadas do carro deixavam transparecer. Projetado no Brasil, ganhou linhas inspiradas no Taunus, Cortina e Granada, carros médios da Ford alemã e britânica, sensação acentuada pelo perfil, vincos laterais, grade e lanternas traseiras adotados pelo novo automóvel brasileiro. Se o visual do carro era contemporâneo e (desde o primeiro Corcel) era atualizada sua concepção mecânica, igualmente moderno era o projeto de sua carroceria. Apesar de ter o mesmo comprimento do Corcel anterior (a rigor, menos 3 mm) e apenas 3,8 cm a mais na largura e 2,3 a menos na altura, não só aparentava ser mais largo e maior, como, de fato, era muito mais espaçoso internamente; o Corcel II aproximava-se, assim, da tendência mundial (mas não norte-americana) do “carro pequeno por fora e grande por dentro” – em oposição ao Maverick, por exemplo –, que em pouco tempo também seria a norma no Brasil.

O Corcel II foi lançado em novembro de 1977, em apenas dois modelos, cupê e Belina, tendo sido a princípio descartado o sedã quatro portas. Eram quatro as versões de acabamento: básica, L, LDO e GT, esta somente aplicável ao cupê. A mecânica permaneceu inalterada, na essência, mas recebeu ajustes e atualizações (alguns itens oferecidos como opcional): coletor de admissão que permite pré-aquecimento da mistura (proporcionando economia de combustível e redução das emissões), embreagem reforçada, novos coxins de apoio do motor, suspensão redimensionada, juntas homocinéticas de lubrificação permanente, coluna de direção retrátil, freios a disco na dianteira com circuitos independentes, ventilador do radiador com embreagem magnética, chapa protetora do cárter e pneus radiais.

A carroceria trouxe diversas inovações: portas 27 cm mais largas, melhor isolamento termo-acústico, circuito interno no painel, eficiente sistema de renovação de ar da cabine e para-brisa laminado (o primeiro do país). Os bancos dianteiros individuais tinham encostos reclináveis com regulagem contínua e trava e o freio de mão, antes sob o painel, passou para a posição tradicional, entre os assentos. Dois itens de projeto significaram retrocesso diante do modelo antigo: as janelas traseiras do cupê e GT, antes de abertura completa, por manivela, passaram a ter basculamento opcional (de série somente no LDO); e o termômetro de temperatura da água foi substituído por luz de advertência. Com o novo modelo o Corcel seria eleito em 1979, pela terceira vez, Carro do Ano pela revista Autoesporte.

O PRIMEIRO CORCEL II (Cupê e Belina): SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco três volumes, duas portas (Belina: dois volumes, três portas), cinco lugares, bagageiro com 388 litros (Belina: 923 l, 1.796 l com banco rebatido), 4,47 m de comprimento; motor dianteiro longitudinal refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 1.372 cm3, 72 cv; um carburador de corpo simples descendente; tração dianteira com caixa manual de quatro marchas sincronizadas; direção mecânica; suspensão dianteira independente com braços triangulares inferiores, simples superiores e braços tensores e eixo rígido oscilante na traseira, com fixação central e braços longitudinais, molas helicoidais nos dois eixos; freios hidráulicos a disco nas rodas dianteiras e a tambor na traseira.

No seu primeiro teste comparativo em 4 Rodas (nov/77), o Corcel II venceu, por pouco, o moderno VW Passat e o Dodge Polara, destacando-se nos itens ConsumoTransmissão e Câmbio e Porta-Malas. O mesmo já não aconteceu na reportagem seguinte (abr/78), quando foram comparados Chevette GP, Corcel II GT e Passat TS; dessa vez, o carro da VW distanciou-se do Ford, evidenciando a sempre criticada falsa “esportividade” do Corcel GT. A nova Belina e o cupê standard passaram pelo teste de 30.000 km de 4 Rodas (set e out/78) sem ocorrências graves, porém com defeitos recorrentes, a denotar deficiência no controle de qualidade e mau atendimento da rede de oficinas autorizadas; a registrar, cano de descarga solto na conexão com o coletor do motor, dificuldades na embreagem e no encaixe das marchas, panes elétricas e (na Belina, já aos 1.286 km) aparecimento de ponto de ferrugem.

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Corcel II: lançada no final de 1977, também a nova família encontrou enorme sucesso.

Ao longo de 1978 apenas a linha Galaxie passou por pequenas modificações: pneus radiais, ventilador do radiador mais eficiente, aumento da área dos freios, para-brisa laminado, cintos de segurança retráteis, limpabrisa intermitente, retoques no acabamento interno e melhoria do já reduzidíssimo nível de ruído interno. Em outubro, às vésperas da abertura do XI Salão do Automóvel, a Ford inaugurou moderno campo de provas, construído em terreno adquirido nove anos antes em Tatuí (SP).

Para o Salão, inesperadamente, a Ford preparou algumas importantes intervenções no recém-lançado Corcel II (que em apenas um ano já vendera 100.000 unidades), a principal delas a oferta, como opcional, de um motor mais potente, o 1.6 (1.555 cm3), com carburador de duplo corpo e 90 cv (se tratava de equipamento novo e não simples aumento de cilindrada do motor antigo). Além disto, disco de embreagem com maior diâmetro, ignição transistorizada, coletor de admissão de alumínio aquecido, fortalecimento do sistema de refrigeração do motor, coletor de escape duplo, motor de arranque mais leve (com carcaça de alumínio). Mesmo a carroceria teve mudanças: spoiler dianteiro, lentes incolores nas lanternas dianteiras e com superfície ondulada nas traseiras, lavador de farol e (para Belina) lavador e limpador do vidro traseiro. A Ford aproveitou a ocasião para estender alguns itens ao restante da linha: vidro laminado no Maverick, ignição transistorizada neste, na picape F-100 e no Galaxie, e ventilador com embreagem nos dois primeiros. Galaxie 500, LTD e Landau mudaram em detalhes: pneus mais largos, lentes das lanternas dianteiras translúcidas, borrachões nas laterais, molduras das portas e superfície entre as lanternas traseiras em preto fosco; no Galaxie, também a grade se tornou totalmente preta (mantendo o desenho original), enquanto que no LTD e Landau suas barras verticais alternavam preto e cromado.

Logo no início de 1979 o Corcel II GT ganhou caixa de cinco marchas (com overdrive), suspensão mais rígida e decoração externa mais discreta (foram eliminados o capô preto e os filetes tricolores que circundavam o carro; em compensação, totalmente pretos ficaram os para-choques e a porção inferior da carroceria). As mudanças mecânicas melhoraram estabilidade e consumo, mas não alteraram o desempenho. De série no GT, a 5ª marcha foi oferecida como opcional para os demais modelos. A aplicação do novo câmbio se mostrou acertado, como comprovaram novos testes comparativos de 4 Rodas (jun/97, jul/97 e fev/80, por exemplo), onde o Corcel II voltou a ganhar a dianteira sobre seu maior rival, o VW Passat, com destaque na economia de combustível. No mesmo ano foi lançada a versão diesel da picape F-100, para uma tonelada, classificada F-1000, modelo já mostrado no XI Salão. Vinha equipada com motor MWM de quatro cilindros em linha, 3.922 cm3, injeção direta e 86 cv de potência; era grande a oferta de opcionais, desde para-choques off-road até santantônio e vidros verdes.

Os primeiros automóveis V8 saem de linha; chega o motor a àlcool

1979 também foi o ano de encerramento da produção do Maverick, um dos últimos grandes equívocos da indústria automobilística brasileira, simbolicamente a pá-de-cal nas tentativas de trazer para o país o padrão norte-americano de automóvel, da qual a Ford foi a mais persistente defensora. O último Maverick saiu da linha de montagem em abril, seis anos e meio após o lançamento e com pouco mais de 108 mil unidades produzidas.

As novidades para 1980 começaram pela linha de carros de luxo, agora reduzida ao LTD e Landau (o Galaxie 500 acabava de sair de linha), mudando para amarelo a cor das lanternas dianteiras e recebendo luzes de advertência vermelhas nas laterais dos para-lamas traseiros. O Corcel II, que voltou a dispor de termômetro de água e ganhou retrovisor externo com controle remoto, retrovisor interno montado no para-brisa (o primeiro no país), cintos de segurança de três pontos e (imitando a concorrência) novos para-choques parcialmente metálicos com frágeis complementos plásticos nas extremidades. O GT foi equipado com voltímetro e recebeu um friso vermelho delimitando a pintura preta do rodapé da carroceria. Foi ainda lançado o Hobby, versão “jovem” do cupê standard, com motor 1.6 e caixa de 5 marchas (opcionalmente 1.4 e 4 marchas), com a suspensão mais rígida do GT, estofamento e revestimento interno em padrão tweed preto e branco, quadro de alumínio em torno dos instrumentos e carroceria sem cromados (metal aparente, apenas, em torno da grade e nos aros das rodas). Mais adiante foi oferecido mais um opcional para a linha Corcel (exceto Belina): teto solar de vidro fumê, fornecido pela Karmann-Ghia.

Também foi em 1980 que, atendendo ao Proálcool, Programa de incentivo à produção de combustíveis alternativos instituído em 1975 pelo Governo Federal, a Ford lançou motores a álcool para suas linhas Corcel, LTD e Landau. Fruto de três anos de pesquisas e testes, carros e motores receberam grande quantidade de modificações, de modo a se adaptarem ao maior poder calorífico e à ação corrosiva do novo combustível. Três unidades foram retrabalhadas: 1.4, 1.6 e V8. Homologados pela STI em janeiro daquele ano, tiveram aumentada a taxa de compressão para 12:1 (enquanto a concorrência se limitava a 9,5 ou 10:1) e ganharam novo coletor de admissão aquecido e sistema automático de partida (primeiro no país). Carburador, tanque e bomba de combustível receberam tratamento anti-corrosivo por banho de níquel, estanho, cromo ou cádmio; a tubulação do sistema de alimentação foi substituída por cobre e nailon e triplicada a capacidade de filtragem do ainda pouco confiável combustível. Os motores a álcool da Ford foram reputados pela imprensa especializada como os melhores e mais resistentes à corrosão dentre os disponíveis no mercado. Tal impressão seria confirmada pelo teste de 30.000 km da Belina, efetuado dois anos depois por 4 Rodas (fev/82), no qual motor e sistema de alimentação foram totalmente desmontados e analisados pelo IPT sem apresentar qualquer problema digno de nota; segundo a revista, “o motor a álcool da linha Corcel/Del Rey apresenta características construtivas e de escolha de materiais que o tornam bem superior ao motor a álcool das linhas Fiat e Passat [os dois carros anteriormente testados pela revista]”.

A partir de junho a Ford se dedicou ao segmento comercial, lançando o caminhão leve F-2000, com capacidade de carga de 2 t e a mesma mecânica da F-1000: motor MWM de 3,9 l, 83 cv, quatro marchas sincronizadas, freios a disco na frente, suspensão dianteira Twin-I-Beam e eixo traseiro com rodado simples; a suspensão traseira, naturalmente, foi reforçada. Logo a seguir, tentando suplantar o trauma criado pela Detroit, alterou a nomenclatura dos caminhões, apresentando seus substitutos: os médios F-11000, 12000 e 13000 (6,5 a 9 t de capacidade líquida) e os semipesados F-19000 e F-21000, com 3º eixo (tipos tandem ou balancim) e 13 e 15 t de capacidade de carga. Equipados com motor MWM de seis cilindros (com opção de Perkins, para os médios), traziam caixa de cinco marchas (1ª não sincronizada) com redução de acionamento elétrico ou pneumático no diferencial e freios pneumáticos (hidráulico a vácuo, no F-11000). Todos tiveram a suspensão revista e ganharam sistema elétrico de 12 V e tanque de combustível cilíndrico de maior capacidade; direção hidráulica e rodas raiadas podiam ser instaladas, como opcional, em alguns modelos.

Foram mínimas as alterações introduzidas nas linhas de automóveis para 1981. Suspensão e freios do LTD e Landau foram mais uma vez reforçados; as barras verticais da grade foram alongadas para baixo, surgindo por trás da abertura existente no para-choque. Ambos receberam cintos de segurança de três pontos retráteis para o banco da frente e luzes de ré integradas ao conjunto de lanternas traseiras; a superfície entre as lanternas voltou a ser de alumínio natural, sem pintura. Quanto ao Corcel II, as mudanças foram ainda menores: apenas um filete prateado em torno do conjunto ótico dianteiro. A linha Corcel, por sinal, passava então por momentos radiosos: terminou o ano alcançando seu 1º milhão de unidades produzidas; consegui ser, em fevereiro de 1981, líder de vendas no país, acima dos sempre bestsellers da Volkswagem; foi o carro a álcool mais vendido do Brasil no segundo semestre, da mesma forma como a Belina havia sido, ao longo de 1980, na categoria dos veículos de uso misto.

Del Rey, um carro médio de luxo

A crise econômica que chegou ao país em 1980 levou ao adiamento do Salão do Automóvel, que só seria realizado em novembro do ano seguinte. 1981, entretanto, não transcorreria sem pelo menos uma grande novidade, em maio: o lançamento do Del Rey. Anunciado pela Ford havia mais de um ano, como Projeto Ômega, utilizava a plataforma do Corcel II e pretendia ocupar a mesma faixa de mercado do Chevrolet Opala, desguarnecida pela Ford desde o desaparecimento do Maverick. O carro foi lançado em dois modelos (duas e quatro portas), duas versões de acabamento (standard e luxo, chamada Ouro) e motores a álcool ou gasolina. Com o sedã de quatro portas, em particular, a Ford ainda esperava simultaneamnete atender ao eventual comprador brasileiro que não mais dispunha de modelo quatro-portas na linha Corcel II e dispor em seu portfólio de um veículo atrativo para o mercado externo que, ao contrário do nacional, sempre preferiu sedãs aos carros de duas portas.

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Sem um automóvel na categoria média-superior desde o desaparecimento do Maverick, em 1981 a Ford apresentou o sedã Del Rey e, em 1983, sua caminhonete Scala, ambos tomando o Corcel como base.

O Del Rey foi concebido, externa e internamente, para satisfazer as expectativas do comprador de perfil conservador e maior poder aquisitivo. Assim, ganhou linhas clássicas e elegantes, ainda que um pouco carregadas nos cromados, em especial na dianteira; tal conceito foi também levado para a decoração interior, que recebeu materiais sofisticados e muitos acessórios, porém em tons e cores excessivamente “discretos”. O carro veio carregado de itens de conforto e segurança, vários inéditos no país: rodas de liga de alumínio; lanternas traseiras tricolores (em vermelho, âmbar e branco, conforme normas internacionais que só em 1984 seriam obrigatórias no país); repetidores de pisca-pisca sobre os para-lamas; vidros verdes degradê; travas elétricas com comando centralizado; vidros elétricos; retrovisores laterais com regulagem interna; luzes de leitura e travas de segurança no banco traseiro; desembaçador do vidro traseiro; ar condicionado com ar quente e frio e quatro saídas; apoio para a cabeça nos bancos dianteiros; cintos retráteis e inerciais de três pontos; rádio-toca-fitas com quatro altofalantes; console no teto com relógio digital e luzes de leitura; teto solar; porta-malas acarpetado. O painel de instrumentos era um dos mais completos e bem desenhados do mercado, com seis mostradores e oito luzes de advertência (na versão Ouro), inclusive com alerta para portas mal fechadas; as teclas de comando eram iluminadas. Permaneceram com abertura basculante as janelas traseiras do modelo de duas portas.

Embora o projeto do Del Rey tenha tomado por base a plataforma do Corcel II, sua carroceria era quase que totalmente nova (aproveitados do Corcel, apenas as portas – para o modelo de duas portas – e os para-lamas e para-brisa dianteiros). As mudanças mecânicas foram em menor escala: troca dos sincronizadores e comando do câmbio (para engates mais precisos), nova geometria e reajuste da suspensão (que ganhou em firmeza), pastilhas de freio mais duráveis, hidrovácuo de maior diâmetro e uso mais extensivo de circuitos impressos no sistema elétrico.

O PRIMEIRO DEL REY (sedã e cupê): SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco três volumes, quatro portas (cupê: duas portas), cinco lugares, bagageiro com 343 litros, 4,50 m de comprimento; motor dianteiro longitudinal refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 1.555 cm3, 69 cv; um carburador de corpo simples descendente; tração dianteira com caixa manual de cinco marchas sincronizadas; direção mecânica; suspensão dianteira independente e traseira com eixo rígido, braços triangulares inferiores, simples superiores, braços tensores e molas helicoidais; freios hidráulicos assistidos, a disco nas rodas dianteiras e a tambor na traseira.

1981 – ano em que a indústria automobilística brasileira comemorava seu 25º aniversário – se iniciou com o país mergulhado em crise econômica, agravada pela política federal de restrição de crédito. Na indústria de veículos, a retração se abateu com mais força sobre o segmento de carros menores e mais baratos, garantindo posição privilegiada para a Ford, que concentrava sua produção na faixa médio-superior, que acabava de ser reforçada com o lançamento do Del Rey. Ainda assim, o LTD foi retirado de linha, a empresa acumulou estoques, demitiu quase 1.600 empregados e enfrentou greves parcialmente vitoriosas para os trabalhadores (importante conquista foi o direito de formação de uma comissão de fábrica – a primeira constituída no país – composta por 20 representantes escolhidos por eleição direta).

Enquanto isto, a Ford atacava em diversas outras frentes. Assim, além da bem sucedida operação da Ford Tratores e dos planos de produção do seu primeiro carro mundial no Brasil, estudava a fabricação de motores diesel (pois se queixava do “abastecimento insuficiente” da MWM e Perkins) e começava a produzir autopeças em sua fábrica de Jaboatão (mais uma polêmica, desta vez com o Sindipeças, que apontava ilegalidade na verticalização da Ford), chegando mesmo a discutir, com a Suzuki, a possibilidade de produção de motocicletas no país (projeto suspenso com a compra, pela General Motors, de parte do capital do fabricante japonês). Também passou a dedicar maiores esforços à exportação: realizou suas primeiras vendas sob regime CKD, para a Venezuela, assinando com o governo brasileiro, no ano seguinte, o maior contrato Befiex até então firmado com o setor automotivo (exportando até então apenas veículos completos, eram insignificantes os números da Ford: 1.211 unidades vendidas para o exterior, em 1978, contra 64 mil da Volkswagen, 8.680 da GM e 7.131 da novata Fiat).

Novidades nos dois extremos da gama de carga: picape leve Pampa e caminhão pesado F-22000

O XII Salão do Automóvel não trouxe maiores surpresas, apenas algumas alterações de pequena monta na linha Corcel e a antecipação de três veículos com lançamento previsto para 1982, o mais original deles a picape Pampa – neste caso replicando a Fiat, que dois anos antes abriu com seu modelo a senda para os pequenos utilitários derivados de automóveis de passageiros. Utilizando a plataforma do Corcel II, alongada em 13 cm (passando a 2,56 m de entre-eixos), a nova picape teve a suspensão dianteira reforçada e a traseira substituída por eixo rígido e molas semielípticas longitudinais, conferindo-lhe 600 kg de capacidade de carga. Dispunha de freios traseiros com válvula equalizadora antitravamento, filtro de ar para serviços pesados, tanque de combustível instalado entre eixos, cinto de três pontos e o mesmo eficiente sistema de ventilação interna do Corcel, com saída do ar viciado pelas colunas traseiras. A embreagem foi reforçada com um disco de maior diâmetro e a primeira marcha recebeu relação mais reduzida. A segunda novidade do Salão foi o micro-ônibus FB-4000, desenvolvido com a Marcopolo a partir do chassi do caminhão leve F-4000, com motor diesel MWM de 85 cv; oferecido nas versões Executivo, Turismo, Escolar e Urbano (de 16 a 28 lugares), podia ser equipado com som estéreo e ar condicionado. O terceiro veículo mostrado no Salão foi o caminhão pesado F-22000, um 6×4 com terceiro eixo trator acoplável a partir da cabine, fornecido pela Dacunha, e capacidade de tração de 22 t.

