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A Engesa – Engenheiros Especializados S.A. foi o mais importante produtor de equipamentos militares de uso terrestre do país. Fundada em São Paulo (SP), em 1958, por um grupo de engenheiros recém-formados liderado por José Luiz Whitaker Ribeiro, a empresa, que nos primeiros anos se dedicou à fabricação de equipamentos para a prospecção, produção e refino de petróleo, acabou por colocar o Brasil, na década de 80, na quinta posição entre os maiores exportadores mundiais de material militar. Congregando em seu quadro técnico profissionais de excelente formação, muitos deles oriundos do ITA, a história de sucessos da empresa teve início em 1966, com o projeto e fabricação de um sistema de tração 4×4 para equipar veículos de série nacionais, composto de caixa de transferência com duas tomadas de força, eixo dianteiro direcional e guincho (opcional). Comercialmente anunciado como Tração Total, logo foi seguido das versões 6×4 e 6×6, ambas aproveitando eixos e feixes de molas traseiros originais do veículo. Preparada para as linhas de picapes e caminhões Chevrolet e Ford (e mais tarde Dodge), a Tração Total Engesa dotava-os de comportamento fora-de-estrada de desempenho desconhecido no país em veículos da categoria (um F-100 6×6, por exemplo, tinha a capacidade de carga duplicada, podendo galgar rampas de até 85%). O sistema foi patenteado no Brasil e no exterior.

Tração Total: um projeto de engenharia mecânica decretado “de interesse da Segurança Nacional

O crescimento da Engesa esteve intimamente ligado aos anos da ditadura militar. Em 1967, a Tração Total foi oficialmente considerada “de interesse para a Segurança Nacional“, sendo a empresa contratada pelo Exército para o fornecimento de algumas centenas de caminhões novos (Chevrolet 4×4 e 6×6), bem como para a modernização de parte da frota usada, originária da II Guerra Mundial. Neste quesito, o contrato envolvia reforma de chassis e carrocerias, repotencialização de motores e substituição de suspensões e tração pelos sistemas de sua fabricação. A empresa não deixou de se dedicar ao mercado civil, adaptando veículos para a Petrobrás, empreiteiras, concessionárias de energia e madeireiras e, desde 1968, expondo seus produtos nas diversas edições do Salão do Automóvel.

Em paralelo, porém, cresciam seus vínculos com as Forças Armadas, relação especialmente favorecida pelo Decreto-Lei 200/67, que tratava da organização administrativa da Administração Federal e recomendava ampla descentralização de atividades. Segundo o documento, “a administração [federal] procurará desobrigar-se da realização de tarefas executivas, recorrendo (…) à execução indireta (…), desde que exista (…) iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a desempenhar os encargos de execução“. Como conseqüência direta dessas diretrizes, houve quase imediata redução das verbas e dos quadros de servidores civis dedicados a pesquisa e desenvolvimento, inclusive no Exército, resultando na transferência de parte destas incumbências para o setor privado. A Engesa foi uma das maiores beneficiadas por este processo. Seu crescimento foi rápido (960 veículos adaptados em 1968 e 1.371, dois anos depois), assim como foi acelerado o processo de criação de novos produtos para as Forças Armadas.

Em 1969 a empresa apresentou novo sistema de tração dupla traseira, ao qual chamou Boomerang, que viria a ser fundamental no desenvolvimento de diversos veículos militares e maior trunfo na penetração internacional de seus produtos na década seguinte. Tratava-se de um projeto a um só tempo de construção simples, resistente e barata, e que dava ao veículo excepcional desempenho fora de estrada, mantendo as quatro rodas traseiras em contato permanente com o solo, por mais irregular que fosse o terreno. Em vez dos dois eixos traseiros suportados por feixes de molas dos sistemas tradicionais, o Boomerang exigia apenas um eixo de tração, nas pontas do qual eram montadas duas caixas de engrenagens (cujo formato lembra os bumerangues australianos), cada uma delas distribuindo o movimento para duas rodas. Eram estas mesmas caixas de engrenagens, independentes entre si e com enorme amplitude de variação do ângulo com o solo, que garantiam o contato das rodas traseiras com pisos irregulares e desagregados. O sistema não se prestava à tração de cargas elevadas (caso em que devia ser utilizado o sistema tradicional), porém era suficiente para as principais aplicações militares.

