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BRASINCA | galeria

Fundada em setembro de 1949 pela Gil & Schueler, uma das maiores revendas Ford do interior do Estado de São Paulo, a empresa Inca – Indústria Nacional de Carrosserias de Aço S.A., foi a primeira do país criada com o objetivo específico de fabricar carrocerias metálicas de ônibus. Em suas instalações industriais, localizadas no bairro da Mooca, em São Paulo (SP), em 1950 foi das primeiras a construir no Brasil ônibus com carrocerias totalmente de aço, modelos urbanos e rodoviários produzidos à escala de cerca de 20 unidades mensais. Os chassis de caminhão inicialmente utilizados como base eram adequados pela empresa, que fabricava e instalava eixos dianteiros com bitola larga, mais apropriada para o novo uso. Em 1951 a Inca foi mais uma vez pioneira, sendo a primeira empresa a produzir cabines para os caminhões FNM, que começavam a ser fabricados no Brasil. As primeiras cabines não inovavam no estilo, simplesmente seguindo o original italiano. Pouco depois, de modo a evitar ser confundida com a Incar, pequena fábrica de carrocerias de madeira então existente, a empresa teve o nome alterado para Brasinca.

Grande fornecedora da indústria automobilística

A restrição à importação de chassis e o surgimento da indústria automobilística no Brasil criaram oportunidades que a Brasinca soube aproveitar. Assim, em 1954, enquanto reduzia a produção de carrocerias de ônibus, a empresa projetou uma cabine totalmente nova para os caminhões FNM, em chapa rebitada e com leito, logo produzida em série, chegando ao ritmo de 200 unidades por mês. A vinda de outras montadoras para o país passou a requerer do parque fabril brasileiro o fornecimento de grande diversidade de componentes, necessários ao cumprimento das metas de rápida nacionalização dos veículos fabricados. A experiência da Brasinca com a fabricação de carrocerias e cabines metálicas qualificou-a como fornecedora de peças estampadas para outras indústrias, dentre as quais a Mercedes-Benz, Toyota e Simca. Deste modo a empresa foi naturalmente direcionada para um segmento do qual viria a ser líder nos anos seguintes: após adquirir novas instalações em São Caetano do Sul (SP), em 1959, rapidamente tornou-se a maior estamparia e ferramentaria independente do país. A partir daí viria a agregar à sua carteira de clientes a Scania, a Massey Ferguson e a Chevrolet (para quem fabricaria caçambas, cabines-duplas e as carrocerias das camionetas Amazona e Veraneio e do furgão Corisco).

Carroceria para Chevrolet Amazonas, fornecida pela Brasinca.

Carroceria para Chevrolet Amazona, fabricada na Brasinca para a GM.

Visando manter o ritmo de expansão e otimizar o aproveitamento da capacidade instalada da nova fábrica, a empresa procurou ampliar suas áreas de atuação, conquistando mercado para produtos de fabricação própria. Seu primeiro lançamento, já nos primeiros meses da década de 60, foi um trailer para turismo e serviços – o primeiro com projeto nacional, cuja versão de lazer, denominada Trei-lar, era vendida sob o lema “leve a sua família e economize o hotel“.  Logo a seguir começou a desenvolver um automóvel esportivo, com bonita carroceria de duas portas sobre chassi do Aero Willys, ao qual chamou Boulevard. O projeto foi oferecido à Willys, mas não despertou seu interesse, sendo abandonado ainda na fase de protótipo. A Brasinca, porém, decidiu insistir no desenvolvimento de um veículo sofisticado e com características esportivas que pudesse ser lançado com a sua própria marca: daí nasceu o  projeto Uirapuru – um dos poucos carros brasileiros que chegariam a alcançar a esfera dos mitos.