O Corcel II, por sua vez, ganhou o mesmo tratamento de câmbio e suspensão dado ao Del Rey, assim como os mesmos cintos de segurança, sistema de ar condicionado e relógio digital. Eram novos o painel de instrumentos, console, alavanca de mudanças e os apoios vazados para a cabeça nos assentos dianteiros. Na Belina foi instalado puxador na tampa traseira, acoplado à chave; GT e Hobby receberam rodas esportivas (em compensação, este perdeu o padrão exclusivo do estofamento). A linha de caminhões permaneceu inalterada, mas por fim ganhou a opção de banco individual para o motorista. Junto com a linha 1982, a Ford introduziu a garantia de 24 meses ou 40 mil quilômetros para Corcel II e Del Rey, benefício fornecido mediante pagamento adicional.

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F-22000, 6×4 apresentado no XII Salão do Automóvel, mais um modelo pesado agregado à linha de caminhões Ford.

A picape Pampa foi lançada em abril, com motor 1.6 (álcool e gasolina), quatro ou cinco marchas, duas versões de acabamento (básica e L) e opção de ar condicionado. A Pampa foi acompanhada de mais um modelo utilitário, o Corcel II Van – apenas uma Belina sem alterações mecânicas, com as janelas traseiras vedadas, separação entre os bancos dianteiros e o compartimento de carga e 440 kg (ou 1.620 litros) de capacidade. Ainda no segmento de veículos comerciais, os caminhões leves F-2000 e 4000 receberam em julho mais uma alternativa de motor, um diesel, de fabricação própria, derivado das unidades utilizadas pelos seus tratores, com quatro cilindros em linha, injeção direta, 4,4 litros e 90 cv; com ele, também chegou nova caixa sincronizada com cinco velocidades para o F-4000.

O ano terminou com a liderança da Ford em vários segmentos do mercado: carros a álcool, automóveis médios (Corcel), picapes leves (Pampa) e picapes a diesel (F-1000 e F-2000).

Para 1983 foram mínimas as mudanças na linha: novo console central e apoios de cabeça acolchoados no Corcel II; para o Del Rey, transmissão automática opcional (importada da França) e novos bancos, aumentando o espaço interno; e para os utilitários Jeep, F-75 (ex-Willys) e F-100, oferta do motor 2.3 a álcool, com ignição eletrônica e 84 cv (conversão daquele mesmo equipamento fabricado em Taubaté, para exportação, e utilizado no Maverick a partir de 1975). Naquele momento também foi dado arranque à nova unidade de tratamento anti-corrosivo e pintura de São Bernardo do Campo, solucionando de vez um problema crítico, que chegara a atingir, no limite, condenação judicial obrigando à Ford indenizar um comprador que tivera seu carro precocemente destruído pela ferrugem.

Um contraponto: em janeiro, após exatas 77.647 unidades fabricadas em 16 anos, foi definitivamente encerrada a produção do Landau – último automóvel de concepção norte-americana produzido no Brasil. Carro de concepção ultrapassada e consumo extremamente elevado (seu custo de operação era seis vezes maior do que as despesas de alimentação básica de uma família média da época), o Landau vinha recebendo notas cada vez mais desfavoráveis nos testes efetuados pela imprensa especializada, constatação materializada na queda vertiginosa das vendas: do pico de 1.500 unidades mensais, em 1973 (antes da primeira Crise do Petróleo), passou para a média de menos de 100 carros/mês no segundo semestre de 1982.

Escort – o “carro mundial” da Ford

Ao contrário do que poderia indicar este início de ano pouco alvissareiro, 1983 foi rico de novidades, começando em abril pelo anúncio da preparação de uma gama de caminhões totalmente nova (o modelo europeu Cargo), a ser lançada em dois ou três anos; seriam veículos de 11 a 20 t, com cabine avançada e motores diesel MWM ou Ford, em grande parte voltados para o mercado externo. Em maio foi efetuado o primeiro lançamento do ano, a caminhonete Scala – que se resumia a Belina com frente, acabamentos e acessórios do Del Rey, bagageiro no teto, tampa sobre o compartimento de bagagem e grandes lanternas traseiras, avançando pela tampa do porta-malas. O segundo lançamento de 83 – e um dos mais importantes da história da empresa – aconteceu no final de julho: o médio-pequeno Escort.

Primeiro carro mundial da Ford, o Escort foi apresentado em 1980, no Salão de Paris, e simultaneamente fabricado nos EUA, Alemanha, Grã-Bretanha e Espanha, com fornecedores de oito países, dentre eles o Brasil. Desde o início a Ford cogitou produzi-lo em nosso país – sob condições, porém: como lembrou o presidente da empresa, na ocasião, “com o atual índice mínimo de nacionalização exigido pelas leis brasileiras (…) seria impossível produzir, aqui, nosso carro mundial”. A partir daí teve lugar longa queda-de-braço com o Governo Federal pela mudança dos limites de nacionalização vigentes – 85%, contra os 50% pleiteados pela Ford. Mais adiante, Henry Ford II, dirigente mundial da empresa, reforçou: “com algumas modificações de ordem governamental, na legislação brasileira, acho que o Brasil poderia ter o carro mundial”. No início de 1981, em visita ao país, tendo recebido resposta negativa do Governo Federal, declarou “adiado” o projeto.

Jogo de cena, apenas. Já eram há muito conhecidos os planos de sua arquirival GM introduzir um carro mundial no Brasil, e a Ford não podia ficar atrás. Assim, já em maio de 1981 começou a adquirir equipamentos para a linha de montagem do Escort. Em abril de 1982, com o lançamento do Chevrolet Monza – o carro mundial brasileiro da GM –, a Ford não teve mais como esconder seus planos (jamais adiados) e, ainda que tenham se mantido inalterados os índices de nacionalização legais, anunciou a chegada do novo carro no ano seguinte.

Para receber o Escort, além da natural ampliação das instalações industriais de São Bernardo do Campo, a Ford procedeu a amplo projeto de modernização fabril e gerencial. Faziam parte do processo: universalização do uso de computadores na área industrial, com terminais em cada seção da linha de montagem; elevação dos índices de automação, em especial nos serviços de estampagem, solda e pintura; ampliação dos controles eletrônicos no setor de usinagem; sistema de informática conectado com os centros de desenvolvimento da empresa nos EUA e Europa; e redução dos níveis de estoque de peças e materiais, neste caso transferindo para os fornecedores diversas atribuições até então de responsabilidade da montadora. As palavras de ordem eram “reduzir custos“, baixar pela metade o tempo de fabricação e alcançar padrões japoneses – que, de repente, se tornaram o paradigma internacional. Tantas preocupações com custo e qualidade (que, em paralelo, elevaram a capacidade de produção de 160 para 220 mil carros/ano) se prendiam a um aspecto muito concreto: a intenção de tornar o Brasil um dos quatro pólos mundiais de fornecimento do Escort, com metas de exportação entre 30 e 35% da produção (a decisão pelo Brasil se deu, explicitamente, em função do reduzido custo da mão-de-obra do operário nacional frente ao do Japão, país onde antes se cogitara instalar a nova fábrica – 4, versus 12 dólares/hora).

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Carro mais vendido no mundo na primeira metade da década de 80, o Escort foi aqui lançado em 1983.

O projeto efetivamente moderno do Escort, que trazia o que de mais atualizado a Europa dispunha em tecnologia automobilística na categoria, tornou-o o carro mais vendido no mundo, com 2,2 milhões de unidades em menos de três anos. Carroceria monobloco de três ou cinco portas com reduzido índice de arrasto aerodinâmico (Cx 0,386; segundo a Ford, o menor do mercado), suspensão independente nas quatro rodas e freios assistidos com duplo circuito em diagonal, a disco ventilados na frente, caracterizavam-no – ao lado do Monza – como um dos dois automóveis tecnologicamente mais atualizados do país. Ao contrário do que pretendia a Ford, o único componente importado era a transmissão. No carro, apenas o novo motor transversal, denominado CHT (de Compound High Turbulence), era substancialmente diferente do modelo europeu: simples porém eficiente e econômico, foi projetado no Brasil a partir do quatro-cilindros do Corcel II, com bloco de ferro fundido, cabeçote de alumínio, antiquado comando de válvulas na lateral, cabeça dos pistões escavada e coletores com novo desenho. Seguindo a tendência internacional, o Escort foi projetado prevendo maior intervalo entre as revisões e trocas de óleo. Também o prazo de garantia contra ferrugem foi ampliado para três anos (seis, nas exportações), o maior entre os automóveis nacionais.

Sob o ponto de vista de segurança o Escort trazia todos os itens usualmente encontrados na produção mundial: carroceria deformável, direção retrátil, vidros laminados, cintos de três pontos inerciais, pneus radiais. Também internamente o Escort era racional e bem concebido e, apesar de meio metro mais curto, tinha mais espaço interno do que Corcel e Del Rey. Trazia painel com vãos porta-objetos, instrumentação completa com checagem eletrônica de diversas funções mecânicas, bloqueio elétrico das portas e tampa do porta-malas, bancos individuais reclináveis com apoio regulável para a cabeça e bancos traseiros rebatíveis, mais do que quadruplicando o espaço para bagagem. O novo carro podia ser fornecido em grande quantidade de versões, oferta facilitada pela farta disponibilidade de motores (1.3 E-Max, 1.6 “básico” e 1.6 HP, a álcool ou gasolina, com quatro ou cinco marchas) e acabamentos (básico, L, GL, Ghia e XR3). Dentre os opcionais, ar condicionado e teto solar. Lançado com 92% de nacionalização (a transmissão era importada da França), o Escort foi escolhido Carro do Ano 1984 pelo júri da revista Autoesporte.

O PRIMEIRO ESCORT (três e cinco portas): SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco hatchback, três ou cinco portas, cinco lugares, bagageiro com 305 litros (1.348 com banco rebaixado), 3,97 m de comprimento; motor dianteiro transversal refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 1.341 ou 1.555 cm3, 62 e 68 cv (álcool; versão HP: 82 cv); um carburador de duplo corpo descendente; tração dianteira com caixa manual de quatro ou cinco marchas sincronizadas; direção mecânica; suspensão independente nas quatro rodas, dianteira McPherson e traseira com braços triangulares transversais, barras tensoras longitudinais e molas helicoidais; freios hidráulicos assistidos, a disco nas rodas dianteiras e a tambor na traseira.

Desde os primeiros testes da imprensa especializada foram muitos os elogios ao Escort, com ênfase na ótima estabilidade e economia, apesar das restrições à suspensão muito macia e ao reduzido porta-malas. Especialmente apreciada foi a versão esportiva XR3, com spoiler, aerofólio, faróis de milha, acessórios esportivos, suspensão mais rígida, caixa com relações mais curtas e 83 cv, obtidos mediante o uso de válvulas de maior diâmetro, novos coletores e comando com maior avanço; segundo 4 Rodas (dez/83), era “um carro alegre“; “a impressão que se obtém do Escort XR-3 é de uma grande segurança (…), dificilmente quantificável mas claramente sentida“.

Em maio de 83, na IV Fenaçúcar, foi apresentado o F-20000 bicombustível, com motor MWM de seis cilindros equipado com sistema de injeção piloto (que consistia de duas bombas injetoras: uma em linha, para álcool, e uma rotativa acionada por correia dentada, para o diesel, utilizado o combustível principal como combustível-piloto para inflamar o álcool). Um pouco adiante, toda a linha de caminhões mereceu feliz retoque estético na grade, que teve o fundo parcialmente pintado de preto, numa intervenção extremamente simples, mas de grande efeito visual; foram ainda eliminadas do capô as grandes letras cromadas que formavam a palavra Ford, substituídas pelo logotipo oval, discretamente afixado no centro da grade. Para os utilitários e o caminhão leve foram destinados novo painel, comandos agrupados na coluna de direção, tacômetro (exceto para F-100) e retrovisores mais amplos; a grade foi pintada de preto e, como nos caminhões, recebeu o emblema da marca.

No segundo semestre foram divulgadas as mudanças do Corcel II, Belina, Pampa, Del Rey e Scala para o ano seguinte, todos passando a ser equipados com o novo motor CHT, montado longitudinalmente (o antigo 1.3 continuou disponível para o Corcel), acompanhado de novas relações na caixa de marchas; Del Rey e Scala também ganharam novos bancos e o sistema de freios do Escort, com duplo circuito em diagonal e discos ventilados na frente; os bancos da Pampa receberam apoios fixos para a cabeça e os do Corcel/Belina, apoios reguláveis.

Pampa e Belina 4×4, duas frustrações

Em novembro, em meio a uma seqüência de Salões, a Ford aproveitou para apresentar uma enxurrada de novidades. Na I Feira do Carro a Álcool, lançou a esperada picape Pampa 4×4, primeira tentativa de substituição dos históricos Jeep e F-75, que deixaram de ser produzidos no primeiro semestre. Esteticamente, podia ser identificada pela grade plástica de elementos retangulares e pelo para-choque dianteiro metálico pintado de preto com garras de borracha. Para compensar o acréscimo de peso ocasionado pelos componentes mecânicos adicionais, sua capacidade de carga teve que ser proporcionalmente reduzida para 440 kg. A nova picape chegou com o novo motor CHT (1,6 l e ignição eletrônica, a álcool ou gasolina), câmbio de quatro velocidades (1ª reduzida), caixa de transferência acoplada ao câmbio (engate da tração traseira apenas com o veículo parado), cardã bipartido, eixo rígido traseiro (argentino) com diferencial e roda livre (de desacoplamento automático ao ser desligada a tração traseira), dois tanques de combustível (na versão a álcool), placa protetora do cárter, pneus radiais lameiros e a mesma suspensão da Pampa 4×2. Foi eliminada a embreagem eletromagnética do ventilador.

Na IV Brasil Transpo, mostrou dois protótipos da sua nova linha de caminhões Cargo, da qual já vinha falando havia alguns meses e cujo lançamento estava prometido para o ano seguinte. Anunciados como “caminhões mundiais, com grande parte da produção voltada para o mercado externo“, inclusive os EUA, e meta de fabricação de 20 mil unidades/ano a curto/médio prazo, estavam entre os equipamentos mais atualizados do mundo na categoria (na Europa, foi o Caminhão do Ano de 1982). Os veículos a serem fabricados no Brasil, segundo a Ford, teriam as cabines do modelo europeu (projetadas pela Ford britânica), chassis de projeto norte-americano e motores diesel Ford. A nova linha seria produzida na fábrica do Ipiranga, que começava a passar por processo de modernização semelhante ao promovido em São Bernardo do Campo para o lançamento do Escort. Na Transpo foram exibidos dois modelos médios: 1114 e 1314 com 3º eixo.

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Destinadas a substituir os utilitários F-75 e Rural (ex-Willys), Pampa (na foto) e Belina 4×4 tiveram vida curta, vitimadas por graves problemas mecânicos na transmissão.

No XIII Salão do Automóvel, em setembro de 1984, mais novidades. Para o Corcel, Del Rey e seus derivados, spoiler dianteiro, novo estilo da grade e conjuntos óticos, maior potência no motor CHT a álcool (passou de 68 para 72 cv; na versão a gasolina permaneciam os mesmos 63 cv), novo reajuste na suspensão, caixa de relés e fusíveis transferida para o compartimento do motor, banco traseiro mais espaçoso e calotas de plástico, em lugar de metálicas. Faróis e lanternas dianteiras eram iguais em todos os modelos; as lanternas traseiras, porém, diferiam: listradas de preto no Corcel e lisas no Del Rey. No primeiro (que, a partir desse ano-modelo, perdeu o “II” do nome), também eram novos o painel de instrumentos e o volante; no Del Rey, novos eram as largas borrachas de proteção laterais, o revestimento do teto em material moldado e os apoios para cabeça e descansa-braços no banco traseiro. A picape Pampa 4×2 recebeu a mesma grade quadriculada da 4×4.

O XR3, versão de maior sucesso do Escort, além de pequenos retoques na carroceria (filetes decorativos na linha da cintura, calotas brancas de nailon e para-choques parcialmente pintados da cor do carro), ganhou a versão conversível, com quebra-ventos, reforços longitudinais nas laterais da plataforma, arco de proteção tipo targa e capota articulada (com vigia de vidro e desembaçador), transformação realizada na Karmann-Ghia sobre a plataforma mecânica do XR3.

Ainda no Salão foi lançada a Belina 4×4; apesar de trazer o mesmo arranjo mecânico da Pampa 4×4, dela diferia no estilo (tinha a mesma nova grade dos outros modelos Corcel) e na suspensão traseira (o eixo rígido traseiro foi adaptado aos braços e molas helicoidais existentes e recebeu uma barra estabilizadora transversal). Com relação à Belina “normal”, o 4×4 se diferenciava pela maior distância do solo, pelos cubos da roda-livre e o novo bagageiro no teto. O inesperado surgimento da Belina 4×4 trouxe certa frustração, já que o que se esperava do Salão era a apresentação oficial do chamado Jampa (combinação de jipe e Pampa), uma picape Pampa encurtada que deveria ser o sucedâneo do antigo Jeep, com lançamento anunciado pela empresa para aquele período. Protótipos do carro chegaram a ser fotografados em teste: portando o dístico Jeep, teriam menor comprimento, suspensão 5 cm mais alta, motor CHT e freios a disco na frente. O novo carro, contudo, jamais entrariam em linha, já que, segundo a empresa, “o pequeno volume de mercado não incentivava a sua produção“.

Primeiro 4×4 brasileiro de série derivado de um automóvel com tração dianteira, esta Belina não foi feita para trabalho pesado, sendo incapaz de praticar roteiros fora-de-estrada mais “brutos”; nunca teve competência, portanto, para substituir Jeep ou Rural. Suas limitações ficaram cabalmente demonstradas no teste de 50 mil quilômetros da revista 4 Rodas (mar/87), quando a tração traseira jamais conseguiu ser utilizada sem apresentar defeitos graves. Frágil demais para utilização em situações com maior solicitação, não contando com diferencial central, o que ocasionava esforços extremos no cardã e diferencial traseiro, também mostrou problemas freqüentes na caixa de câmbio, vazamentos de óleo pelas pontas dos eixos e grande quantidade de peças soltas na carroceria. Segundo a revista, “a Belina 4×4 está longe de ser a sucessora do jipe; (…) na verdade, a tração integral só serve em emergências – como, por exemplo, para se sair de um atoleiro“. A Belina 4×4 só seria fabricada até 1987.

Com tantos lançamentos nos meses anteriores, 1984 terminou como um ano de sucesso e grandes realizações para a Ford: expandiu seu programa de informatização, instalando o primeiro sistema de projeto por CAD da indústria automobilística latino-americana; encerrou o ano como maior exportadora privada brasileira do setor, correspondendo as vendas externas a 1/3 da sua receita; o Escort atingiu 25 mil unidades exportadas, a maioria para a Escandinávia, onde o modelo brasileiro chegava a preço menor do que o similar alemão; e, embora mantendo a terceira posição entre os fabricantes nacionais, teve sua participação elevada para 20,8% (era de 14,2%, quatro anos antes), contra 22,8% da Chevrolet e 35,0% da Volkswagen.

Linha Cargo: o conceito europeu de caminhões chega à Ford brasileira

Em março de 1985 a Ford iniciou a produção da linha de caminhões Cargo, após submetê-los a um original programa de testes com potenciais usuários, no qual cinco veículos foram cedidos, em rodízio, a 117 frotistas representativos de cada especialidade de transporte. Embora não abandonasse a tradicional linha F, de ultrapassada concepção mesmo para os padrões norte-americanos, com o moderno Cargo a empresa mudava de patamar no mercado brasileiro de caminhões médios e médio-pesados, conseguindo ultrapassar, em atualidade de produto, os maiores fabricantes do país – Mercedes-Benz e Volkswagen Caminhões. (Em situação oposta, sua rival histórica Chevrolet não atualizaria a linha de veículos de carga e seria forçada a sair do mercado dez anos depois.) Era objetivo da Ford conquistar, em dois anos, 29% das vendas internas de caminhões com até 22 t, contra os 19% de então.