Cascavel e Urutu, sucessos internacionais

A primeira mostra da grande capacitação da Engesa como fabricante de armamentos modernos ocorreu em abril de 1971, com a apresentação à imprensa de dois blindados sobre rodas, construídos segundo projeto e especificações básicas definidos pelo Exército – uma veículo para reconhecimento (CRR) e um anfíbio para transporte de tropas (CTR-A): eram os protótipos do EE-9 Cascavel e EE-11 Urutu, inaugurando a série de equipamentos militares com nomes de cobras venenosas que a Engesa produziria nos anos seguintes. Primeiros da categoria concebidos no país, eram carros leves (13 t) com tração nas seis rodas, caixa com cinco marchas e reduzida (transmissão automática opcional), suspensão independente por molas helicoidais na frente e sistema Boomerang atrás, freios pneumáticos a disco nas seis rodas, pneus à prova de balas com regulagem remota de pressão e direção hidráulica. A carcaça, de construção monobloco e com blindagem bimetálica desenvolvida pela própria Engesa, recebia isolamento térmico e acústico. Apesar de terem arquitetura semelhante, os dois veículos se diferenciavam pela localização e potência do motor, traseiro no Cascavel (Mercedes-Benz de 174 cv ou Detroit de 212 cv) e dianteiro esquerdo no Urutu (Mercedes-Benz de 190 cv ou Detroit de 260 cv).

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Blindado anfíbio EE-11 Urutu participando de exercício militar em Ponta Porã (MS), em outubro de 2013 (fonte: site forte.jor).

As primeiras unidades do Cascavel foram equipadas com armamento de 37 mm usado, retirado de velhos blindados da II Guerra; a segunda série já recebeu equipamento atualizado – torreta francesa com canhão de 90 mm. No entanto, além de ser excessivamente cara, a Engesa estava obrigada a solicitar autorização à França para exportar veículos equipados com tal armamento, o que levou o Exército a fabricar seu próprio canhão 90 mm (de projeto belga). O Cascavel armado do canhão nacional foi considerado, por analistas internacionais, um dos melhores blindados leves de reconhecimento do mundo. Quanto ao Urutu, que transportava dez soldados armados, além do motorista e do chefe do carro, tinha carroceria selada para permitir flutuabilidade. O modelo deu origem a diversas versões especializadas: ambulância, carro oficina, antiaéreo, carro de comando e anfíbio, este, capaz de navegar em águas agitadas a até 12 km/h, equipado com hélices, leme e tubos telescópicos para entrada de ar e saída dos gases do motor.

Eram os seguintes os dados de desempenho dos dois veículos: ângulo de ataque, 72°; ângulo de saída, 80°; capacidade de subida, 65%; máximo obstáculo vertical, 60 cm; vau (sem preparação), 1,00 m; velocidade máxima na estrada, 100 km/h; autonomia, 750 km. Veículos velozes, com baixo custo de aquisição e facilidade de manutenção (por utilizarem grande quantidade de peças de veículos de série), Cascavel e Urutu seriam produzidos por mais de 15 anos. Se constituíram em um sucesso de exportação, até hoje equipando diversos exércitos estrangeiros. Sua eficiência ficaria mundialmente famosa no deserto líbio e na Guerra do Golfo; anos depois seria presença constante nas Forças de Paz da ONU no Haiti. 2.626 unidades foram fabricadas (1.738 Cascavel e 888 Urutu), cerca de 75% exportadas para 18 países.

Estimulada pelos planos de investimentos das Forças Armadas e vislumbrando o grande mercado do Oriente Médio, em 1974 a Engesa transferiu suas instalações principais para São José dos Campos (SP); também criou a Engex, fábrica de engrenagens, caixas e canhões em Salvador (BA). Ainda em 1974 lançou seus dois primeiros modelos de caminhão: EE-15 e EE-25, respectivamente para 1,5 e 2,5 t, em utilização fora-de-estrada (ou o dobro, em pisos regulares). Concebidos para uso militar e civil, tinham estilo espartano e cabine metálica com capota de lona. O EE-15 tinha dois eixos e tração nas quatro rodas, com caixa de redução e tomada de força, eixos flutuantes e suspensão por molas semi-elípticas; os motores podiam ser a gasolina (Chevrolet de 149 cv) ou diesel (Mercedes-Benz de 149 cv ou Perkins de 140 cv). O EE-25 estava disponível com tração 4×4 e 6×6, este com eixo traseiro Boomerang; era equipado com motor Dodge V8 a gasolina, Mercedes-Benz (174 cv) ou Detroit, ambos a diesel.

Ingressando no mercado civil

O X Salão do Automóvel, em novembro de 1976, inaugurou a entrada da Engesa em novo segmento, o dos veículos especializados para a agricultura, com o lançamento do primeiro trator florestal articulado do país – o moderno EE-510. Com capacidade para até 10 t e caçamba própria para transportar toras de até 7,0 m de comprimento, o veículo possuía sua própria grua, controlada da cabine. A cabine, por sua vez, possuía isolamento termo-acústico, ar condicionado e assento giratório com regulagem e amortecedor. Impulsionado por motor diesel MWM de seis cilindros e 130 cv, tinha câmbio automático, tração nas quatro rodas, tomada de força, freios pneumáticos com duplo circuito e direção hidrostática.