Brasinca 4200 GT: um ícone

Lançado no Salão do Automóvel de 1964 com a sigla 4200 GT, o belo automóvel foi projetado e construído sob o comando de Rigoberto Soler (que viria a trilhar riquíssima carreira na FEI, formado muitas gerações de engenheiros brasileiros de automóveis). A produção teve início em março de 1965. O 4200 GT possuía carroceria monobloco de aço com moderno e leve chassi periférico em caixa e santantônio integrado, cuja aerodinâmica foi testada, em escala ¼, no túnel de vento do CTA, obtendo o excelente Cx de 0,32. Para melhorar a acessibilidade, havia dois recortes no teto, por onde avançavam as largas portas. Utilizava mecânica Chevrolet nacional (um motor de caminhão com grande torque montado atrás do eixo dianteiro, com 4.271 cc, seis cilindros em linha, tripla carburação e 155 cv). Trazia ainda câmbio sincronizado de três marchas, embreagem de acionamento hidráulico, freios a tambor (sua grande deficiência), suspensão dianteira independente e traseira com eixo rígido e barras longitudinais, molas helicoidais à frente e atrás; a tração era traseira, com diferencial também de origem Chevrolet. O acabamento interno era ótimo: bancos anatômicos de couro reclináveis, painel com revestimento de jacarandá, volante esportivo em taça. Havia algumas falhas, também, as principais delas a ausência de ventilação interna e a falta (imperdoável, na época…) de acendedor de cigarro e cinzeiro. Era o carro de série mais veloz do Brasil e seu excelente desempenho (200 km/h de velocidade máxima, perfeita distribuição de peso e baixo centro de gravidade – tinha apenas 1,26 m de altura) transformou-o em um sucesso nas pistas. Ainda assim havia uma versão mais “braba”, chamada GTS, equipada com câmbio de quatro marchas, comando de válvulas e diferencial autoblocante importados e potência elevada para 171 cv.

O belo Brasinca 4200 GT.

Brasinca 4200 GT, um marco na história da indústria automobilística brasileira.

A crise político-econômica que vivida pelo país em meados da década de 60, entretanto, obrigou a Brasinca a encerrar a produção do automóvel. Assim, após a comercialização de cerca de 50 unidades, vendeu o projeto do carro para a STV, que o relançou com o nome de Uirapuru. Retornando à sua atividade principal a empresa rapidamente se recuperou, encerrando a década como fornecedora de ferramentas e peças estampadas para grande número de fabricantes nacionais de veículos.

A pedido da Ford, a Brasinca projetou para o VII Salão do Automóvel, em 1970, um dos primeiros furgões de cabine semi-avançada do país. O carro foi construído sobre o chassi F-75 (a antiga picape Willys, com motor de 2.600 cm3 e 90 cv e caixa de três marchas), que teve a bitola dianteira aumentada, os comandos deslocados para a frente e a suspensão traseira reforçada. Com estrutura metálica, revestimento de alumínio rebitado, portas dianteiras deslizantes e duas portas de abertura total atrás, o furgão tinha capacidade de 9,5 m³ e 820 kg. Exposto no Salão para sondar o interesse do mercado, numa época em que a utilização de veículos especializados de carga era desconhecida no país, o projeto não teve aceitação e foi descontinuado. No ano seguinte construiu para a Chrysler uma station para complementar a linha Dodge Dart, projeto que também não teve continuidade.

Nos anos seguintes a Brasinca passaria por grande crescimento, iniciando a produção, por encomenda das grandes indústrias, de carrocerias completas, montadas e pintadas (seria o caso, por exemplo, da picape Volkswagen Saveiro, construída à razão de 200 unidades/dia a partir de 1985, das cabines dos caminhões Volvo e Scania e de toda a lataria dos tratores Massey-Ferguson). Em 1981, em conjunto com a Hidroplás, instalou uma unidade de produção de plástico reforçado estampável em Botucatu (SP) – a Brashidro. Em 1984 criou duas subsidiárias, uma específica para a fabricação e fornecimento de ferramental e outra (BVE – Brasinca Veículos Especiais) para a montagem de veículos. Em 1987 inaugurou nova unidade em Pouso Alegre (MG) e, em 1990, adquiriu outra em Caçapava (SP).