Foram inicialmente lançados oito modelos, para 11, 13 e 15 t de PBT, com três opções de motor diesel: MWM aspirado (5,9 l e 130 cv) e Ford aspirado ou turbo (seis cilindros, sete mancais, 6,6 l, 140 e 165 cv). Oferecidos em três distâncias entre eixos (3,89, 4,34 e 4,80 m) e configurações 4×2 ou 6×2, totalizava 20 diferentes versões. No final do ano sairia o primeiro 6×4 – o 2217, de 22 t. O motor Ford de 6,6 litros – projeto inglês de origem agrícola – foi especialmente produzido para equipar o Cargo, embora a empresa também pretendesse vendê-lo para terceiros (para este fim, a fábrica de motores diesel foi ampliada, elevando a capacidade de 25 para 90 mil unidades/ano). Os veículos tinham caixa de cinco marchas com dupla redução no eixo traseiro, freios pneumáticos com duplo circuito (opcionalmente a disco na dianteira para modelos de 11 t) e direção hidráulica com assistência variável. Como opcionais, freio-motor, pneus radiais sem câmara, vidros verdes, banco tipo leito, banco do motorista com amortecimento, rádio e defletores de ar no teto e sob o para-choque.

A linha Cargo trazia cabine basculante com grande quantidade de componentes de plástico (incluindo grade e para-lamas); tinha para-brisa laminado, cintos de segurança retráteis de três pontos, avançado sistema de ventilação interior, banco individual ajustável para o motorista e moderno e completo painel. Uma tampa de visita, na dianteira, permitia fácil acesso aos órgãos de manutenção e revisão corrente (radiador, óleo de freio, pressão do ar, água para o para-brisa). Foi o primeiro caminhão brasileiro a receber tratamento contra a ferrugem pelo método de eletrodeposição (mesmo sistema introduzido em São Bernardo para a linha de automóveis).

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Primeiros caminhões Ford brasileiros com cabine avançada, a nova linha Cargo asseguraria a posição da marca no mercado de veículos de carga.

Em julho foi lançada nova picape a álcool, denominada F-1000-A, com capacidade para uma tonelada de carga e equipada com motor de seis cilindros (3.620 cm3 e 111 cv) fabricado na Argentina. Além de direção hidráulica, pneus radiais e eixo antiderrapante, o carro veio com banco individual para o motorista, vidros verdes, calotas plásticas e faixas decorativas em três tons nas laterais. Pouco depois, as linhas Pampa, Corcel e Del Rey passaram a contar com câmbio de cinco marchas de série e, como opção, com direção hidráulica progressiva. O motor diesel de 4,4 l do F-4000 teve a potência levemente incrementada (de 90 para 93 cv) e o Escort de cinco portas deixou de ser produzido.

Embora 1985 tenha sido um ano ainda melhor do que o anterior em vendas, a Ford se retraiu em 1986, assumindo uma postura inesperadamente austera. Em abril de 1985 o Presidente da filial brasileira fora deslocado para novas funções e seu estilo dinâmico e agressivo voltado para constantes lançamentos foi trocado por posturas mais rígidas e política de produto conservadora. No final do ano, informações reservadas davam como certo que a matriz estaria dificultando a aprovação do programa de investimentos para 1986, fato confirmado em janeiro do ano seguinte por alto dirigente de Ford norte-americana, ameaçadoramente declarando “dois motivos para que a Ford não tenha projetos de investimento no Brasil: a inflação e o controle de preços“. Esta radical inflexão na política da empresa para o Brasil se mostraria absolutamente equivocada – e quase fatal – a médio prazo: em 1987 a marca perderia definitivamente o terceiro posto entre as maiores do país, atropelada pela impactante chegada da Fiat (com forte efeito sobre todos, por sinal, inclusive sobre a aparentemente imbatível VW); mais grave ainda: sua participação na produção nacional, que alcançara o pico de 20,8%, em 1984, despencaria continuamente até chegar a meros 8,2%, em 1996.

Assim, de acordo com as “novas” diretrizes da matriz, Escort, Corcel e Del Rey chegaram a 1986 sem nada de novo; apenas as picapes médias e a F-4000 mereceram atenção, recebendo nova grade com quatro faróis retangulares, novo sistema de ventilação da cabine, tranca de direção, teto solar e banco individual para o motorista; em junho tais mudanças foram estendidas à linha F de caminhões.

Em julho de 1986, apesar da reduzida gama de modelos que oferecia, inexplicavelmente a Ford retirou Corcel e Belina de linha, após 1,3 milhões de unidades fabricadas (embora viesse perdendo mercado, eram Del Rey e Scala que davam sinais da idade, especialmente quando comparados ao Chevrolet Monza e caminhonetas concorrentes; cf, por exemplo, 4 Rodas jul/85, dez/85 e fev/87). Para tentar compensar a perda, a Ford simultaneamente criou a versão “básica” L para o Del Rey (procurando ocupar o espaço deixado pelo Corcel), mudou a nomenclatura do Scala para Del Rey Belina (inclusive na versão 4×4) e procedeu à primeira atualização estética do Escort, acompanhando o estilo poucos meses antes introduzido na Europa.

O novo Escort trouxe grandes para-choques plásticos (que agregavam, na frente, a grade simplificada), novos faróis, capô e lanternas, tampa traseira mais baixa (exigindo recorte menor no porta-malas) com pequeno aerofólio integrado (o XR3 manteve seu aerofólio complementar), modernização do painel e seus comandos. Recebeu amortecedores pressurizados a gás e suspensão recalibrada (tornando-a excessivamente macia). O motor CHT foi “refinado”, perdendo peso, ganhando economia e alguns cavalos a mais (no 1.6, agora E-Max, de 72 para 75 cv; no 1.6 HP, do XR3, de 82 para 86 cv). Curiosamente, as alterações externas na traseira (tampa da mala e lanternas) não foram aplicadas ao conversível.

Nasce a Autolatina

Naquele 1986 – o ano do Plano Cruzado – a Ford mais uma vez surpreenderia, ao anunciar um Acordo de Cooperação com a Volkswagen, extensivo à Argentina, destinado a “racionalizar custos” nos dois países. Formalizado em novembro, o Acordo levou à união operacional das duas empresas, com o objetivo de “assegurar permanente atualização tecnológica, maior eficiência operacional e melhor utilização da capacidade de produção das instalações da Volkswagen e da Ford” (significativamente, uma das primeiras medidas de “racionalização” tomadas no âmbito do Acordo foi a extinção das Comissões de Fábrica criadas na Ford em 1981). Nova empresa, chamada Autolatina, seria formalmente criada em 1º de julho do ano seguinte, com 51% do capital da Volkswagen do Brasil e 49% da Ford do Brasil. As equipes de engenharia de produto passariam a operar articuladas entre si, atendendo a planejamento e estratégias únicos, sendo mantida a individualidade das áreas de marketing e vendas e da rede de revendas e assistência técnica.

Sem se perceber, estava tendo início o período mais tenebroso da história Ford no Brasil. Sob o ponto de vista industrial e administrativo, a união das duas firmas produziu uma sinergia benéfica: racionalização dos processos fabris e da logística de suprimentos, aumento do nível de informatização, padronização de componentes, redução do número de fornecedores, introdução do método just-in-time na linha de produção, redução dos níveis hierárquicos e maior ênfase no controle de qualidade. Entretanto, o desinteresse da matriz em efetuar novos investimentos, sob a constante alegação de “inexistência de lucros nas operações brasileiras” (argumento sempre acompanhado de críticas à política de controle de preços do governo), acabaria por levar a filial brasileira à quase inanição. Em 1994, quando da extinção da Autolatina, a Ford apresentava uma linha de automóveis defasada e sem “personalidade”, em geral derivada de produtos Volkswagen.

Retornemos a 1986: além do lançamento do Escort reestilizado, ao terminar o ano a Ford preparava novas versões do Cargo voltadas para exportação – veículos médios e médio-pesados equipados com novo diesel Ford de 7,8 litros (190 cv aspirado, 210 cv turbo ou 243 cv turbo com aftercooler). As vendas para os EUA, que tiveram início em novembro do ano anterior, foram priorizadas pela Ford em detrimento do mercado interno: embora seu caminhão fosse o mais moderno disponível, com condições privilegiadas para enfrentar a concorrência, as vendas internas foram limitadas “por causa da falta de lucratividade do Cargo“. Quanto aos automóveis, foi despachado para a Escandinávia o primeiro lote dos 1.300 Escort exportados para a região.

Para 1987, mais uma vez os automóveis não foram alterados, ficando as mudanças para a linha de veículos comerciais. Os oito modelos Cargo a venda no país tiveram a capacidade de carga aumentada entre 400 e 800 kg. Também foram incrementados torque e potência dos motores diesel Ford de 6,6 l (aspirados, de 140 para 155 cv; turbo, de 165 para 182 cv), para isto tendo sido desenhada nova câmara de combustão de alta turbulência, trocados cabeçote, pistões, válvulas e coletores e alterado o sistema de injeção; o filtro de ar passou a ser montado em posição mais elevada, por trás da cabine. Caixa e eixo traseiro também eram novos. Em conseqüência, mudou a nomenclatura dos caminhões, composta por dígitos representativos de suas capacidades e potências. Os modelos 1113 e 1313, com motor MWM, não foram alterados. O processo envolveu maior esforço de nacionalização, buscando reduzir a quantidade de itens importados (cerca de 30% dos componentes do motor diesel Ford e 80% dos estampados da cabine).

Na série F, o F-13000 recebeu elementos do Cargo (mangas do eixo dianteiro, diferencial, freios e sistema de direção), adicionando 600 kg à capacidade de carga e sendo relançado como F-14000. Também foi apresentada a Pampa Ghia (apenas na configuração 4×2), com acabamento luxuoso e o estilo dianteiro do último Corcel. Em março foi alcançada a produção do Del Rey número 250.000.

A linha 1988 chegou novamente quase sem novidades. O XR3 ganhou maior autonomia graças a um tanque de combustível adicional, moldado em plástico (não havia espaço disponível para aumentar o reservatório original, daí a idéia do complementar), e teve a caixa de marchas aperfeiçoada, eliminando um problema crítico de imprecisão nos engates. Todas as versões do Escort receberam novo carburador; o L, por sua vez, perdeu diversos itens de série, dentre eles o retrovisor direito e o limpador do vidro traseiro, que passaram a opcionais.

A capacidade de carga da picape F-1000 (líder de mercado havia seis anos) aumentou em algumas dezenas de quilos (36, a diesel, e 85 a álcool), em conseqüência do reforço da suspensão; as lanternas traseiras receberam lentes de três cores, atendendo à nova normatização do Contran. Em abril foram lançadas duas novas versões do Cargo: C-1618T, com caixa de seis marchas sincronizadas e capacidade de tração aumentada para 30 t (contra 27 t, do 1618), e C-2218, versão trucada do 1618 e primeiro modelo com 3º eixo (Hendrikson) da linha, com 22 t de PBT e 16 t de capacidade de carga. A Ford teve uma participação discretíssima no XV Salão do Automóvel, com uma única novidade – capota de acionamento elétrico para o XR3 conversível.

Em junho de 1989 apareceu o primeiro fruto da união da Ford com a VW – a adoção do motor VW AP 1800 (1.781 cm3) no Escort Ghia (92 cv) e no XR3 e conversível (que receberam a versão mais potente, com 105 cv). Com isto, os carros ganharam entre 17 e 19 cavalos com relação ao seu já antiquado motor original; ao mesmo tempo, o CHT continuava nas demais versões do Escort e passava a equipar os modelos mais baratos da Volkswagen. Alguns ajustes mecânicos foram necessários para acomodar o novo motor (radiador, carburador, coxins de apoio, coletores e cárter); foi adotada nova caixa de cinco marchas (importada da VW alemã) e mais uma vez revista a suspensão, que voltou a ficar mais firme. Esteticamente, as únicas alterações perceptíveis aconteceram no XR3: novas rodas, alargadores plásticos aplicados na soleira das portas e arcos de rodas, lentes incolores nas lanternas dianteiras e luzes de ré posicionadas na vertical, no centro das lanternas traseiras. O motor AP 1800 (92 cv) e a caixa alemã foram a seguir aplicados no Del Rey, que também ganhou amortecedores a gás, suspensão reajustada, rodas de liga (em lugar das anteriores, de aço com calotas plásticas) e brake lights – as primeiras do país num carro de grande série. Finalmente, na VI Brasil Transpo, o motor AP e o novo câmbio chegaram à Pampa 4×2, que ganhou a versão “jovem” STX (para o 4×4 permaneceu o motor CHT e a caixa antiga).

Sedã médio Verona, em vez de um carro pequeno, como exige o mercado; continuamente a Ford perde espaço

Após um jejum de vários anos, no último mês de 1989 a Ford apresentou um novo carro: o Verona, versão três-volumes do Escort, em estudo desde 1985 e com lançamento prometido para 1987 (de acordo com a nova política de compartilhamento de plataformas entre as duas marcas, ao Ford Verona corresponderia, no ano seguinte, o Volkswagen Apollo). Foi lançada apenas a versão duas-portas (janelas traseiras basculantes), em duas versões: LX (com motor CHT) e GLX (com AP 1800 de 105 cv). O Verona utilizava a mesma plataforma do Escort, com a mesma distância entre eixos e igual mecânica, porém com suspensão traseira reajustada para compensar o maior peso do carro. Da carroceria original, entretanto, aproveitou somente pra-lamas dianteiros, capô e conjunto ótico, alterando tudo o mais: para-choques, grade, para-brisas, linha do teto (com nova tecnologia de construção, sem calhas), além de toda a traseira. O interior, apesar de apresentar o mesmo painel do Escort, trazia itens diferentes (alguns deles opcionais), dentre os quais espelhos com controle elétrico, apoios para cabeça nos bancos traseiros, bancos dianteiros com apoio lombar regulável, check-control, alarme antifurto e trava elétrica das portas; direção hidráulica era opcional. Os testes realizados pela imprensa especializada apontaram o Verona como o mais silencioso automóvel nacional e o mais econômico na categoria; a crítica mais freqüente se prendeu ao porta-malas: embora volumoso, era de difícil acesso por conta da abertura e das dimensões reduzidas de sua tampa.

O PRIMEIRO VERONA: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco três volumes, duas portas, cinco lugares, bagageiro com 460 litros, 4,21 m de comprimento; motor dianteiro transversal refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 1.555 ou 1.781 cm3, 75 ou 105 cv; um carburador de duplo corpo descendente; tração dianteira com caixa manual de cinco marchas sincronizadas; direção mecânica; suspensão independente nas quatro rodas, dianteira McPherson e traseira com braços triangulares transversais, barras tensoras longitudinais e molas helicoidais; freios hidráulicos assistidos, a disco nas rodas dianteiras e a tambor na traseira.

No início de 1990 saiu a 11a (e a mais pesada) versão da linha Cargo, o cavalo-mecânico 3224, com capacidade de tração de 32 t e motor Ford diesel de 7,8 l e 243 cv com turbo e aftercooler, até então destinado apenas a exportação (vendido nos EUA como CF-8000). Aquele foi o primeiro ano do governo Collor: confisco da poupança, recessão econômica, críticas às “carroças” fabricadas pela indústria automobilística brasileira – tudo contribuiu para agravar ainda mais a predisposição da Ford em minimizar os investimentos no Brasil. Sua participação no XVI Salão, no final de 1990, foi quase irrelevante. Únicas novidades: para XR3 e Verona, antena elétrica, banco do motorista com regulagem em altura e luz de advertência nas portas; para Pampa 4×2, opção de direção hidráulica; e para a picape F-1000, motor MWM turbo (3.992 cm3, 119 cv), rodas de liga, faróis de milha, grade e santantônio pintados de cinza (esta foi a primeira picape turbo do país). Ex-Salão, houve o lançamento de mais três versões do caminhão Cargo: o trucado (6×2) C-2324, o fora-de-estrada (6×4) C-2422 (7.r turbo de 240 cv) e o cavalo C-3530 (7.8 l turbo intercooler de 283 cv). No dia 28 de dezembro, coroando o Acordo de Cooperação assinado com a Volkswagen, as duas empresas foram fundidas sob a razão social Autolatina Brasil S.A. e reestruturadas sob três Divisões comerciais e administrativas: VW, Ford e Caminhões – esta virtualmente fundidas, já que desde junho do ano anterior os caminhões VW passaram a compartilhar com os da Ford as linhas de montagem da fábrica do Ipiranga.

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Versão sedã do Escort, o Verona foi o primeiro lançamento Ford da fase Autolatina; seu correspondente, na Volkswagen, foi o Apollo.

Se a desorganização da economia brasileira produzida pela administração Collor foi dramática para a indústria automobilística, seu impacto foi ainda mais pernicioso para a Ford – não para a Autolatina, mas especificamente para a Ford –, que a partir de então, ano a ano veria diminuir sua participação no mercado. No início de 1991 a Autolatina procedeu a um corte de 5.110 empregados em suas fábricas; a parcela maior coube à Ford, que foi também quem sofreu o maior corte de produção – 44%, contra 28% da VW, nos primeiros meses do ano. Entre as grandes empresas do setor, a Ford foi a que menos exportou e mais perdeu mercado entre 1989 e 90, tendo reduzido o total fabricado em 15,6% (a Volkswagen diminuiu 11,1% e a Fiat aumentou 2,7%; no segmento de caminhões, a Ford manteve o 2º lugar, com cerca de 20% do mercado, porém este bom resultado pouco influía sobre o total).

A Ford acusava as longas greves ocorridas no ABC por seu mau desempenho, mantendo a defesa da sua política de produtos e da estratégia de concentrar-se na produção de carros mais caros – ainda que o mercado desse sinais inequívocos de que caminhava em massa para os veículos “populares”. O recém-lançado Fiat Uno Mille já era um sucesso, mas o Presidente da Ford, perguntado sobre as perspectivas de lançamento de um carro pequeno, sintetizava a posição da empresa quando declarava, sucinto: “nós temos uma imagem a zelar“. Em quarto lugar entre os fabricantes de veículos, correu o boato de que a empresa se preparava para deixar o Brasil, a ponto de ser obrigada a publicar um Comunicado na grande imprensa desmentindo o noticiário (fatos recentes pareciam apontar para isto: em 1988 a matriz se desfizera da Philco, unidade eletro-eletrônica do Grupo, e em 1990 vendera para a Fiat italiana seus negócios de tratores).

A história mostraria que a ausência de um carro pequeno na sua gama de modelos – na contramão do mercado e de todos os outros fabricantes – foi a razão principal da queda da Ford, da qual a empresa só conseguiria se recuperar muitos anos depois, exatamente a partir do lançamento do menor dentre os carros pequenos – o Ka. Pode-se concluir que a crise da Ford foi, portanto, resultado de uma seqüência de decisões gerenciais equivocadas tomadas pela matriz. Desde 1973, durante a Primeira Crise do Petróleo, falava-se em um Mini-Ford brasileiro; um protótipo chegou a ser analisado no Brasil, mas acabou por perder a prioridade; com o lançamento do Fiesta na Europa, em 1976, este passou a ser o produto cogitado pela Ford, até também ele ser abandonado, em 1980, ao ser escolhido o Escort como “o próximo médio-pequeno brasileiro“, dada a opção declarada da empresa “operar nas faixas mais altas do mercado, ficando menos sujeitas à flutuação da disponibilidade de crédito” do comprador.

Fiesta e Escort não eram projetos excludentes, mas complementares, e o abandono do projeto do carro pequeno foi um erro do qual a Ford aparentemente ainda não se arrependera em 1991. Tanto que, ao comentar seu próximo lançamento – um carro de luxo – a empresa analisava: “o forte da Ford, no Brasil, sempre foram os segmentos C e o intermediário, o que nos leva a insistir numa fórmula que deu certo“. Esta teimosia irritava a rede de revendas da marca que, através da sua associação, chegou ao ponto de patrocinar a preparação de um Escort com motor de um litro para provar à Ford ser uma alternativa viável e vendável; a iniciativa foi ignorada pela empresa.