Em 1977 (ano em que o Brasil denunciou o Acordo de Assistência Militar havia um quarto de século mantido com os EUA), a Engesa apresentou seu terceiro blindado, o caça-tanques EE-17 Sucuri, de 18 t. Tomando o Cascavel como base, o veículo manteve a configuração 6×6, porém teve a distância entre eixos aumentada em 1,10 m e recebeu potente motor Detroit de 300 cv (localizado na dianteira direita), transmissão automática, suspensão por feixe de molas semi-elípticas e pesado armamento – uma torre oscilante francesa com canhão de 105 mm, montada sobre o rodado traseiro. A nova mecânica tornou o Sucuri o primeiro caça-tanques sobre rodas do mundo e o mais veloz de todos eles (110 km/h na estrada e 80 em terrenos irregulares). O alto custo da torre importada, no entanto, inviabilizou a produção do carro, que permaneceu como protótipo.

Anos depois, entre 1986 e 87 o projeto seria totalmente revisto, dando origem ao EE-18 (ou Sucuri II). Três importantes alterações foram introduzidas: novo motor Scania turbo, com 384 cv (elevando a velocidade máxima para 115 km/h), suspensão hidropneumática (menos volumosa que o Boomerang) e nova torre, desenvolvida pela Engesa, com canhão italiano de 105 mm. Apesar de o veículo ter o perfil rebaixado com relação ao modelo anterior, ainda ganhou espaço para mais um homem na guarnição (que subiu para quatro). Apesar das suas qualidades, também o Sucuri II não passou da condição de protótipo.

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Trator agrícola extra-pesado 1128, um dos diversos produtos para uso civil fabricados nas décadas de 70 e 80 pela Engesa (fonte: site fretao).

Antes de terminar a década, a Engesa havia preparado mais dois veículos militares: um caminhão pesado e um blindado leve. O caminhão era o EE-50, modelo 6×6 com cabina avançada, motor Scania de 202 cv, eixo traseiro Boomerang e direção hidráulica. Tinha capacidade para 5 t, em condições de operação fora de estrada (ou 10 t em piso normal) e autonomia de 700 km, podendo vencer rampas de até 60%. O blindado era o EE-3 Jararaca, veículo de reconhecimento com dois eixos e armamento leve – mais um derivado do bem-sucedido Cascavel. Suas especificações incluíam tração integral, motor traseiro Mercedes-Benz turbo de 110 cv, caixa manual de cinco marchas, suspensão por feixe de molas e direção hidráulica. Ágil e compacto, com apenas 5,8 t e 1,28 m de altura, tinha porte apropriado para ser aerotransportado e lançado de pára-quedas, podendo substituir com enormes vantagens viaturas de ¼ t, da categoria dos jipes, tradicionalmente utilizadas nas missões de reconhecimento. Foram fabricados 63 EE-3, quase todos destinados à exportação.

A capacidade técnica demonstrada pela Engesa suscitava demandas externas diversas, nem sempre compatíveis com seus focos de atuação. Assim, em 1977 recebeu da EBTU solicitação para desenvolver o projeto de trólebus articulado para 400 passageiros, para operar no futuro sistema integrado de Goiânia; o projeto foi iniciado, porém não teve seguimento. No ano seguinte, ainda por demanda da EBTU, construiu um protótipo de micro-ônibus a bateria, projeto coordenado por Rigoberto Soler, oriundo da FEI e recém-contratado pela empresa. Financiado pelo CNPq, o veículo tinha 5,7 m de comprimento e 15 lugares, estrutura de duralumínio, comandos eletrônicos de tipo chopper e motor elétrico de 33 kW (os componentes eletro-eletrônicos foram fornecidos pela Siemens e Bardella Borriello). Um banco de 30 baterias chumbo-ácido (144 V) proporcionava autonomia de 120 km (aproximadamente oito horas). Concluído no início de 1979, o micro-ônibus foi testado por quatro meses na cidade de São Paulo. Previa-se frota de 50 unidades, para operação experimental em Brasília, etapa que não foi concretizada pela extinção das verbas de responsabilidade do Ministério dos Transportes. Com base na experiência adquirida com este veículo, a Engesa começou a desenvolver diversas versões para coleta de lixo e entregas urbanas (correios, leite, etc.); com um deles, em 1981 participou de uma concorrência (perdida para a Gurgel) para o fornecimento de carros elétricos para a Telebrás. Nenhum destes projetos gerou encomendas.