Cabines-duplas

Nova incursão da empresa na fabricação e comercialização de veículos com marca própria aconteceria em 1986, através da BVE, com a apresentação de duas camionatas fabricadas em série, Passo Fino e Mangalarga, a primeira com entre-eixos curto, duas portas e capacidade para seis passageiros e a última com quatro portas e até nove lugares. Aproveitando-se do seu relacionamento histórico com a General Motors (para quem forneceu mais de 20 mil cabines-duplas entre 1965 e 1984), foi natural que a Brasinca escolhesse os chassis das picapes Chevrolet como base para seus novos veículos. Disponíveis nas versões Luxo ou Superluxo, podiam receber motorização diesel, a gasolina ou a álcool. Equipadas com direção hidráulica, ar condicionado, estofamento em couro, alarme, vidros verdes, porta-copos e acionamento elétrico dos vidros, os carros podiam ainda receber grande quantidade de opcionais, como poltronas giratórias, geladeira, televisão de 6″ em console especial e guincho elétrico. As linhas fluidas dos dois modelos, que incluíam grandes janelas laterais que avançavam até o teto, contrastavam com os pára-choques angulares e agressivos, típicos dos veículos fora-de-estrada. Na feira Brasil Transpo de 1987 a Brasinca apresentou duas variantes das suas station: uma van com cinco portas derivada da Mangalarga, para transporte escolar e transfer em aeroportos, podendo acomodar até 15 pessoas, e um furgão para 750 kg de carga, a partir da Passo Fino.

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Melhor reconhecimento não poderia haver: a qualidade da Brasinca Mangalarga levou a GM a adotá-la em sua linha como a nova Chevrolet Veraneio.

A qualidade de fabricação e o corretíssimo design dos veículos foram imediatamente reconhecidos e a produção logo chegou a 80 unidades mensais. Tal sucesso teve duas conseqüências, anunciadas no XV Salão do Automóvel, em 1988: a adoção oficial pela Chevrolet da Passo Fino e Mangalarga em sua linha, lançando-as com os nomes Bonanza e Veraneio; e a sua substituição, na linha da Brasinca, por dois novos modelos que com eles não concorressem – a cabine-dupla Andaluz e a cabine estendida Quarto de Milha, ambas com duas portas. A Andaluz comportava até sete passageiros em seus dois largos bancos. O alongamento em meio metro da cabine da Quarto de Milha, por sua vez, não teve por objetivo aumentar o número de lugares, mas criar um compartimento de carga adicional (ou espaço para instalar um leito) atrás dos assentos; ao contrário da Andaluz, este modelo não utilizou vidros laterais envolventes. A quantidade de opcionais aumentou, agora incluindo até mesmo um sistema de controle de velocidade. Com estas picapes foi introduzido novo desenho na grade dianteira, com dois frisos horizontais em lugar dos três anteriores.

Naqueles anos a Brasinca alcançou seu clímax. No Salão de 1990 (a Quarto de Milha já havia saído de linha) a picape Andaluz recebeu novos para-choques e nova grade e ganhou outras opções de acessórios (amortecedores reguláveis, tampa para fechamento da caçamba, disc-laser e terceiro banco dianteiro, em lugar do console central). No final de 1992 a Mangalarga voltou a ser fabricada; ao mesmo tempo em foi realizado o que seria o último lançamento da empresa, cujas vendas a essa altura já estavam sendo pressionadas pela liberalização das importações de veículos: a cabine-dupla Marchador, primeiro carro “para trabalho” com a marca Brasinca. Tratava-se, de fato, da retomada do Quarto de Milha (que já fora o modelo mais barato da sua linha de produtos), agora apresentado numa versão ainda mais simples, sem os detalhes sofisticados e luxuosos que sempre acompanharam os carros da empresa. Os carros seriam mantidos em produção por menos de dois anos.

A partir daí foi rápida a decadência da empresa. Em agosto de 1996 a siderúrgica Usiminas (maior fornecedora de aço para a Brasinca) adquiriu 50% da fábrica de Pouso Alegre, a mais moderna do grupo (denominando-a Brasinca-Minas), simultaneamente comunicando os planos de fechamento das unidades paulistas. Em 1997 a Brasinca entrou em concordata. Em 1999 a Usiminas assumiu o controle total da empresa, mudando seu nome para Usiparts (hoje Automotiva Usiminas).





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