Parecia sem fundo, porém, a caixa de más surpresas da Ford. Em junho daquele mesmo ano, Del Rey e Scala deixavam de ser fabricados; com isto a marca perdia sua única caminhonete que, apesar da menor procura, ainda era, entre oito, a terceira mais vendida do país. Dias depois a empresa anunciava “em caráter oficial e irrevogável” o fechamento, no início do ano seguinte, da fábrica de motores diesel de São Bernardo do Campo e a demissão de todos os seus 900 empregados (grande parte dos equipamentos viria a ser vendida para a China). Apesar de ser a fornecedora do motor titular da sua bem sucedida linha de caminhões Cargo, a empresa não hesitou em encerrá-la, alegando que seu principal mercado eram os EUA e que seriam altos demais os investimentos para atualizar tecnologicamente os engenhos a fim de atender à legislação ambiental daquele país.

Versailles e Royale, dois carros grandes, híbridos Volkswagen-Ford

O lançamento do novo carro grande da Ford ocorreu em julho: o Versailles de duas portas, clone do Santana, modelo top da VW, porém com mudanças estéticas e suspensão mais macia; no entanto, seu acabamento e lay-out interno eram pobres, não condizendo com a “vocação” da Ford por automóveis de luxo. Produzidos na fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo e apresentando exatamente a mesma mecânica, Versailles e Santana eram diferentes em muitos detalhes externos: grade, janelas traseiras, para-choques, rodas, faróis e lanternas; a terceira coluna do Versailles era pintada de preto fosco e entre as lanternas traseiras foi afixada uma barra refletiva vermelha. Sua mala era mais alta e de linhas mais retas, gerando um bagageiro 19 litros mais volumoso do que o do Santana. No interior, o painel mudou formato, iluminação e posição de controles e comandos, mantendo os mesmos mostradores. O Versailles era oferecido com motores 1.8 ou 2.0, a álcool ou gasolina, nas versões de acabamento GL e Ghia, com opção de ABS, injeção eletrônica e transmissão automática.

O PRIMEIRO VERSAILLES: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco de três volumes, duas portas, cinco lugares, bagageiro com 559 litros, 4,56 m de comprimento; motor dianteiro longitudinal refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 1.781 ou 1.984 cm3, 105 ou 109 cv; um carburador de duplo corpo progressivo; tração dianteira com caixa manual de cinco marchas sincronizadas; direção hidráulica; suspensão dianteira independente McPherson e traseira com eixo de torção e molas helicoidais; freios hidráulicos assistidos, a disco nas rodas dianteiras e a tambor na traseira.

Além do Versailles, pouco de novo veio a acontecer em 1991 – ano em que o Escort atingiu meio milhão de unidades fabricadas: Verona LX recebeu opção de motor AP 1800; para o XR3 foi criada a série especial Fórmula (750 unidades), com assistência eletrônica da suspensão (pela primeira vez no país), capaz de regular automaticamente sua rigidez em função das solicitações de piso e rodagem; para a picape F-1000, por fim, tanque de combustível plástico de maior capacidade. Na VII Transpo, em novembro, foram apresentados a Pampa com o estilo dianteiro do Del Rey e o Versailles quatro-portas, sem alterações mecânicas com relação ao modelo de duas portas; na mesma feira foram mostrados os primeiros caminhões Cargo com motor Cummins de 8,3 l, em substituição aos diesel Ford; para alguns modelos Cargo passou a ser oferecida suspensão pneumática traseira Hendrikson. No final do ano toda a linha de automóveis, mais a picape Pampa 4×2, receberam catalisador no sistema de exaustão.

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Sedã Versailles: com a adoção de automóveis de origem Volkswagen como modelos topo de linha, a Ford começou a perder personalidade – e mercado.

Toda a linha F de utilitários e caminhões foi renovada em 1992, começando pela F-1000 e F-4000, que receberam o estilo norte-americano de 1987. A picape chegou com freios a disco ventilados na frente, amortecedores a gás e três opções de motor, com maior potência em relação ao modelo anterior: 3.6 argentino a gasolina (seis cilindros, 108 cv) e MWM diesel aspirado ou turbo (87 e 112 cv); caixa, freios e suspensão traseira também foram modificados. No caminhão leve F-4000 a mecânica permaneceu a mesma e só o câmbio foi mudado.

Os caminhões médios receberam a mesma cabine dos leves (inclusive seu moderno painel), porém com capô, grade e para-lamas substituídos por uma grande peça única de plástico reforçado com fibra-de-vidro, basculante para frente, segundo projeto desenvolvido no Brasil. O motor diesel de 5,9 l ganhou três cavalos (a potência aumentou para 137 cv) e teve mudados alguns periféricos (radiador, ventilador, filtro de óleo) e a suspensão foi revista; caixa de marchas e chassi (com longarinas retas) também eram novos. Quanto aos caminhões Cargo, ao final do ano os motores Ford diesel já haviam sido substituídos por unidades Cummins (5,8 e 8,3 l) em toda a linha; naquela altura, a gama compreendia nove modelos, entre 12 e 35 toneladas de PBT e 160 e 291 cv de potência; eram cinco 4×2, um 6×2, um 6×4 e dois cavalos-mecânicos. Foi também em 1992 que a Ford atingiu a marca de 700.000 caminhões vendidos no Brasil.

Logo depois da renovação dos comerciais médios e acompanhando a VW Caminhões, em outubro, na Expobus’92, a Ford apresentou o primeiro chassi de ônibus da sua história. Lançado seis meses depois, com a designação B-1618, se tratava de um veículo perfeitamente convencional, com motor dianteiro, caixa manual (seis velocidades), suspensão por molas semi-elípticas e freios pneumáticos a tambor; a direção era hidráulica e o sistema de arrefecimento do motor com circuito selado. O chassi, que era equipado com motor MWM de seis cilindros (6,5 litros, 184 cv), já vinha com painel de instrumentos completo e capô do motor com isolamento termo-acústico. A Ford jamais teve presença significativa no mercado brasileiro de ônibus e, a menos do projeto de um chassi com base no caminhão F-700 e motor Detroit, imaginado mas não concretizado em 1977, e do micro FB-4000, de 1981, nunca antes havia considerado seriamente penetrar nesse mercado.

Antes disso, em junho, a Ford voltava a dispor de uma caminhonete em seu portfólio – a Royale, correspondente à Santana Quantum, porém com apenas três portas, ao contrário das cinco do modelo Volkswagen. Apresentando as mesmas opções de motor, transmissão e acabamento do Versailles, o carro dispunha de bagageiro no teto e enorme porta-malas, com cobertura sanfonada deslizante e capacidade para 932 litros (até o teto), ou 1.789 litros com o banco traseiro totalmente recolhido (assento e encosto podiam ser rebatidos na relação 1/3-2/3).

Três anos depois da Fiat e último entre os grandes fabricantes, finalmente a Ford inventa um carro “mil”

No XVII Salão do Automóvel, em novembro de 92, a empresa lançou o novo Escort, acompanhando a atualização do modelo apresentada dois anos antes na Europa. O carro foi construído sobre nova nova plataforma que, apesar de ser dois centímetros mais curta, tinha distância entre eixos 12 cm maior. Interior e exterior foram totalmente reformulados, assim como a suspensão (na frente, ainda McPherson, mas com braço triangular inferior no lugar de braço simples; atrás, semi-independente com braços longitudinais, eixo de torção e molas helicoidais, em lugar de independente); de resto, permaneciam os motores e a configuração mecânica anteriores. Apresentado nas versões L, LS, Ghia e XR3 (somente com três portas), além do desenho inédito, trazia nova tecnologia de construção, com teto sem calhas e vidros colados. O XR3 e o conversível receberam o motor 2.0 com injeção direta do VW Gol GTi, com potência incrementada para 116 cv, além de volante, cintos de segurança e bancos dianteiros com regulagem de altura; além do aerofólio traseiro, o XR3 tinha grade e para-choque dianteiro diferentes dos outros Escort. A carroceria antiga foi mantida no Hobby, que assim se tornou a versão básica da Ford; o carro conservou o antigo motor CHT 1.6 (renomeado AE 1600), mas ganhou detalhes “jovens”: novos para-choques com frisos vermelhos, faixa cinza nas laterais e volante e revestimento interno especiais.

A primeira novidade significativa de 1993 foi a apresentação da F-1000 4×4, equipada com o mesmo diesel (aspirado ou turbo) da versão 4×2 e eixo dianteiro e caixa de transferência importados dos EUA; tração total e reduzida tinham acionamento elétrico e podiam ser engatadas com o veículo em movimento. Para complementar a linha, duas outras versões foram importadas da Argentina: Chassi Longo e a cabine alongada SuperCab.

Em setembro, finalmente a Ford dobrou-se à realidade do mercado e lançou seu primeiro carro “mil”, embora para isto não tivesse como utilizar o corpo de um carro pequeno, do qual não dispunha, mas somente seu antigo médio-pequeno Escort. O Hobby 1000 recebeu o mesmo motor que já equipava o VW Gol 1000, com 997 cm3 e 52 cv, denominado AE 1000, derivado do antigo CHT da Ford. A restante mecânica não foi alterada (freios a disco na frente, suspensão independente, direção mecânica), a menos da caixa de cinco marchas, importada da Argentina, que recebeu novas relações. Quanto ao acabamento, foi bastante simplificado, tendo sido eliminados até mesmo o retrovisor direito e a regulagem dos encostos dos bancos da frente.

Em outubro chegou o novo sedã Verona, agora com quatro portas, construído a partir da plataforma da segunda geração do Escort – modelo semelhante ao Ford Orion europeu e que também deu origem ao Logus e Pointer, da Volkswagen. Apresentado nas versões de acabamento LX (1.8), GLX (1.8 ou 2.0) e Ghia (2.0i), trouxe, de série, freios a disco nas quatro rodas (ventilados na frente). Era apenas dois centímetros mais comprido do que o modelo antigo; apesar disto, tinha porta-malas razoavelmente menor (407 x 460 litros), pois os 12 cm a mais no entre-eixos foram utilizados em benefício do aumento do espaço interno.

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Em 1992, buscando dar sobrevida à sua mais tradicional família de caminhões, a Ford procedeu a radical modernização das cabines da linha F; na imagem, modelo F-140000 HD (fonte: site caminhao.mercadolivre).

O último lançamento do ano se deu no segmento de veículos comerciais – o chassi de ônibus B-12000, com posto de comando recuado e motor externo, destinado ao transporte escolar; tratava-se, simplesmente, do caminhão F-12000, desprovido de cabine, com o mesmo motor diesel MWM de 134 cv e sem qualquer alteração mecânica, a menos de ajustes na suspensão. Apresentado com carroceria Caio Mobille, a Ford também sugeria seu uso “em transporte rural, transporte de tropas e até city tour”.

Além de alguns itens de luxo e conforto (por exemplo, CD-player, brake-light, avisos de porta aberta e farol aceso), a linha de automóveis não trouxe nada de novo para 1994 – apenas, em maio, injeção eletrônica nos motores a álcool do Versailles. Na realidade, naquele ano, no segmento de veículos de passageiros, a Ford priorizou a introdução de novos modelos importados no mercado, de diferentes origens e categorias, operação iniciada meses antes com o utilitário Explorer.

No segmento dos caminhões foi apresentado o terceiro e mais pesado cavalo-mecânico da marca, o C-4030, derivado do 3530 (porém lançado somente mais de um ano depois). Neste campo, aliás, apesar de ter no Cargo um produto atualizado, a empresa não conseguia aumentar sua fatia no mercado (apenas 797 unidades haviam sido vendidas em 1993). Analisada a situação, as maiores insuficiências foram localizadas na rede autorizada; diante de compradores cada vez mais exigentes e especializados, muitas revendas não modernizaram métodos e práticas nem investiram na melhoria da qualidade do atendimento nem dos serviços; algumas sequer percebiam a categoria do produto que tinham nas mãos, tratando os modernos Cargo como faziam décadas atrás com os históricos F-600. Enfrentar tais deficiências e recuperar sua imagem foi outra das prioridades da Ford, que para isto elaborou o programa Truck & Bus Improvement, plano estratégico de médio e longo prazos voltado para a “qualidade total com foco central no cliente“, conforme as doutrinas gerenciais de origem japonesa que aqui entravam em voga na época.

O retorno à política de lançamentos continuados trouxe novo fôlego para a Ford, permitindo que a produção dos dois últimos anos se elevasse em 45% – insuficiente, entretanto, para reconquistar o mercado perdido, já que a produção nacional teve crescimento semelhante (47,3%) no período. Em 1994 a Ford comemorou a fabricação do Pampa 200.000 e do seu milionésimo caminhão brasileiro (aí incluídos, segundo a contagem da empresa, picapes e modelos leves). Seus planos eram, portanto, de crescimento, ainda que à custa das importações, e seus esforços pareciam começar a dar resultado. O que menos se desejava, num momento como aquele, de difícil e ainda insegura recuperação, era criar novas impedâncias ou áreas de turbulência. E foi exatamente o que ocorreu em 1º de setembro: o anúncio, sem maiores justificativas, da cisão entre Ford e Volkswagen e extinção da Autolatina. As conseqüências seriam duras para a Ford: no final de 1996, dois anos depois da efetiva separação das duas empresas, sua participação no mercado despencaria para pífios 8,2%; a produção cairia 1/3, enquanto que e a produção nacional cresceria 14,1% e a VW 23,4%. Este aparentemente incompreensível rompimento era reflexo da nova fase em que entrava a matriz norte-americana, que pretendia renovar sua imagem, acelerar a globalização da produção e conquistar, até o final do século, a liderança mundial em automóveis.

Aqui, a Ford iniciou o ano de 1995 com novo presidente (o segundo brasileiro na história da companhia) e nova organização interna, com automóveis e caminhões compartilhando estruturas de projeto e fabricação, porém se valendo de serviços comerciais separados, segundo o formato “Centro de Carros” (subdividido em nacionais e importados) e “Centro de Caminhões” (idem, em leves e pesados/ônibus). Imediatamente passou-se a discutir novos métodos gerenciais de produção, a serem implantados a curto prazo, prevendo a terceirizando serviços. Ao mesmo tempo, buscou-se a redução do número de fornecedores e seu maior envolvimento no processo de montagem, com o objetivo de reduzir estoque de peças e matéria prime, liberar espaço interno, implantar o sistema just in time e, em última instância, reduzir custos e aumentar a qualidade.

Fiesta (ainda que importado): muitos anos depois da concorrência, a Ford dispõe de um automóvel de entrada

Numa tentativa de recuperar o tempo perdido, em fevereiro a Ford lançou seu primeiro carro realmente pequeno – porém importado –, o Fiesta 1.3. Em junho, começou a rever o estilo de seus carros, dotando Versailles e Royale da nova grade oval – prosaico clone do logotipo da marca – mundialmente adotada como símbolo da nova fase da Corporação. Os carros traziam, ainda, a última coluna pintada da cor da carroceria (e não mais de preto) e lanternas traseiras de novo formato, com lentes fumê e volante de quatro raios. A tampa do porta-malas do Versailles foi modificada, perdendo a superfície em preto fosco e a faixa refletiva (substituída por um ressalto abrigando a luz da placa) e recebendo um spoiler com brake-light integrado. Simultaneamente, a despeito da extinção da Autolatina meio ano atrás, foi lançada a caminhonete Royale quatro-portas, versão Ford da Volkswagen Quantum.

Como referido, as vendas voltaram a baixar drasticamente em 1995, levando à antecipação das férias coletivas e à demissão de trabalhadores. Mas a Ford tinha uma plano de longo prazo a seguir: pretendia transformar o Brasil no terceiro pólo produtor mundial de automóveis da companhia, depois dos EUA e Alemanha. Assim, seguindo a estratégia de incentivar a terceirização, vendeu para um grupo argentino sua fábrica de molas e chicotes de Jaboatão (PE), herança da Willys, que lá montava seus utilitários. Também de acordo com as novas diretrizes da matriz, voltadas para a globalização, e como etapa preparatória para a produção do seu futuro lançamento – o Fiesta nacional –, iniciou a transferência para a Argentina da montagem do Escort e Verona (que, construídos com componentes brasileiros, seriam importados para suprir o mercado interno). Com isto, poder-se-ia disponibilizar espaço suficiente, na fábrica de São Bernardo do Campo, para o remanejamento do lay-out e a instalação de fornecedores, segundo o conceito “Condomínio Industrial”, introduzido pela primeira vez no Brasil na nova planta da VW Caminhões.

Transferido o Escort para a Argentina, a Ford aproveitou para encerrar definitivamente a fabricação do modelo XR3 conversível, depois de terem sido produzidos mais de 16 mil exemplares. Apesar do seu relativo sucesso de vendas, o carro teria saído de linha por consumir tempo demais para ser construído. (O Escort conversível se mostrou um dos piores carros jamais avaliados por 4 Rodas (jul/95): quando levado ao teste de 60.000 km, apresentou um número infindável de problemas; nas palavras da revista, “foram 26 meses de motor fervendo, barulhos na suspensão, sucessivas panes elétricas, infiltração de água e motoristas deixados a pé“. À exceção de eventuais dificuldades com a capota, não se tratavam de deficiências específicas do modelo, mas sim falhas no controle de fabricação e, principalmente, mau serviço da rede de oficinas autorizadas: visitada 19 vezes pelo carro em pouco mais de dois anos de teste, seu atendimento foi por seis vezes considerado péssimo e por outras seis apenas regular.)

Três novidades foram mostradas na IX Brasil Transpo, em novembro, as duas primeiras com lançamento previsto para o ano seguinte: a cabine-leito para os caminhões Cargo, desenvolvida em conjunto com a Marcopolo; o modelo C-814 (PBT de 7,7 t), primeiro modelo leve da linha Cargo, com a mesma cabine basculante, motor diesel Cummins (quatro cilindros turbo com intercooler, 3,9 l e 140 cv) e caixa de cinco velocidades com redução no eixo traseiro; e a F-1000 4.9i, importada da Argentina com motor a gasolina de seis cilindros e caixa de marchas norte-americanos.

Para 1996, na gama de automóveis, apenas Hobby e Pampa receberam alguma atenção: o primeiro (que acabara de atingir o 100.000º fabricado) ganhou lentes brancas nas lanternas dianteiras e, como opcionais, para-choques e retrovisores da cor da carroceria, novas molduras laterais e rodas de liga, enquanto que a picape recebeu cintos de segurança de três pontos e bancos individuais. Versailles, Verona e Escort não apresentaram nada de novo.

Em março foi atualizado o estilo da picape F-1000 e do caminhão leve F-4000, acompanhando o modelo norte-americano de 1992. Para a picape foram disponibilizados três diferentes motores – um a gasolina (4,9 l, 148 cv) e dois diesel (Maxion 2,5 l, 115 cv e MWM 4,3 l, 135 cv) –, tração em duas ou quatro rodas e cabine simples ou SuperCab. Dentre os opcionais, ABS nas rodas traseiras, direção hidráulica, coluna de direção regulável, trio elétrico e ar condicionado. Para o caminhão F-4000 eram dois diesel (Cummins de 3,9 l e 110 cv e MWM de 4,3 l e 135 cv), ambos turboalimentados, além de suspensão dianteira independente Twin-I-Bean, freios a disco ventilados nas quatro rodas (ou na dianteira, para a versão com motor 3.9) e tanque de combustível moldado em plástico.

Em abril, Verona e Escort (com produção já transferida para a Argentina) receberam a nova grade oval da Ford, para-choques da cor da carroceria, suspensão (mais uma vez) recalibrada, injeção eletrônica, lanternas traseiras fumê, vidros verdes e cintos de três pontos no banco traseiro; a versão XR3, substituída pela Racer, deixou de ser fabricada. Em abril teve início a fabricação do Fiesta nacional, oficialmente lançado no mês seguinte.

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Extinta a Autolatina, o pequeno Fiesta foi peça fundamental na lenta recuperação da Ford brasileira.

Após amargar anos a falta de um carro “básico”, a Ford jogou todas suas fichas no Fiesta: transformou em profundidade suas fábricas, reordenou lay-outs, adquiriu quase uma centena de robôs (além dos cinco existentes) e instalou fornecedores junto à linha de montagem, encarregando-os da pintura dos veículos e do suprimento de subconjuntos. Em paralelo, também a unidade de Taubaté foi modernizada e preparada para a fabricação de novas gerações de motores e transmissões.  Esta foi a segunda radical reformulação das instalações industriais da Ford brasileira: com a primeira, em 1983, preparatória para o lançamento do Escort, a empresa passou a produzir 45 carros por hora, com 14 mil empregados; as mudanças introduzidas em 95, para o Fiesta, permitiriam produzir 70 veículos/hora com metade dos trabalhadores. A nova linha foi projetada para uma capacidade máxima de 225 mil unidades/ano, prevendo-se produzir, em 1966, entre 100 e 120 mil automóveis. Apostando num processo de globalização radical, contudo, com o Fiesta a Ford ensaiava mais uma arriscada estratégia, em linha oposta à que sempre praticara e que mais uma vez não viria a dar certo: investir tudo num “carro de entrada” (do qual nunca dispusera) e, segundo as palavras de um executivo da empresa, “ter uma linha pequena de produtos locais, mas com alta escala de produção, e importar para completar o portfólio“.

O Fiesta foi lançado com três e cinco portas, em duas versões de acabamento (básica e CLX) e três opções de motor a gasolina, todos com quatro cilindros e injeção eletrônica multiponto: 1.0 de 53 cv, 1.3 de 60 cv e o Zetec 1.4 16 válvulas de 89 cv, todos importados da Espanha e Inglaterra. Seu projeto, atualizado na categoria, porém sem ousadias, compreendia carroceria com deformação progressiva reforçada com barras laterais, tração dianteira, suspensão independente e freios a disco na frente; um sub-chassi servia de apoio para a suspensão e o conjunto motor. O modelo mais caro (CLX 16v) trazia de série direção hidráulica, comando elétrico dos vidros, retrovisores e abertura da mala, trava com controle remoto e código de segurança, cintos de três pontos em quatro lugares, encosto traseiro rebatível em 1/3-2/3, limpador no para-brisa traseiro e rádio/toca-fitas destacável. Ar condicionado, spoiler, aerofólio com luz de freio e bagageiro no teto eram opcionais. A versão 1.0 era, naturalmente, menos equipada e tinha para-choques pretos, sem pintura.

O PRIMEIRO FIESTA: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco dois volumes, três ou cinco portas, cinco lugares, bagageiro com 250 litros, 3,83 m de comprimento; motor dianteiro transversal refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 999, 1.299 ou 1.388 cm3, 53, 60 ou 89 cv; injeção eletrônica multiponto; tração dianteira com caixa manual de cinco marchas sincronizadas; direção mecânica (hidráulica no CLX 16v); suspensão dianteira independente McPherson e traseira interdependente, com eixo de torção e molas helicoidais; freios hidráulicos assistidos, a disco ventilados nas rodas dianteiras e a tambor na traseira.

As vendas do Fiesta apresentaram lento crescimento, em parte devido à lentidão no arranque da produção causada, segundo a empresa, por “problemas logísticos” relacionados ao grande número de peças importadas utilizadas no novo carro (quando lançado, seu índice de nacionalização se limitava a 60%, o mínimo legalmente permitido pelas regras previstas no Regime Automotivo Brasileiro). A chegada do Fiesta deu fim ao heróico Hobby, modelo mais vendido da Ford nos dois últimos anos e que defendeu, com 142 mil unidades comercializadas, a honra da marca naquele difícil período de encolhimento de mercado. Em novembro, com o término do contrato de fornecimento com a Volkswagen, também cessou a produção do Versailles e Royale.

Em novembro, no XIX Salão do Automóvel, foram apresentados os primeiros membros da nova família Escort, fabricada na Argentina: o hatch cinco-portas e o sedã quatro-portas (nos 12 meses seguintes seriam lançados mais dois modelos: hatch três-portas e Station Wagon). Em conseqüência, foi “aposentada” a linha anterior – Escort e Verona –, que apenas seis meses antes havia passado por sua última reestilização. Fornecidos nas versões GL e GLX, eram equipados com motor Zetec 1.8 (115 cv) importado, um moderno engenho com 16 válvulas, cabeçote e cárter de alumínio, cinco mancais, oito contrapesos e injeção eletrônica multiponto. Embora em linhas gerais lembrasse o Escort anterior e dele mantivesse a mesma arquitetura (motor transversal, tração dianteira, suspensão McPherson, freios a disco na frente), se tratava de um carro quase que totalmente novo: diferentes do modelo antigo eram a plataforma (9 cm mais longa), as barras de proteção nas portas, a caixa de marchas selada (dispensando troca de óleo), a direção hidráulica progressiva e a nova suspensão traseira semi-independente, semelhante à do Fiesta. O novo Escort trazia volumosos (e frágeis) para-choques envolventes, que na versão GL se apresentavam na cor preta. No GLX, eram de série ar condicionado, vidros elétricos, descansa-braço no assento traseiro e contagiros; dentre os opcionais, teto solar, aerofólio com luz de freio, saias laterais, bagageiro no teto e guarnição cromada na grade.

Os resultados da Ford, no ano que terminava, foram mais uma vez ruins. Em não se considerando as importações, que contribuíram sensivelmente para as vendas, 1996 foi o exercício no qual a participação percentual da companhia, no total produzido no país (incluindo caminhões), chegou ao ponto historicamente mais baixo: somente 8,2% dos veículos fabricados no Brasil, naquele ano, foram Ford. Erros de planejamento e de marketing, materializados na transferência da linha Escort para a Argentina, no atraso na nacionalização do Fiesta, na prioridade mais do que equivocada dada ao lançamento das duas versões mais caras (em detrimento do 1.0, incontestavelmente o maior desejo do consumidor) e, em menor escala, na retirada de linha do Versailles, levaram a tal situação. Assim, melancolicamente, com credibilidade em baixa, por alguns meses a outrora pujante Ford teve apenas um modelo de automóvel na linha de produção – o Fiesta –, carro novo, sem tradição no mercado, com alto índice de componentes importados e, por isso, sujeito a descontinuidade de suprimentos. Para completar este cenário decadente, a empresa decidiu encerrar o patrocínio à Fórmula Ford brasileira, categoria de entrada no automobilismo esportivo que havia 26 anos apoiava e que já revelara grandes pilotos de Fórmula I, como Fittipaldi, Senna, Barrichello e Gugelmin.

Mais um automóvel pequeno: Ka

1997. Ajudada pela regularização da produção do Fiesta e pelo lançamento, em março, do polêmico e até hoje inusitado Ka, a Ford gozaria de um breve período de recuperação, reconquistando 3,5 pontos de mercado nos dois anos seguintes e chegando ao fim de 98 com 11,7% da produção nacional de veículos.

O Ford Ka, embora 21 cm mais curto do que o Fiesta, com ele compartilhava a plataforma e a concepção mecânica. Sua carroceria, no entanto, fugia a qualquer padrão conhecido: marcada por enormes para-choques de plástico negro envolvendo as caixas de roda, combinava amplas superfícies curvas e ângulos vivos, num estilo batizado pela empresa New Edge (o termo significava, em tradução livre, Novos Limites ou Novas Fronteiras). Seus grandes faróis foram os primeiros do país com superfície complexa e lentes de policarbonato. Também internamente o carro era inovador, embora ainda menos usual em seu painel de formas orgânicas, com superfícies salientes e reentrantes, nas saídas de ar multidirecionais e nos diversos porta-objetos distribuídos pela cabine. Apesar de tanta ousadia, o Ka não se mostrou, porém, tão bem-resolvido sob o ponto de vista da distribuição de espaços: a capacidade de seu porta-malas era diminuta – a menor dentre os carros nacionais, apesar de poder ser um pouco ampliada com o recuo dos encostos do banco de trás; isto, entretanto, diminuía ainda mais o já claustrofóbico espaço disponível no compartimento traseiro, que apresentava assentos apertados, colunas largas e vidros pequenos.

Apresentado mundialmente no Salão de Paris de 1996, o Ka só seria fabricado na Espanha e no Brasil. Aqui, tal como aconteceu com o Fiesta, iniciou a produção com o reduzido índice de nacionalização de 60%. A versão mais cara (CLX) trazia vidros e trava elétricos, desembaçador e limpador do para-brisa traseiro, brake-light e cintos de três pontos para todos passageiros; direção hidráulica, ar condicionado e duplo air bag eram opcionais. Comercializado com duas opções de motor (1.0 e 1.3, ambos com injeção eletrônica), era previsão da Ford vender 53 mil unidades já no ano do lançamento.

O PRIMEIRO KA: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco dois volumes, três portas, quatro lugares, bagageiro com 182 litros, 3,62 m de comprimento; motor dianteiro transversal refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 999 ou 1.299 cm3, 53 ou 60 cv; injeção eletrônica multiponto; tração dianteira com caixa manual de cinco marchas sincronizadas; direção hidráulica (opcional, exceto no 1.0); suspensão dianteira independente McPherson e traseira interdependente, com eixo de torção e molas helicoidais; freios a disco nas rodas dianteiras e a tambor na traseira.

Em julho a Ford lançou a Courier, sua nova picape leve, derivada do Fiesta, em três versões de acabamento: básica (1.3), CLX e Si (ambas Zetec 1.4); a última, com apelo “esportivo”, tinha a grade pintada da cor do carro e vinha equipada, de série, com direção hidráulica. A carroceria da Courier trouxe diversas soluções práticas para o uso diário (algumas opcionais): tampa traseira removível, estribos incorporados ao para-choque traseiro, conjunto de brake-light e luzes de iluminação da caçamba, rede porta-objetos atrás dos bancos e vidro traseiro corrediço com grade de proteção. Além disto, apresentava a caçamba mais larga (1,44 m), comprida (1,82 m) e com maior capacidade de carga da categoria (700 kg), graças à distância entre eixos aumentada em 39 cm e à suspensão traseira com molas semi-elípticas trazida da Pampa. A bem equilibrada suspensão (dianteira McPherson e traseira com molas parabólicas de lâmina única) transmitia excepcional estabilidade. Com a chegada da Courier, a picape Pampa foi retirada de linha, depois de mais de 250.000 unidades fabricadas.

Algumas outras novidades surgiram naquele ano: em setembro, na feira Brasil Transpo, os caminhões C-2422 e 2425 Cargo Mixer, versões 6×4 especialmente preparadas para receber betoneiras, com tomada de força na dianteira e caixa de 10 marchas, duas delas super-reduzidas; e no mês seguinte, no Brasil Motor Show, o Escort hatch de três portas (ainda argentino); sua versão RS, dita esportiva, dotada de grade preta com padrão “favo de colméia”, faróis de milha, aerofólio com luz de freio, saias laterais, volante revestido de couro e computador de bordo, porém sem nenhuma alteração mecânica que pudesse caracterizá-la como mais esportiva do que os demais modelos; e, finalmente, o Escort Station Wagon, com quatro portas, nas mesmas versões e com a mesma mecânica do hatch.

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A Ford do Brasil esperou quase 40 anos para produzir o Fiesta, seu primeiro automóvel  nacional de pequeno porte; dois anos depois lançou o segundo – o Ka.

No campo empresarial, em 1997 a Ford decidiu desativar suas fundições de Taubaté e Osasco, terceirizando o serviço; por outro lado, comunicou os planos para nova ampliação da fábrica de motores de Taubaté e mais uma etapa na modernização da usina do Ipiranga. A notícia de maior impacto, no entanto, foi o anúncio, em outubro, de construção de mais uma fábrica de automóveis – a primeira fora do Estado de São Paulo. Havia tempo que a empresa sugeria, nas entrelinhas, a necessidade de fugir dos “salários elevados” e da pressão sindical do ABC, citando a Fiat como exemplo e atribuindo o sucesso da empresa mineira à sua localização, distante do “caldeirão operário” paulista.

A Ford acabou por acompanhar o movimento da GM, que meses antes decidira construir sua nova fábrica no Rio Grande do Sul, “rendida” às irrecusáveis benesses oferecidas pelo governo estadual: financiamento de parte dos investimentos, mediante ressarcimento em 15 anos, com cinco de carência e sem correção monetária; doação de terreno, terraplanagem e infra-estrutura (sistema viário e redes de fibras óticas, telefonia, água e esgotos); redução de impostos; fornecimento de capital de giro por dez anos em montante correspondente a até 10% do faturamento da empresa; e compensação financeira da parcela de juros sobre eventuais empréstimos do BNDES que ultrapassasse 6% a.a.. O município contemplado foi Guaíba, na região metropolitana de Porto Alegre; ali a Ford produziria um multi-activity vehicle (conceito poucos anos depois vulgarizado com o nome SUV – ou sport utility vehicle) conhecido pelo código Projeto Amazon.

O ano terminou com mais uma crise conjuntural na indústria automobilística, causada pela chamada Crise Asiática e pelos necessários ajustes na política econômica nacional (aumento de juros e IPI). A conseqüente natural foi a retração da demanda; a Ford reagiu com a redução da produção e a ameaça de demissão de 1.200 empregados. A empresa, no entanto, tinha muito a comemorar, a começar pelo primeiro título de Carro do Ano, depois de 14 anos, conferido pela revista Autoesporte para o pequeno Ka. Mais importante do que isto foram os resultados da produção do ano (incluindo caminhões): pouco mais de 230 mil unidades, recorde histórico da empresa em seus 78 anos de Brasil, com crescimento de 55,9% sobre 1996 (contra 14,7% do total do país). A empresa manteve a primeira posição em comerciais leves e reassumiu o segundo em caminhões médios, segmento no qual cresceu 45,6%. Ainda assim, no cômputo geral, a Ford permaneceu em quarta posição entre os fabricantes nacionais, com 11,1% da produção do ano. No entanto, como reflexo do baixo índice de nacionalização de seus carros e de sua política de importação em massa (foi responsável por quase 1/3 dos veículos completos trazidos de fora do país), a Ford foi a única empresa do setor que, contra as regras do Regime Automotivo, terminou o exercício com déficit (de 10%) na balança comercial com o exterior.

Na luta pelo mercado dos populares, em março de 1998 a Ford interveio no Fiesta, eliminando a versão 1.3 e reduzindo o preço do 1.0, que recebeu revestimento com novas padronagens, para-choques e grade da cor da carroceria, frisos laterais e opção de air bag. No setor de caminhões, foi preparado o C-2630 6×4, com motor Cummins de 8,3 l e 291 cv – modelo semi-pesado derivado do C-2425, vocacionado para a indústria canavieira.

Em agosto, já compondo a linha 1999, os dois modelos “populares” da marca ganharam versões “de luxo”: Ka Image e Fiesta Class, ambos com para-choques da cor do carro, direção hidráulica, vidros e travas elétricos, desembaçador e limpador traseiros de série; como opcionais eram oferecidos ar condicionado, air bag para o motorista e rodas de liga. Foi também criado o Ka Street, versão básica 1.0, fora da rede de distribuidoras, destinado à venda diretamente pela fábrica,  pelo sistema Fordirect. Logo a seguir o air bag duplo foi estendido (como opcional) a toda a linha, inclusive à Courier (que também recebeu direção hidráulica de série): com isto, além de fornecer a primeira picape leve do país com o equipamento, a Ford se tornava a primeira empresa nacional a oferecer air bags em toda a linha de automóveis. Quanto ao Escort, ganhou computador de bordo e guarnições cromadas em torno da grade e da placa traseira (exceto no “esportivo” RS). As vendas do modelo sedã foram descontinuadas.

Os únicos lançamentos importantes do ano ocorreram em outubro, com a renovação completa da Linha F, quando todos os modelos receberam cabines e estilo dianteiro totalmente novos. O antigo caminhão leve F-2000 foi ressuscitado, agora sob o nome F-350, com capacidade para 2,1 t e ainda trazendo rodado simples na traseira. Tanto F-350 como F-4000 vieram equipados com motor Cummins de quatro cilindros turbo de 3,9 l (com potência elevada para 135 cv, graças ao uso de aftercooler), caixa de cinco marchas sincronizadas com overdrive e saídas laterais para tomada de força, direção hidráulica e ABS. Embora continuasse utilizando freios a disco nas quatro rodas, o F-4000 perdeu a suspensão Twin-I-Bean, passando a trazer o tradicional conjunto de eixo rígido e feixe de molas parabólicas na dianteira. A cabine, que dispunha de barras de proteção nas portas, vinha com confortos típicos de automóvel: volante regulável, sistema antifurto, limpador com temporizador, cinto de três pontos regulável em altura.

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Em 1998 a Ford procedeu à última atualização da cabine da Série F, ocasião em que foi disponibilizada mais uma versão – o F-16000; alguns anos mais tarde a linha F seria parcialmente abandonada, permanecendo em produção apenas os modelos leves.

A F-1000 foi retirada de linha e substituída pela F-250, primeira picape de tamanho “gigante” fabricada no país, com 5,34 m de comprimento e 1,94 m de altura. Mostrada no XX Salão do Automóvel e lançada no início de 1999, tinha duas opções de motor – V6 a gasolina (4,2 l e 205 cv) importado e diesel Cummins turbo (quatro cilindros, 3,9 l e 145 cv), a cada um correspondendo capacidade de carga diferente, respectivamente 1.150 e 1.650 kg; meio ano depois seria oferecido um terceiro propulsor – o MWM turbodiesel de seis cilindros com intercooler, 6,0 l e 180 cv. O carro trazia direção hidráulica, banco do motorista com ajuste de altura e cintos de três pontos; ABS, ar condicionado, air bag para o motorista, rodas de liga e CD-player eram opcionais. A nova cabine foi também aplicada aos caminhões médios, que ganharam novo capô basculante, com linhas mais quadradas para poder acomodar os motores Cummins turbo de 5,9 l (162 ou 205 cv); os engenhos MWM foram abandonados e mais um modelo foi agregado à linha: o F-16000, com 16 t de PBT.

Os efeitos da crise econômica mundial estenderam-se por todo o ano de 1998, e ainda perdurariam por mais tempo, impactando negativamente sobre o conjunto da indústria automobilística brasileira. Em agosto, a Ford implantou a semana de 4 dias; em setembro as taxas de juros subiam mais uma vez; em outubro a empresa cortou o segundo turno de suas fábricas; o ano terminou com a declaração de um alto executivo da matriz, dizendo que a empresa, a partir daquele momento, se preocuparia menos com a participação no mercado e mais com a obtenção de lucros: “precisamos começar a ganhar dinheiro“. Ato contínuo, às vésperas do Natal foram decididas a demissão de mais 2.800 empregados em São Bernardo do Campo – correspondente a 41% do efetivo da fábrica –, a redução das promoções e a eliminação do subsídio aos juros nas vendas financiadas.

Tal seqüência de eventos não prenunciava, no entanto, resultados inesperados: num período em que a produção total de veículos diminuiu 23,3%, a Ford foi uma das menos afetadas, caindo 19,3%, contra 25,5 da VW e 33,1% da Fiat; com isto, apesar do momento conjunturalmente desfavorável, ajudada pelo desempenho não tão mau do segmento de caminhões a Ford ainda conseguiu aumentar sua participação no total produzido, passando de 11,1 para 11,7%.

No fundo do poço

1999, contudo, seria um ano péssimo para a Ford, um dos piores de sua história, começando pela reação dos operários demitidos que, numa greve ao contrário, continuaram a marcar o ponto, insistindo em trabalhar, enquanto que a empresa, por dias seguidos, impedia a ativação da linha de montagem. Para agravar o quadro, foram colocados em licença 880 dos 1.100 empregados de Taubaté e 702 dos 1.800 do Ipiranga. (Se a crise atingia a todos da mesma forma, a reação de cada fabricante diferia profundamente. Assim, em oposição à Ford e à visão puramente financeira da sua matriz norte-americana, que exigia “lucros a qualquer custo”, a Fiat, por exemplo, sabiamente utilizou a crise como oportunidade, acelerando sua política de lançamentos criativos, ousadia que lhe traria frutos definitivos a médio prazo.)

Ainda em janeiro o Real foi desvalorizado: mais uma vez, graças à ânsia globalizante da Ford (que deu origem ao baixo conteúdo nacional no Ka e Fiesta e às importações em massa da Argentina), foi ela a maior prejudicada entre os grandes fabricantes. (Sujeita ao mesmo impacto inesperado, imediatamente a Fiat decidiu transferir para o Brasil parte de sua linha argentina de veículos, aumentando conteúdo e produção nacionais; enquanto isso, a Ford suspendia por 17 dias a fabricação em São Bernardo e Taubaté e, um ano depois, ainda “pensava” na possibilidade de trazer para o Brasil a montagem do Escort.)

No final de março mais um golpe se abateu sobre a Ford: a recusa do recém-empossado governo do Rio Grande do Sul manter o pacote de benefícios acordado entre a empresa e a administração anterior para a construção da nova fábrica de Guaíba, julgado lesivo à economia do Estado e ao povo gaúcho. Neste caso, a resposta da empresa foi rápida – e truculenta – exigindo o cumprimento do contrato e dando um ultimato ao governo do Estado: “nosso prazo termina às 8 horas do dia 16 [de abril]”; e ameaçava: “a Ford vai fazer valer os seus direitos; (…) não vamos sentar para renegociar o contrato; (…) os incentivos são absolutamente vitais e condicionantes para a manutenção do projeto no Rio Grande do Sul. (…) Queremos igualdade com a nossa concorrente GM“. A GM, que construía fábrica em Gravataí, foi igualmente pressionada, porém já tendo recebido quase 90% do contratado logo entrou em acordo com o Estado. A Ford, que se encontrava em situação oposta – tinha 90% a receber – foi absolutamente inflexível, recusando-se a abrir mão de qualquer benefício. O impasse foi criado e, em 28 de abril, a empresa anunciou a sua saída do Rio Grande do Sul.

Imediatamente foi reaberta a guerra fiscal entre diversas unidades da Federação para sediar a nova fábrica, saindo a Bahia “vencedora” do leilão de privilégios e benefícios lançado pela montadora. Para isto, contou com a preciosa ajuda do ex-governador da Bahia e então presidente do Senado Antônio Carlos Magalhães que, fazendo valer seu posto, fez baixar Medida Provisória prorrogando o prazo de habilitação da Ford ao Regime Automotivo expandido, encerrado desde maio de 1997, que previa benefícios fiscais adicionais para empresas interessadas em se estabelecer nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste. Além do corte de taxas e impostos federais previsto no Regime Automotivo e nas normas específicas para investimento na área da Sudene, a Ford também gozaria por até dez anos da postergação do recolhimento de contribuições estaduais e municipais; o terreno e infra-estrutura para a usina, no município de Camaçari (anteriormente destinados à coreana Asia Motors), seriam doado pelos governo da Bahia. Mas tal espojamento ainda não era suficiente e a Ford imaginou um “custo-Bahia”, de US$ 500 por veículo, justificado pela distância existente entre a futura fábrica, o mercado e os fornecedores; mui oportunamente, a matriz de Detroit fez informar ao governo baiano e à União que não efetivaria o investimento caso não recebesse incentivos que compensassem o recém encontrado ônus. Magicamente, a capacidade fabril foi quase que duplicada (passou de 150 para 250 mil unidades/ano), elevando em US$ 50 milhões a “indenização” anual pela “má localização” da planta.

O atropelo das leis pelo presidente do Senado foi criticado pela oposição, pelo governador e deputados situacionistas de São Paulo e por alguns jornalistas econômicos, porém contou com total simpatia e boa vontade do Governo Federal e sua base política, que não descansou enquanto não viu encaminhada a solução positiva e a sansão final da Presidência da República à MP, em julho. A “vitória” da Bahia significou, em última instância, que um estado nordestino pobre, com baixo IDH e alto índice de analfabetismo contribuiria com muitas centenas de milhões de dólares para um empreendimento privado, propriedade de uma das maiores corporações norte-americanas e segunda empresa do mundo no setor.

Consumado o imbroglio da nova fábrica, ao invés de anunciar lançamentos, a Ford comunicou o fechamento, a curto prazo, da fábrica do Ipiranga, dada a sua localização em área urbana densamente habitada e a transferência da fabricação de caminhões e picapes para São Bernardo do Campo. (Enquanto isso, corria na Justiça o processo do Estado do Rio Grande do Sul contra a Ford, cobrando a devolução das parcelas do empréstimo já liberadas à empresa e do valor dos investimentos em infra-estrutura realizados pelo governo. Somente em novembro de 2016 – 17 anos depois! – o processo seria concluído e o Estado ressarcido.)

As poucas novidades positivas do ano surgiram a partir de setembro. Primeiro foi o facelift do Fiesta, que chegou com nova frente inspirada no estilo New Edge, para combinar com o Ka, e os novos motores Zetec RoCam 1.0 e 1.6, fabricados no Brasil (em Taubaté), finalmente começando a reduzir a conta de importação da empresa. Equipados com oito válvulas, balancim roletado e comando no cabeçote de alumínio, os novos propulsores eram 20 kg mais leves, igualmente econômicos, porém muito mais potentes que os anteriores (respectivamente 65 e 95 cv); sua melhor qualidade, porém, estava na capacidade de atingir torque máximo em baixas rotações; o 1.0, além disto, chegou como o mais potente do país na categoria. O Fiesta estava disponível em três versões de acabamento (GL, GL Class e GLX) e, além da grade lembrando o Ka, recebeu conjunto ótico dianteiro com lentes de policarbonato translúcidas, faixas de borracha nos para-choques e luz de ré integradas às lanternas traseiras. Os novos motores também foram aplicados ao Ka, que passou a contar com duas versões: o básico GL (com vidros verdes, retrovisores com controle remoto e encosto traseiro bipartido) e GL Image. Em outubro foi a vez do redesenho da picape Courier, apresentada com o novo motor RoCam 1.6 e frente semelhante ao Fiesta, porém com grade simplificada; o eixo traseiro foi modificado, de forma a aumentar o vão livre.

Finalmente, na XII Fenatran, dois novos modelos foram agregados à linha cargo – C-1421 e 1621 – equipados com motor Cummins de 210 cv; também foi mostrado o protótipo de um C-814 com chassi curto (2,80 m de entre-eixos) para aplicação em centros urbanos; batizado 814 VUC, foi colocado a venda seis meses depois.

Como seria de se esperar, os resultados do ano, para a Ford, foram catastróficos: somente 110 mil automóveis e caminhões foram produzidos, 40,5% a menos do que em 1998 (versus a queda de 14,5% na produção nacional). Desde 1971 a empresa não fabricava tão pouco no Brasil. Seus carros mais vendidos – Fiesta/Courier e Ka – terminaram o ano respectivamente em quinto e sexto lugar no ranking nacional. Para terminar, a Ford voltou a cair na divisão do bolo nacional, recuando para apenas 8,1% da produção total.

Em abril de 2000, como estratégia para baratear o Escort e torná-lo mais competitivo, a Ford criou uma versão básica com o motor RoCam 1.6 nacional, aliado a relações mais curtas no diferencial e na primeira marcha; com a troca do motor, este passou a ser o carro de menor preço na categoria. O propulsor 1.8 16v inglês permaneceu à disposição para o GLX. Pouco depois, relançou o Fiesta 1.0 três-portas (que se encontrava fora de linha desde o ano anterior) e que, sem opcionais, foi posicionado como o segundo automóvel mais barato do país.

Um presidente brasileiro para salvar a companhia

O último ano do século foi um período de introspecção para a Ford, desde o segundo semestre de 99 sob comando de novo presidente – Antonio Maciel Neto, jovem engenheiro brasileiro de 42 anos, não pertencente aos quadros da empresa e nem sequer do setor. Este, sem sobressaltos ou atos eloqüentes, finalmente dava os primeiros passos efetivos rumo à recuperação da empresa. Muito se esperava da fábrica de Camaçari, mas o movimento que se iniciava era mais profundo, subterrâneo, trazia mudanças de enfoques e posturas, formas mais sutis e amigáveis de enfrentamento das crises. E, o que parecia fundamental e havia muitos anos vinha sendo desprezado pela matriz, carreava maior autonomia para a administração das operações locais. O fato é que a extrema centralização das decisões nos EUA – comportamento tradicional na Ford exacerbado na fase “globalizante” da companhia –, foi a causa predominante da grande quantidade de decisões erradas e do quase naufrágio da filial brasileira. Nada mais se projetava no Brasil, e até a agência responsável pela publicidade da empresa foi trazida dos EUA. Na nova fábrica, por exemplo, desde a concepção das instalações à escolha dos veículos, do detalhamento dos processos à seleção dos componentes, tudo foi realizado e decidido no exterior, com a participação singela de alguns poucos brasileiros. A rigidez na definição dos fornecedores, obrigando-os a suprir diferentes unidades da empresa em torno do planeta, inviabilizou a presença de grande parte dos fabricantes nacionais, que ou tiveram que se associar a empresas escolhidas pela Ford ou perderam o cliente para firmas estrangeiras que nem sequer haviam ainda chegado ao país.

Parecia, de fato, que as coisas começavam a mudar. Deu-se nova ênfase às exportações, estabelecendo-se tornar a fábrica de Taubaté centro de fornecimento para o México, África do Sul, Índia, Argentina e Venezuela; em conseqüência, algumas dezenas de engenheiros brasileiros foram contratados para desenvolver motores e transmissões para os novos clientes. Nova família de automóveis foi introduzida no mercado (ainda que importada da Argentina), começando pelo belo Ford Focus hatch, que trazia o melhor do design europeu nas linhas limpíssimas e nos detalhes estéticos inéditos de sua moderna carroceria. Lançado em Genebra, no início de 1998, mostrava personalidade forte nas lanternas traseiras elevadas, na ampla tampa do porta-malas, nos vincos dos para-lamas e até nas pequenas lanternas sinalizadoras triangulares, junto às portas; grade e conjunto ótico assemelhavam-se ao Ka, com isto vinculando-o à família e ao conceito New Edge. Sob o ponto de vista mecânico, era atual, sem inovar: motor Zetec 16v (1.8 115 cv e 2.0 130 cv), suspensão independente nas quatro rodas (McPherson da dianteira, multilink atrás), freios a disco na frente, ABS, direção hidráulica. Além do hatch de cinco portas, a família era composta do muito menos interessante sedã, porém com clientela certa entre o público mais conservador. Dentre os muitos acessórios disponíveis estavam: ar condicionado, duplo air bag, computador de bordo, vidros elétricos nas quatro portas, banco do motorista com regulagem elétrica e CD-player com controle na coluna de direção. O novo lançamento tinha tudo para dar cara nova à Ford brasileira, cativar os consumidores extraviados e recuperar a autoestima da rede autorizada, descrente após tantos anos de frustração. Cabia aguardar os resultados destes primeiros sinais de transformação.

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Importado da Argentina, com estilo e projeto atualíssimos, o Focus fortaleceu a gama da Ford e trouxe novo frescor à marca.

O Focus foi oficialmente apresentado no XXI Salão do Automóvel. No mesmo mês, o caminhão leve F-4000 aumentou outra vez a potência, conquistando mais alguns cavalos de seu motor Cummins, que passou de 135 para 141 cv. Antes do fim do ano foi definitivamente abandonada a produção de chassis de ônibus (prenunciando sua futura desistência, desde o segundo semestre de 1998 a empresa só os fornecia por encomenda).

Naquele ano, a Ford cresceu 15% na venda de automóveis, porém perdeu o segundo lugar em caminhões para a Volkswagen. A produção total subiu pouco mais de 11% (contra 24,7% do conjunto da indústria); assim, sua participação caiu mais um pouco, limitando-se a 7,2% do montante fabricado no país. O volume de importações continuava pesando nas contas da companhia, que entre janeiro e setembro apresentou um déficit de US$ 150 milhões em sua balança comercial.

Em janeiro de 2001 foi concluída a transferência da linha de montagem de picapes e caminhões para São Bernardo; a fabricação e pintura das cabines dos caminhões Cargo foi terceirizada, passando às mãos da Usiparts, em Pouso Alegre (MG). Dos 1.500 empregados do Ipiranga, somente 500 acompanharam a mudança. A Ford aproveitou a oportunidade para proceder à primeira reestilização da linha Cargo. Grade e para-choque foram modificados, este integrando os estribos de acesso à cabine. Os faróis, agora quádruplos e redondos, em vez de retangulares, foram montados de forma diferente (lado a lado ou na diagonal) em cada um dos dois modelos de para-choque, projetados em função da altura e porte do veículo. Cada uma das 12 versões disponíveis passou a ser claramente identificável através do nome afixado na dianteira, em grandes algarismos adesivos. O modelo mais leve ganhou motor mais potente (152 cv), passando a ser nomeado C-815. Toda a linha veio com faróis com lentes translúcidas, direção hidráulica, volante menor, vidros verdes e banco do motorista com regulagem múltipla.

Em abril foi lançada a esperada versão esportiva do Ka, que recebeu o código XR. Equipado com o motor RoCam 1.6, de 95 cv, freios a disco ventilados na frente, suspensão enrijecida, pneus mais largos e novas relações na caixa, o carrinho tornou-se ainda mais ágil e nervoso. Externamente, ganhou saias laterais, aerofólio, rodas de liga e duas entradas de ar adicionais no para-choque dianteiro para alimentar o radiador ampliado. O acabamento interno era o mesmo do básico 1.0, à exceção do conta-giros, duplo air bag, volante esportivo e da cor prata no núcleo central do painel. Segundo o jornal O Globo (18/04/01), o Ka XR era “um esportivo como há muito não se via no Brasil“.

Em setembro, a Ford anunciou a criação de uma diretoria específica para a gestão do negócio de veículos comerciais, buscando fortalecer um segmento no qual a empresa sempre foi representativa e que começava a ser dominado pelo crescimento firme da VW Caminhões. Maior apoio foi dado aos instrumentos de financiamento e à assistência técnica, com a criação dos serviços Peça Fácil e Disk Ford, garantindo o suprimento de peças e o atendimento de emergência ao caminhoneiro em até 24 horas após feito o pedido. Em complemento, três novos produtos foram lançados na XIII Fenatran: F-250 Super Duty, com eixo traseiro reforçado, motor MWM turbo intercooler (seis cilindros, 4,2 l e 180 cv) e 1,5 t de capacidade de carga; um chassi multiuso, com base no leve C-815, preparado para receber carrocerias de micro-ônibus, carros-fortes para o transporte de valores, vans e motor-homes; e mais uma versão média para a linha Cargo, C-1630, uma evolução do C-1622, com motor Cummins de 291 cv e 4,80 m de distância entre eixos.

No dia 12 de outubro foi pré-inaugurada a nova fábrica de Camaçari, operando ainda em ritmo de testes, produzindo a já conhecida picape Courier para treinamento dos 800 trabalhadores já contratados (seriam 2.300 seis meses depois). A planta foi constituída como um moderníssimo condomínio industrial composto de 29 consórcios fornecedores – já conhecidos pelo neologismo “sistemistas” –, a maior parte estrangeiros, 14 deles compartilhando com a Ford áreas vizinhas à linha de montagem; pintura e estamparia (esta totalmente automatizada) eram dois dos serviços de responsabilidade de terceiros. Contando com 512 robôs, suas instalações foram dimensionadas para a fabricação de 250 mil veículos/ano, podendo-se produzir um carro a cada 80 segundos a um salário médio equivalente a 30,4% daquele em vigor no ABC. Previa-se serem criados cinco mil empregos diretos no complexo fabril (no caso de operação em três turnos). Não havia diferenciação entre os operários da Ford e os demais: todos usavam o mesmo uniforme, recebiam o mesmo salário e até mesmo estavam subordinados ao mesmo sindicato. Era expectativa da empresa produzir 60 mil unidades em 2002 e 120 mil no ano seguinte.

Logo após o arranque da fábrica baiana a Ford iniciou as vendas do Fiesta sedã, construído no México com componentes mecânicos brasileiros. Ao mesmo tempo, apresentou o modelo Ka 2002, trazendo oportuna reestilização. Foram algumas poucas modificações, centradas na suavização de curvas e eliminação de superfícies excessivamente bojudas, que produziram excelente resultado e tornaram o visual do carro, em especial na traseira, muito mais leve e agradável. Foram mudados os para-choques e o formato da tampa da mala e do vidro traseiro; as lanternas cresceram em altura, pela adição de mais um módulo com a luz de ré, e a grade ficou um pouco mais parecida com a do Focus. A eliminação da antiga maçaneta do porta-malas e a transferência da placa do para-choque para a tampa traseira produziram um efeito extraordinário. Estas alterações foram concebidas no Brasil (mais um sinal de mudança na postura da Ford) e só aplicadas aos Ka aqui fabricados. A mecânica e as versões de acabamento se mantiveram as mesmas.

Ainda em outubro, a Ford finalmente voltou a vender carros a álcool; último grande fabricante a retomar a produção de motores adaptados ao combustível, a Ford já havia anunciado há mais de um ano dispor de um motor adaptado para aquele fim – o RoCam 1.6, desenvolvendo 109 cv; num primeiro momento o motor a álcool estaria disponível apenas para o Escort Station Wagon na versão GL.

Com o novo Fiesta, o início da recuperação

A produção total da Ford, em 2001, foi praticamente igual à do ano anterior; como a produção do país cresceu um pouco, sua participação no bolo voltou a cair: 6,6%, ponto mais baixo em sua história. Apesar do ótimo desempenho da marca no mercado de veículos comerciais, em especial do F-350 e F-4000, naquele ano a Ford perdeu o 2º lugar para a Volkswagen Caminhões. As exportações cresciam, inclusive para Austrália, para onde estava sendo enviado um modelo da F-250 com direção à direita e motor Maxion V8 turbodiesel com 7,3 l e 275 cv; também se iniciava um relacionamento promissor com México. Mas os automóveis Ford continuavam a não atrair os compradores brasileiros. Seu carro de maior sucesso, o Fiesta, caíra para 7º lugar no ranking e o Ka teve suas vendas reduzidas em mais de 38%; e pior: por quatro meses seguidos a Ford foi ultrapassada pela recém-chegada Renault. Embora a empresa apostasse todas as fichas no Projeto Amazon e acreditasse que só ele poderia salvá-la, reagiu rapidamente com uma inteligente e maciça campanha publicitária. Lançada em setembro, com o mote “Deixe um Ford surpreender você”, nela o próprio presidente oferecia R$ 100 a qualquer um que, testando um carro da Ford, ainda optasse por um veículo de outra marca. Complementarmente, a empresa ampliou as vendas pela internet, nelas incluindo (pela primeira vez no país) as picapes.  

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Novo Fiesta, de 2002, primeiro automóvel produzido na recém-inaugurada fábrica baiana da Ford.

2002 começaria com mais ameaças, mais uma vez vindas da matriz, que entrava em crise global, com foco principal nos EUA, cujo mercado sofria forte impacto da invasão dos fabricantes orientais. Para dar resposta “aos acionistas”, a administração central anunciava projeto de profunda reestruturação (“para que a empresa volte a ser competitiva e tenha lucros“), envolvendo  o corte de 35 mil empregos, 1.600 na América do Sul.

No Brasil, a companhia continuava a investir na linha de veículos comerciais, e em abril incrementou a capacidade de carga de vários modelos: os Cargo de 16 t ganharam 800 kg, transformando-se no C-1721 e 1722, e os de 24 t, 3.200 kg, sendo renomeados C-2622 e 2626; já o C-2630 e o 4030 ganharam potência com a introdução de novo motor Cummins, passando de 291 para 303 cv, recebendo a classificação C-2631 e 4031. Mais cinco modelos foram lançados em setembro, quatro deles resultantes do aumento de capacidade de versões anteriores (C-1317, 1517, 1521 e 1717) com reforço na suspensão, embreagem e freios; o último, o cavalo-mecânico C-3222, derivou da combinação do motor Cummins de 218 cv com o chassi do C-4031, formatando um veículo adequado para tracionar cargas volumosas e de menor densidade. Todos os cavalos-mecânicos passaram a receber, de série, banco do motorista com suspensão a ar.

Em maio foi lançado o novo Fiesta, primeiro produto da família Amazon, para a qual foi erigida a fábrica de Camaçari e em quem a Ford depositava todas as suas esperanças de ressurreição. Racional e bonito, era um fiel representante do conceito New Edge em suas linhas puras e nos pontos em comum – em especial o padrão da grade – com os mais recentes modelos da marca: Ka, Focus e Mondeo. O Fiesta foi projetado sobre nova plataforma, um pouco mais longa e larga do que a do modelo antigo, e seria seguido de mais cinco versões: sedã, caminhonete, picape, minivan e um pequeno sport-utility (a lista seria reduzida a quatro, até 2005; no entanto, como se verá, metade delas não chegaria a acontecer). A concepção mecânica permaneceu inalterada: tração dianteira, cinco marchas, freios a disco na frente, suspensão independente (McPherson na frente, eixo de torção e molas helicoidais atrás); ABS e air bags eram opcionais. Eram duas as versões de acabamento (Personalité e Class) e três as motorizações RoCam: 1.6 (98 cv), 1.0 aspirado (66 cv) e o inédito 1.0 Supercharger (95 cv), o primeiro nacional com sobrealimentação por compressor mecânico. No dia do lançamento a Ford apresentou à imprensa a versão 1.6 Flex-Fuel, desenvolvida na fábrica de Taubaté. O Fiesta antigo foi mantido no mercado apenas na versão básica Street, exclusivamente para vendas pela internet. Com o novo carro a Ford enfim voltou a se preocupar com o nível de nacionalização de seus produtos, no caso alcançando o razoável índice de 85%, 71% dos quais oriundos de fornecedores instalados na própria fábrica.

O carro foi muito bem recebido pela imprensa especializada, que elogiou sua agilidade, funcionalidade e espaço interno, mas não poupou críticas ao mau acabamento; especialmente louvados foram o prazer de dirigir e o desempenho da versão Supercharger. A Ford tinha, finalmente, um automóvel que incitava a curiosidade do consumidor: a demanda cresceu com rapidez e menos de três meses depois do lançamento a usina de Camaçari abria segundo turno e contratava mais mil trabalhadores.

Aquele foi um ano excepcional para a Ford brasileira. Foi preparada uma nova versão básica do Ka, para venda pela internet, que podia ser enriquecida com alguns pacotes de acessórios, chamada #1 (ou One). Além do sucesso do novo Fiesta no mercado interno, cuja chegada vinha sendo preparada desde 2001 por inteligentes campanhas publicitárias com foco no público mais jovem, o carro despertou grande interesse na América Latina e para lá começou a ser enviado em quantidade, inclusive na versão diesel. As exportações, aliás, aumentaram acima da média do setor, assim como a venda de caminhões. Apesar da queda de 1,4% na produção nacional, a da Ford (carros mais caminhões) cresceu 32,7%, cifra inimaginável pouco tempo antes. A Ford estava “saindo do poço”: sua participação no total fabricado subiu para 8,9% e, no ano seguinte, voltaria a índice de dois dígitos.

Lançamento do EcoSport

Em janeiro de 2003 o Ka Action, de acabamento simples mas comportamento esportivo, apresentado como série especial no ano anterior, entrou em linha como modelo seriado. Em fevereiro, em meio a uma festa em Manaus, à beira do rio Negro, foi lançado o EcoSportprimeiro utilitário esportivo de fabricação nacional e segunda cria do Projeto Amazon. A rigor, o carro surgiu antes do novo Fiesta: sua origem remonta a 1996, quando a Ford brasileira preparou um SUV compacto sobre a plataforma do Courier; logo depois, porém, com o desenvolvimento de nova plataforma para o Fiesta, na Europa, o projeto original foi abandonado e o EcoSport acabou assumindo suas feições finais, unindo uma carroceria projetada nos EUA à base do novo Fiesta, com o qual compartilhava mais de 50% das peças. Seu protótipo foi a grande sensação do XXII Salão do Automóvel, no final do ano anterior, onde foi pela primeira vez apresentado.

O carro foi lançado na versão 4×2, com 95% de nacionalização e três opções de motor: 1.0 Supercharger, 1.6 RoCam e 2.0 de 143 cv, importado do México. Também três eram as versões de acabamento: XL (básica, com direção hidráulica, volante regulável, limpador traseiro e assento do motorista com ajuste de altura), XLS (trio elétrico, bagageiro no teto e ar condicionado de série) e XLT (com ABS, rodas de liga e para-choques da cor do carro). Grande era a lista de opcionais, dentre eles air bag duplo, estofamento de couro, CD-player, capa para o estepe, quebra-mato, protetor do cárter e estribos laterais. O EcoSport tinha painel e cabine funcionais, com vários porta-objetos (e até um compartimento refrigerado opcional), mas pecava pelo mau acabamento e por utilizar materiais de pouca qualidade. Mais uma vez a Ford foi feliz no acerto do carro, elogiado pela precisão da direção e excelente comportamento na estrada – “direto e firme“, segundo o jornal O Globo (01/01/03); o vão livre de 25,7 cm permitia-lhe, segunda a Ford, ultrapassar vaus de 45 cm de profundidade; o centro de gravidade elevado não prejudicava a estabilidade. Avaliado por 4 Rodas (ago/05), entretanto, o carro decepcionou, tantos foram os  pequenos defeitos que apresentou ao longo dos 60 mil km do teste.

O PRIMEIRO ECOSPORT: SUA FICHA TÉCNICA: carroceria monobloco dois volumes, cinco portas, cinco lugares, bagageiro com 296 litros (712 l, com banco rebatido), 4,22 m de comprimento; motor dianteiro transversal refrigerado a água, com quatro cilindros em linha, 1.0, 1.6 ou 2.0 l, 95, 98 ou 143 cv; tração dianteira com caixa manual de cinco marchas sincronizadas; direção hidráulica; suspensão dianteira independente McPherson e traseira interdependente, com eixo de torção e molas helicoidais; freios a disco nas rodas dianteiras e a tambor na traseira.

Ao mesmo tempo em que atacava no segmento de automóveis, a Ford também ampliava a linha de veículos comerciais, apresentando em março o seu maior caminhão, o cavalo-mecânico Cargo C-4331 MaxTon, com motor Cummins de 303 cv, transmissão (não sincronizada) de 13 velocidades e 43 t de capacidade de tração. Investindo no conforto do motorista, o veículo vinha com banco com suspensão pneumática e ar condicionado de série. Voltando a se orgulhar do nível de nacionalização de seus produtos, a Ford informava o índice do 4331: 98%. A empresa também lançou versões dos modelos C-815 VUC e C-1722 adaptadas para o serviço de coleta de lixo, chamadas Kolector.

Em setembro a Ford colocou a F-250 cabine dupla à venda no mercado brasileiro, modelo até então fornecido somente para exportação para a Austrália. Maior picape do país, mastodonte agressivo com 6,24 m de comprimento e seis bancos individuais, que exigia do condutor a licença tipo C (para veículos acima de 3,5 t), o carro era acionado por um turbodiesel MWM de 180 cv (seis cilindros, 4,2 l) com caixa de cinco marchas e tração traseira. Seu entre-eixos foi alongado em 90 cm com relação à picape normal, da qual herdou a caçamba. Dado o peso adicional da cabine a capacidade de carga ficou reduzida a 1.155 kg. Havia duas versões de acabamento: XL (ABS e ar condicionado de série) e XLT (grade xadrez e para-choques cromados, rodas de alumínio, CD, viva-voz, air bags).

No mês seguinte, na Fenatran, foram lançados mais três caminhões: C-815s, variante do leve C-815 com chassi longo (4,30 m de entre-eixos) e capacidade 10% maior, para cargas urbanas volumosas; e os médios C-2421 e 2422 MaxTruck, com 3º eixo de fábrica (equipado com suspensor eletropneumático acionado por uma tecla no painel) e duas distâncias entre eixos (6,02 e 6,52 m).

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Com o EcoSport, disponível em versões com tração em duas e quatro rodas e também fabricado na Bahia, a Ford voltou a contar com um produto sucesso de mercado.

Em seu comunicado de fim de ano, o presidente Maciel Neto declarou: “Recuperamos nossa autoestima de ser Ford“. A realidade justificava suas palavras: 2003 terminava com a iminência da implantação do 3º turno em Camaçari, cuja produção já superava a de São Bernardo do Campo; Fiesta e EcoSport eram enormes sucessos; o faturamento nas exportações foi 44% maior do que o do exercício anterior – e ainda poderia ter sido melhor, caso a matriz não rompesse o acordo de compra de 40 mil EcoSport por ano, sob a alegação de que o carro era “excessivamente pequeno para os EUA”; no mercado interno, as vendas de carros de passageiros, picapes e caminhões subiram acima das médias do setor. Com isto, em contraste com o baixíssimo aumento da produção nacional (2%, no período), a Ford cresceu 37,5%. Em reconhecimento pelo trabalho de Maciel Neto, a matriz promoveu-o a presidente para a América do Sul, cargo acumulando com a presidência da filial brasileira.

Foram muito poucas as mudança, para 2004, na linha de automóveis; de mais relevante, apenas nova grade com padrão de losangos e console central com porta-objetos e local para copos no Ka e a adoção de motores brasileiros (RoCam 1.6, 103 cv, em lugar do inglês 1.8 16v) no Focus argentino. O Escort já se encontrava fora de catálogo; cada vez menos vendido, deixou de ser importado em meados de 2003 (nos anos mais negros da crise, quando a Ford necessitava imperiosamente melhorar sua balança comercial, houve planos de transferir para o Brasil a produção do Station Wagon, o que não chegou a acontecer).

Dois marcos históricos: recorde de vendas e extinção da tradicional linha F de caminhões

Em abril chegou o EcoSport 4WD, dotado de moderna tração integral Mazda (firma japonesa da qual a Ford era acionista). Composto por um conversor de torque de acoplamento viscoso, montado junto ao diferencial traseiro, sistema que permitia distribuição variável do poder de tração por cada roda em função das solicitações do terreno, também dispunha de um bloqueio elétrico, acionado por botão no painel, capaz de fixar o torque na relação ½ a ½, por eixo, caso fosse necessário; não havia reduzida. Fornecido apenas com motor 2.0 a gasolina (143 cv, importado), o 4×4 ganhou suspensão traseira independente do tipo multilink, com braços articulados transversais e molas helicoidais. Alguns outros ajustes foram feitos na mecânica: novas relações na 1ª e 2ª marchas, reforço da suspensão dianteira, tambores de freio traseiros maiores.

Além do dístico indicativo do modelo, dos estribos laterais, faróis de neblina e lentes fumê, nada mais distinguia o 4×4 da versão “normal”; havia várias opção de cor, porém em uma única – a amarela – os para-choques, molduras das janelas e retrovisores vinham apresentados na cor preta, (nas demais versões vindo na cor da carroceria). Internamente, o acabamento foi um pouco melhorado com relação ao 4×2 e algumas partes receberam material em tons prata e cinza fosco; o volante foi revestido de couro e os bancos da frente ganharam apoios laterais. De série eram ABS, direção hidráulica, air bag duplo, ar condicionado, aparelho de CD e trio elétrico. Embora houvesse um único opcional – o revestimento interno em couro – era grande a lista de acessórios disponíveis, desde aerofólio, engate para reboque e protetor plástico do para-choque (falso quebra-mato), até bússola com inclinômetro e rack no teto. Inexplicavelmente, também o protetor de cárter, essencial num veículo como este, era vendido como acessório. O 4WD tinha 28° de ângulo de ataque e 34° de ângulo de saída. Foi lançado como o SUV mais barato do mercado.

O segundo lançamento importante do ano aconteceu no XXIII Salão do Automóvel: Fiesta Sedan, o terceiro rebento da família Amazon. Com ele chegou o primeiro motor bicombustível da marca, o 1.6 RoCam Flex, desenvolvendo 105 cv, a gasolina, e 111 cv a álcool (apesar de ter sido a primeira a apresentar um protótipo de motor flexível, a Ford foi o último grande fabricante a colocá-lo em produção); além do Flex, também estavam disponíveis duas unidades de um litro: aspirada e Supercharger. Desenvolvido no Brasil sobre a plataforma do Fiesta hatch, o sedã trazia a mesma distância entre eixos, porém comprimento 29 cm maior, permitindo formar um grande porta-malas de 478 litros, que podia ser ampliado ainda mais com o rebatimento do encosto dos bancos traseiros; adicionalmente, havia um compartimento menor, sob o piso da mala, para pequenos volumes. As versões eram duas: First e Trend. O carrinho veio bem equipado e melhor acabado do que o hatch. O Fiesta Sedan foi o Carro do Ano 2005 da revista Autoesporte.

O restante da linha também esteve presente no Salão, mostrando maior número de itens de conforto e acessórios, denotando a preocupação da Ford na melhoria do acabamento da família Amazon e na valorização do Ka. Os carros fabricados na Bahia, por exemplo, receberam travamento automático das portas a 15 km/h, temporizador da luz interna e iluminação no porta-luvas e porta-malas; o  Ka ganhou sua quinta versão (GL Class), além da #1, GL, Action e XR, atendendo a diferentes perfis de consumidores. O motor 1.6 Flex foi estendido ao Fiesta hatch.

Um pouco antes do salão, a Ford lançou o caminhão leve F-350 equipado com a cabine-dupla da picape F-250 e capacidade de carga útil de 1.820 kg; mostrado um ano antes na Fenatran, o veículo foi projetado para atender às necessidades específicas das empresas de energia e telecomunicações, importantes usuárias do F-350, que careciam de maior espaço para transportar suas equipes de manutenção.

Ao longo de 2004 a produção consolidada da Ford subiu 26,4%, praticamente o mesmo que o crescimento nacional; sua participação, portanto, permaneceu igual à do ano anterior: 12%. Ainda assim, foi um resultado histórico – 278 mil veículos, recorde da empresa em seus 47 anos de operação no país como fabricante. Maciel Neto foi mais uma vez promovido, desta vez convidado a ocupar uma das 30 vice-presidências corporativas da Ford mundial; foi o primeiro brasileiro a receber o encargo. No entanto, voltavam a pairar nuvens cinzentas no horizonte: apesar de todos – da rede de revendas a executivos da empresa – sentirem a necessidade urgente de dispor de um carro “de entrada”, categoria que concentrava mais da metade das vendas de carros no país, a matriz reagia: “A matriz me deu a diretriz de gerar lucro“, afirmava Maciel, e carros baratos não davam lucro; “para ganhar dinheiro“, a estratégia traçada nos EUA determinou que a subsidiária se concentrasse nos carros pequenos, porém não os “de entrada”, e só voltasse a investir quando a ociosidade das plantas recuasse para abaixo de 20%. Como se não bastasse, foram impostos novos cortes nos custos fabris e administrativos, inclusive em publicidade. Estaria a Ford brasileira prestes a “perder o bonde” mais uma vez?

Enquanto aguarda a renovação da linha de carros, investimento na linha de carga

Em março de 2005 a marca começou a trocar os motores diesel de seus caminhões Cargo leves e médios por unidades “eletrônicas” Cummins Interact 4 (quatro cilindros), de forma a atender e às novas normas de emissões (Euro III, segunda fase). Última empresa a se enquadrar à legislação federal, seus novos veículos passaram a ser caracterizados pela letra “e” aposta ao código do modelo. O novo motor, com sistema de injeção de alta pressão common rail e gerenciamento eletrônico, era 45% mais potente (170 cv) e tinha torque 30% maior do que o anterior. Custando, em média, 13% a mais do que os antigos, os caminhões “eletrônicos”, segundo a empresa, sofreram alterações mecânicas no câmbio, transmissão e freios, de modo a garantir melhor desempenho; além disso, ganharam ar condicionado de série, sistema eletrônico de monitoramento e diagnóstico de falhas, novo painel de instrumentos e melhor isolamento termo-acústico da cabine.

Explorando a fundo o potencial da linha Cargo, novos modelos foram sendo lançados ao longo do ano, sempre rcomo esultado do incremento de versões existentes: dois 6×4 (C-2831 e 5031, evoluções do C-2631), com 303 cv, nova caixa de 10 marchas (não sincronizadas), nova embreagem e eixo traseiro, árvores de transmissão e sistema de refrigeração reforçados – o segundo com capacidade de tração de 50 t na configuração “romeu-e-julieta”; e o cavalo-mecânico C-4331s MaxTon (versão do 4331), também com 303 cv, entre-eixos de 3,76 m e 43,6 t de capacidade de tração. Outras novidades no modelo foram a nova caixa de 18 velocidades (não sincronizadas) e a utilização de molas parabólicas (nos dois eixos) em lugar das tradicionais semi-elípticas.

Em outubro, na XV Fenatran, os motores “eletrônicos” chegaram ao restante da linha Cargo (nove modelos semi-pesados e pesados). A motorização, agora, era Cummins de seis cilindros Interact 6 (5,9 l, 220 ou 275 cv) ou ISC (8,3 l, 320 cv); dada a potência mais elevada dessas unidades, foi mudada a nomenclatura de todos os modelos, inclusive daqueles três recém-apresentados. Ainda na Fenatran, os leves F-350 e 4000 receberam novo motor Cummins B, derivado do modelo anterior, de 150 cv; embora “mecânico”, o sistema de injeção e a temperatura de trabalho foram ajustados de forma que atendesse às novas normas ambientais; sua potência, entretanto, foi reduzida em 20%, passando para 120 cv. (Quando estes novos caminhões fossem colocados no mercado, no início do ano seguinte, a Ford interromperiatemporariamente” a produção dos vetustos F-12000 e 14000.) Na Fenatran foi ainda lançado um kit para as picapes Ranger, importadas da Argentina, permitindo a adaptação de seus motores 2.3 a gasolina para o uso de gás natural.

No meio do ano o motor 1.6 Flex chegou ao EcoSport 4×2 – que, aliás, já era o líder de exportação da Ford; também foi melhorado o isolamento acústico do carro. Acompanhando a moda das versões “aventureiras” de comportados automóveis de passeio, foi criado um conjunto de acessórios para o Fiesta, instalado pelas concessionárias, chamado Trail, dando ao carro visual off-road, sem contudo afetar em nada o seu comportamento no uso fora de estrada; ainda para o Fiesta foi oferecido um pacote “esportivo” – ST. Por fim, a picape Courier, na versão básica, teve aumentados o comprimento da caçamba (para 1,81 m) e a capacidade de carga (de 700 para 750 kg).

Em 2005 a indústria automobilística norte-americana começou a mostrar os primeiros sinais da enorme crise que a dominaria três anos depois; o quadro, assim, se invertia: prejuízo nos EUA e (desde 2004) lucros consistentes no Brasil. Em setembro, Maciel (que continuava como responsável pelas operações na América do Sul) deixava a presidência brasileira nas mãos de mais um norte-americano. Camaçari, operando em três turnos e seis dias por semana, ultrapassava sua capacidade máxima, alcançando a produção anual de 260 mil veículos, ou 912 por dia. Em julho a fábrica completava seu 500.000º veículo. O quadro de pessoal era de 3.390 empregados, versus os 5.000 prometidos anos antes, na fase de “caça aos incentivos”. Entre 2003 e 2004 a produção da Ford aumentou quase 18%, contra a média nacional de 9,2%; sua fatia no bolo cresceu mais um pouquinho, passando a 12,9%. Para completar o ano de sucessos, um F-4000 da equipe Autoliner, patrocinado pela fábrica, foi o vencedor, na categoria caminhões, do Rallye dos Sertões 2005 – a mais importante prova fora-de-estrada das Américas e única, no país, de caráter internacional (o modelo voltaria a vencer a competição em 2006 e 2007, respectivamente com as equipes Autoliner e Território).

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Aproveitando apenas portas e para-brisa do modelo anterior, o Ford Ka foi totalmente redesenhado em 2007.

O ano de 2006 começou com o anúncio ao Presidente da República de grandes investimentos programados no país para até 2011, dentre os quais a aquisição da cearense Troller e (já definitivamente abandonada a idéia dos “carros mundiais”) o desenvolvimento de “produtos específicos para o mercado brasileiro“. Enquanto isto, nos EUA, a Ford comunicava seus planos de médio prazo para a América do Norte: eliminação de 30 mil empregos (meses depois elevada para 44 mil), fechamento de 14 fábricas, diminuição da produção em 26% e redução dos custos em até US$ 6 bilhões, até 2010.

Em maio, no primeiro lançamento do ano, a picape F-250 ganhou versão 4×4, com reduzida, além de ser agraciada com mudanças estéticas e mecânicas: eram novos os faróis com lentes translúcidas, a grade, os para-choques (cromados, na versão XLT), o painel de instrumentos e o motor com gerenciamento eletrônico Cummins MaxPower (3,9 l, 203 cv). A suspensão dianteira foi mudada por um eixo rígido com feixes de molas e aumentado para 2,50 m o comprimento da caçamba no modelo 4×4 cabine simples; também foi melhorado o isolamento acústico e oferecidos, como opcionais, bancos individuais e console central.

Em agosto finalmente saiu o Fiesta (hatch e sedã) com motor RoCam 1.0 Flex; apresentando a mais elevada taxa de compressão do país num motor Otto (12,8:1), a unidade desenvolvia 73 cv (com álcool) ou 71 cv (a gasolina); com a chegada do novo motor, foi extinta a versão Supercharger. O XXIV Salão do Automóvel não trouxe novidades significativas: apenas a opção de transmissão automática para o EcoSport; o equipamento, de projeto japonês mas importado dos EUA, tinha quatro marchas e só podia ser instalado na versão 4×2 de dois litros.

O ano que terminava acendeu a luz amarela para a Ford. No primeiro semestre, Maciel Neto pediu afastamento da Ford e assumiu a presidência-executiva de uma empresa brasileira de papel e celulose. O mercado interno de automóveis esteve razoável, com forte sinalização de crescimento e, apesar da valorização do real frente ao dólar, foi excelente o desempenho da empresa na exportação de caminhões. Mas o “estilo Ford” de administrar, centralizador, conservador e obsedado pelo lucro a qualquer custo, voltava a estrangular a subsidiária brasileira. Diante de uma concorrência extremamente dinâmica, suas reações eram sempre lentas, dependentes de posições reticentes e decisões demoradas da matriz: assim foi no lançamento tardio do motor bicombustível e, principalmente, do 1.0 Flex; assim estava sendo na demora da substituição do Ka, que jamais cumpriu o papel de “carro de entrada” da marca; assim seria com a decisão de expandir Camaçari, que havia mais de um ano operava acima da capacidade máxima e estaria despreparada para atender a explosão da demanda que estava para acontecer no país. Em conseqüência, sua produção total acabou por cair um pouco no ano, bem como as vendas internas dos seus carros melhor posicionados no mercado: o Fiesta, em 7ª posição, e o EcoSport, em 9ª; as vendas do Ka melhoraram bastante, graças à redução de preço, porém não impediu que passasse do 22º posto no ranking nacional. Resultado final: recuo da participação na produção nacional de automóveis e caminhões de 12,9 para 12,3%.

Em janeiro de 2007 foi oficialmente mostrada a reestilização do Fiesta, concentrada na dianteira (grade retangular, conjunto ótico de dupla parábola, capô e para-choque) e em detalhes do acabamento interno, buscando melhorar o aspecto e a qualidade dos materiais utilizados; o isolamento acústico foi reforçado e o painel levemente modificado (bocais da ventilação, marcadores analógicos). Na traseira as mudanças foram mínimas, resumindo-se no remanejamento das lentes das lanternas e no novo formato da base do para-choque. A mecânica permaneceu igual. Meio ano depois a versão Trail foi colocou em série, trazendo falso quebra-mato plástico, estribos laterais e complemento plástico ao para-choque traseiro com olhos-de-gato, tudo na cor cinza, além de bagageiro no teto e rodas de liga; direção hidráulica, ar condicionado, trio elétrico e som com MP3 eram itens de série. Ao mesmo tempo, foi trocada a nomenclatura das demais versões: a básica First passou a Fly e a superior Trend virou Pulse. O motor 1.6 Flex foi aplicado à picape Courier e ao Focus argentino, no último caso com excelentes resultados, transformando o carro, segundo a imprensa especializada, num dos melhores da categoria.

Em outubro saiu a primeira revisão estética do EcoSport, que perdeu parte do seu estilo limpo e racional, trocado por traços “com a rudeza das picapes americanas“, como bem acentuou o caderno de automóveis d’O Globo (24/10/07). Toda a frente ficou mais agressiva, sensação reforçada pelo para-choque massivo e pelo desenho da grade, em H. Na traseira, somente mudaram as lanternas, onde as luzes de freio e sinalização foram salientadas através de elementos circulares, e o para-choque, que recebeu falsos reforços nas laterais. O painel também foi renovado – e muito melhor acabado – e o banco do motorista ganhou regulagem lombar; especial atenção foi dada à redução dos ruídos da carroceria. Dentre os novos opcionais se encontravam computador de bordo, comandos do rádio na direção e alerta de velocidade. Não houve alterações mecânicas, apenas ajustes nos freios e relações do câmbio.

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Estilisticamente alinhado com os principais modelos mundiais da marca – Fusion, Focus, Fiesta – o mais recente Ford Ka foi projetado no Brasil.

Na terceira semana de dezembro, finalmente, foi apresentado o tão esperado (e necessário, para a empresa) “carro de entrada” da Ford. Como herdeiro do inovador Ka, no entanto, foi uma proposta frustrante: embora resolvesse a maior deficiência do seu antecessor – a falta de espaço no porta-malas e banco traseiro –, o novo Ka primava pela falta de harmonia no estilo, um conjunto de vincos e linhas discordantes, especialmente na traseira, como se, intencionalmente, tivesse que representar a antítese do ousado modelo anterior. Do Ka antigo foram apenas aproveitados portas e para-brisa. Utilizando a mesma plataforma do Ka original, era porém 21 cm mais longo (3,88 m) e seu espaço útil para bagagem quase 42% maior (263 l, contra os 186 originais). O carro, fabricado em São Bernardo do Campo, foi lançado apenas na versão três-portas. A mecânica era a mesma, a menos da motorização, que pela primeira vez dispunha da opção 1.0 Flex (70 e 73 cv, a gasolina e álcool), além do tradicional RoCam 1.6 (102 e 100 cv). O que não mudou foi o ótimo comportamento dinâmico do velho Ka, que permaneceu intacto. Em dois testes simultâneos, a revista Car and Driver (02/08) comparou o novo Ka 1.0 com outros quatro carros “mil” nacionais (VW Gol, Renault Clio, Fiat Palio e Chevrolet Celta) e o 1.6 com três modelos 1.4 (Fiat Palio, Peugeot 206 e Chevrolet Corsa): em ambos os casos, o carro da Ford foi reputado o melhor. Mesmo assim, o Ka não caiu no gosto do consumidor e se situou, durante todo o ano, oscilando entre o 8º e 11º lugar na relação dos mais vendidos.

Na área de veículos comerciais, em abril, em associação com a Randon, a empresa inaugurou junto à fábrica de São Bernardo do Campo uma unidade destinada à customização de caminhões, com capacidade para transformar 700 veículos/mês, à qual chamou Mod Center. Em junho aumentou em 1,4 t a capacidade do cavalo-mecânico C-4432e, para 45 t de PBT, transformando-o no C-4532e; no extremo oposto, lançou o pequeno C-712, para cargas urbanas, com motor Cummins B de 120 cv; este, apresentado em duas distâncias entre eixos – 2,8 m (VUC) e 3,9 m, tinha 4,7 t de carga útil. A única novidade da XVI Fenatran foi o protótipo do F-4000 4×4 chassi-longo (entre-eixos 61 cm maior), com os faróis e grade cromada da picape F-250 (opcional) e lançamento programado para o início do ano seguinte.

Em 2007 o mercado interno de caminhões esteve em alta, e a Ford, graças à política de preços baixos e à flexibilidade nos lançamentos, diversificando a linha e ocupando nichos, cresceu quase 33%, um pouco acima da média. Ainda assim, a produção total da marca caiu mais uma vez (o total nacional subiu mais de 14%) e a sua participação relativa voltou a se aproximar de um dígito: 10,5%. Seus lucros, no entanto, continuaram a aumentar.

 

Esta era a situação da Ford no limiar de 2008: quarto produtor nacional de veículos, com participação na casa dos 10%; terceiro em caminhões, em torno dos 20%; maior importador de automóveis entre os grandes fabricantes, correspondendo (em 2009) a 13,6% das vendas; e, desde o ano anterior, controlador da Troller. No segmento de automóveis, fabricava apenas três modelos pequenos (Ka, Fiesta e EcoSport) e importava três médio-grandes (Focus, Fusion e Edge); nas picapes, onde há tempos deixara de ser líder, fabricava um modelo (F-250) e importava outro (Ranger); também perdeu a liderança nos caminhões leves, onde dominava o mercado havia décadas. Fora-se o tempo da empresa ousada na política de investimentos: a subsidiária brasileira tornara-se apenas um peão na política global da companhia, cujos “acionistas” – encabeçados pela família Ford – perseguiam o lucro e o lucro, acima de toda e qualquer consideração sobre os benefícios que seus investimentos pudessem levar para os países onde estivessem instalados. Ao Brasil foi destinado o papel subsidiário de fornecedor de carros “de entrada”, pouco sofisticados, com acabamento “básico” – ainda que em versões ditas “de luxo” ou “esportivas” –, importando modelos de faixas superiores, “onde os lucros são maiores“.

Este papel secundário afetava diretamente o futuro da companhia, no país. Em fevereiro de 2008 o presidente mundial da Ford descartava a expansão da filial brasileira, avisando que o crescimento das vendas teria que vir pela redução dos custos (“o parque fabril tem ainda muito a render em produtividade“) – apesar dos muitos milhares de demissões já ocorridas em São Paulo e da existência da fábrica baiana, declaradamente “uma das três mais eficientes do mundo“. O presidente da subsidiária complementava: “já perdemos muito dinheiro no Brasil no passado“; a empresa “deve contar com geração interna para realizar investimentos“; é seu objetivo “equalizar a produção da América Latina” e “explorar ao máximo a capacidade de todas as suas unidades antes de ampliá-las“. Era a Ford estressando o conceito de globalização, quando muitos fabricantes começavam a relativizá-lo.

Em outros termos, a produção nacional não era o importante, mas o resultado global da corporação. Mais antiga montadora instalada no país, estaria a Ford assumindo seu desaparecimento como fabricante brasileiro? Informava-se que as próximas gerações da F-250 e do Fiesta seriam fabricadas no México, de onde viriam para o Brasil. Em contrapartida, a gama de produtos brasileiros era estreitada e sua exportação – por si só prejudicada pela taxa desfavorável do dólar – limitada à América Latina.

Em novembro de 2009 a matriz anunciou novos investimentos no Brasil, “os maiores de sua história no país e o maior feito pela companhia nos últimos cinco anos, em todo o mundo“: R$ 4 bilhões a serem aplicados entre 2011 e 2015, 70% dos quais no Nordeste (na Bahia e Ceará); a capacidade da unidade de Camaçari passaria para 300 mil unidades/ano, “gerando 1.000 empregos“.

Quais os resultados dessas promessas? A rigor, poucos. Hoje, em 2014, a Ford se mantém como quarto fabricante nacional, porém com participação no total produzido outra vez reduzida a um dígito (8,6% em 2012); permanece o terceiro em caminhões, mas com participação declinante (13,8% em 2012). Coerente com as diretrizes traçadas há uma década, continua o maior importador de automóveis do país. O quadro também não mudou com relação ao perfil da produção local: além da vasta linha de caminhões, somente uma picape e os mesmos três modelos pequenos, ainda que em versões recentes e totalmente modernizadas. Embora a acirrada competição dos anos recentes não tenha favorecido a Ford no Brasil, a empresa é hoje tida como possuidora de uma das gamas de veículos mais atualizadas do mercado, imagem conquistada, todavia, graças aos muitos (e reconhecidamente bons e modernos) modelos importados.

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Escort Guarujá [cinco portas] (da Argentina, desde 07/91), Explorer (06/93, EUA), F-1000 Chassi Longo e SuperCab (06/93, Argentina), Taurus (07/94, EUA), Ranger 4×2 e 4×4 (11/94, EUA), Mondeo (12/94, Bélgica),  Fiesta (02/95, Espanha), Verona (06/95, Argentina), Escort (07/95, Argentina), F-1000 4.9i (10/95, Argentina), Ranger 4×2 e 4×4 (03/98, Argentina), Ranger cabine dupla (05/98, Argentina), Ranger SuperCab (07/99, Argentina), Focus hatch cinco portas e sedã (11/00, Argentina), Fiesta Sedan (11/01, México), Fusion (04/06, México), novo Focus (10/08, Argentina), Edge (12/08, Canadá), Transit van e furgão (12/08, Turquia), New Fiesta sedã (08/10, México), Fusion Hybrid (12/10, México), New Fiesta hatch (09/11, México), New Fiesta sedã (07/13, 08/17, México), Territory (08/20, China), van Transit (Uruguai, 09/21), furgão Transit (Uruguai, 04/22), F-150 (EUA, 04/23), picape híbrida Maverick (México, 04/23), chassi-cabine Transit (Uruguai, 09/23), Mustang Mach-E (México, 10/23), picape Raptor (Tailândia, 11/23)

Outras premiações e distinções (modelos nacionais)

Ford (Super Top de Marketing 1980, da ADVB, pelo sucesso de vendas do Corcel no período 1976-80); F-4000 (Prêmio Lótus 1998, 1999 e 2000, Destaque de Vendas, categoria Caminhão Leve); Cargo 814 (Prêmio Lótus 98, Evolução de Vendas, categoria Caminhão Leve); Cargo 2425 (Prêmio Lótus 98, Evolução de Vendas, categoria Caminhão Pesado); Ka 1.0 (Melhor Compra 1997, carros de R$ 10 até 15 mil [empatado com Fiat Palio 1.0]; 4 Rodas); Escort 1.8 (Melhor Compra 1997, carros de R$ 20 até 25 mil; 4 Rodas); F-250 (Prêmio Abiauto 2000, melhor picape do mercado); F-250 (Pick-up do Ano 2001, Autoesporte); F-250 (Picape do Ano, categoria Comercial Leve, Prêmio AutoData 2001); Antonio Maciel Neto (Executivo do Ano da Indústria Automotiva; Valor Econômico, 2001); F-350 (Prêmio Lótus 2002, 2003, 2004, 2005 e 2006, Caminhão Semileve do Ano); F-250 (O Melhor Carro do Brasil 2002, categoria Picapes; Carro); Fiesta 1.0 Supercharger (Melhor Compra 2002, carros de R$ 20 até 25 mil; 4 Rodas); Antonio Maciel Neto (Personalidade do Ano, Prêmio AutoData 2002 e 2005); Fiesta (Prêmio Abiauto 2002); EcoSport 1.6 (Melhor Compra do Ano 2003; 4 Rodas); Antonio Maciel Neto (Empreendedor do Ano 2003, categoria Indústria; revista Dinheiro); Ford (Empresa do Ano, Prêmio AutoData 2003); Flávio Padovan [Diretor de caminhões da Ford] (Personalidade do Ano, Prêmio AutoData 2003); Ford (Prêmio Lótus  2003, 2004, 2005 e 2006, Marca do Ano em Caminhões Semileves); EcoSport 1.6 (Melhor Compra 2004, categoria Utilitários; 4 Rodas); Fiesta Sedan (Carro Nacional do Ano e Carro Abiauto, Prêmio Abiauto 2004); EcoSport (Utilitário Esportivo do Ano, Prêmio Abiauto 2004); Ford (Fórmula Truck, Campeã de Marcas 2004); F-4000 (Prêmio Lótus 2004, Categoria Especial, como “caminhão em produção mais vendido do Brasil”); Fiesta Sedan 1.6 Flex e EcoSport 2.0 (Qual Comprar, Escolha 2005, categorias Sedãs Compactos Top e Utilitários Esportivos; Autoesporte); Fiesta Sedan 1.6 Flex e EcoSport 1.6 Flex (Qual Comprar, Escolha 2006, categorias Sedãs Compactos Top e Utilitários Esportivos; Autoesporte); F-250 cabine simples XLT (Melhor Negócio 2006, categoria de preço de R$ 90.000 a 100.000; Carro); F-250 (Veículo Comercial Leve do Ano, Prêmio AutoData 2005); Ford (Destaques 2006, categoria Exportador de Veículos; Prêmio AutoData 2006); EcoSport 1.6 Flex (Qual Comprar, Escolha 2007, categoria Utilitário Esportivo; Autoesporte); EcoSport (Utilitário do Ano 2008; Autoesporte); EcoSport 1.6 Flex (Melhor Compra 2007, categoria Aventureiros Urbanos; 4 Rodas); Courier e Cargo 712 (Destaques 2007, categorias Veículo Comercial Leve e Veículo Caminhão; Prêmio AutoData 2007); novo Ka (Destaques 2007, categoria Veículo de Entrada; Motor Show); novo Ka (Os Eleitos 2008, categoria Hatches Compactos de Entrada; 4 Rodas); novo Ka (Destaques 2008, categoria Veículo Automóvel; Prêmio AutoData 2008); Ford (Destaques 2008, categoria Produtor de Motores; Prêmio AutoData 2008); Ford e F-350 (Marca do Ano em Caminhões Semi-leves e Caminhão Semi-leve do Ano; Prêmio Lótus 2010); Ford e F-350 (Prêmio Lotus 2012, categoria “Marca do Ano em Caminhões Semileves” e “Caminão Semileve do Ano“); EcoSport (Utilitário do Ano 2013; Autoesporte); New Fiesta e EcoSport (Qual Comprar 2013, categorias “Hatch Compacto Premium” e “Utilitário“; Autoesporte); Ford (Destaques A Granja do Ano 2014, categoria Picapes; A Granja); EcoSport (Qual Comprar 2014, categoria “Utilitário“; Autoesporte); Ka 1.5 SE e Ka+ 1.5 SE (Qual Comprar 2015, categorias Hatch Compacto e Sedã Compacto; Autoesporte); New Fiesta SE 1.6 (Melhor Compra 2015, categoria “Carro até R$ 60.000”; 4 Rodas); 1.0 de três cilindros (Motor do Ano 2015, categoria “até 2.0“; Autoesporte); Ka+ SE 1.5 (Compra Certa 2015, categoria “De 45 a 50 Mil“; Car and Driver); Ecosport Freestyle 1.6 (Maior Valor de Revenda 2015, categoria “Utilitário Esportivo Pequeno“, Auto Fácil); Ka+ (Qual Comprar 2016, categoria “Sedã Compacto“; Autoesporte); Fiesta (Os Eleitos 2016, categoria “Hatches Compactos Premium“; 4 Rodas); Fiesta e Ka+ (19a Eleição dos Melhores Carros [2016], categorias “Melhor Hatch Pequeno – Classe 2” e “Melhor Sedã Pequeno – Classe 1“; Best Cars); Ka+ SE 1.0 (Menor Custo de Uso 2017, categoria “Sedã Compacto“; 4 Rodas); EcoSport (Prêmio Abiauto 2017 , categoria “Melhor SUV do Brasil“); EcoSport e Ford (Carsughi L’Auto Preferita 2017, categorias “SUV Médio” e “Conectividade“); EcoSport (Qual Comprar 2018, categoria “Melhor SUV“; Autoesporte); motor 1.5 flex Dragon de três cilindros (Motor 2018, categoria “Menor que 2.0“; Autoesporte); Ka SE 1.0 (Melhor Compra 2019, categoria “Carros Até R$ 48.000“; 4 Rodas); Ka (Os Eleitos 2019, categoria “Hatches Compactos de Entrada“, 4 Rodas); Ka Freestyle 1.5 automático (Melhor Compra 2020, categoria “Carros Aventureiros“; 4 Rodas); Ka Freestyle 1.5 automático 2000 (Melhor Compra 2023, categoria “Seminovos até R$ 65.000“; 4 Rodas)





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