Em 1981 a Engesa lançou seu segundo trator, desta vez para tracionar implementos agrícolas pesados (depois da Case e da Müller, foi o terceiro fabricante nacional a produzir máquinas de tal porte). Denominado EE-1124, com 14,5 t, foi desenvolvido com tecnologia própria e deu origem a uma família de seis modelos. Articulado e 4×4, tinha motor Cummins da série N, com 240 cv, caixa mecânica de nove marchas com reduzida (totalizando 18 à frente e quatro a ré), freios hidráulicos a disco na saída da transmissão, rodagem simples ou dupla e direção hidrostática. A cabina era dimensionada contra capotamento e tinha ar condicionado, vidros verdes e banco regulável com suspensão (anos depois foi agregada a versão 1128, com motor turbo, e seu correspondente sem cabine 1428). Assim como o trator florestal, o novo modelo atingia 97% de nacionalização.

Blindado Osório: começando a perder a guerra no mercado mundial de armamentos

Se o lançamento do trator agrícola pesado representou um salto na gama de equipamentos para a área civil, logo a Engesa mudaria de patamar também na área militar. No final de 1982 foi comissionada pelo Exército para fabricar carros de combate médios sobre lagartas, da classe de 35 t – o mais pesado do país e primeiro da empresa. Dada a reduzida demanda interna, a Engesa decidiu dotar o veículo de características adequadas ao mercado externo, elevando o peso para 41 t (alçando-o à categoria MBT – main battle tank) e aplicando tecnologia embarcada de última geração, visando especialmente à grande concorrência anunciada para breve pela Arábia Saudita, envolvendo compras superiores a US$ 3 bilhões.

Inicialmente denominado T-1, e logo batizado EE-T1 Osório, o novo carro de combate deveria ser equipado com eletrônica sofisticada e privilegiar poder de fogo, proteção e mobilidade, com o propósito de equipará-lo à nova geração de tanques que vinham sendo lançados em outros países. Pontaria a laser, controles para tiro em movimento, visão noturna, proteção QRB (química, radioativa e biológica) e sensor térmico infra-vermelho eram modernos recursos dos quais poderia dispor. Para ele foi projetada uma blindagem mais leve e mais resistente, com chapas combinando materiais metálicos e compostos, especialmente desenvolvidas pela Eletrometal, mesma empresa que produzia os aços especiais para os canhões Engesa.

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Blindado médio sobre esteiras Osório em material publicitário contemporâneo da Engesa.

A gestação do Osório foi complexa e teve final frustrante. Quando do início do detalhamento do projeto, a Engesa buscou adquirir tecnologia junto aos principais fabricantes estrangeiros, sem sucesso, levando à decisão de desenvolvê-lo internamente, com base no que havia de mais atualizado em componentes importados, quando necessário. Foram projetadas duas versões, uma delas mais simples, para atender aos requisitos do Exército Brasileiro. Assim, foram encomendados à britânica Vickers dois modelos de torres, intercambiáveis e com comando elétrico, para canhões de 105 e 120 mm (este, de origem francesa). O sistema de suspensão também seria inglês, da Dunlop, enquanto que os conjuntos de lagartas, o motor MWM V12 de 1.020 cv e a transmissão ZF viriam da Alemanha.

Dimensionado para quatro tripulantes, o veículo tinha estrutura monobloco composta por chapas blindadas soldadas, com saias laterais para proteção da suspensão e esteiras; motor e transmissão (automática com conversor de torque) eram montados na traseira. A suspensão era hidropneumática, agindo sobre cada uma das doze rodas de apoio (seis de cada lado). O sistema de frenagem (hidráulico a disco com retarder) era assistido por computador. O primeiro chassi saiu para testes em setembro de 1984, ainda com torre e canhão falsos, e a partir de maio do ano seguinte com a primeira torre Vickers, que acabara de chegar ao país.

Em julho de 1985 o protótipo do Osório foi embarcado para a Arábia Saudita para participar do processo de pré-seleção dos concorrentes à licitação que previa, a princípio, aquisição de mil carros de combate. O carro brasileiro foi escolhido, ao lado de três modelos da França, Grã-Bretanha e EUA. Em julho de 1987 o protótipo definitivo, equipado com canhão de 120 mm e o estado-da-arte em eletrônica embarcada, partiu para o Oriente Médio para a seleção final.

Eram os seguintes seus dados de desempenho: rampa máxima, 65%; máximo obstáculo vertical, 1,15 m; vau, 1,20 a 2,00 m (sem e com preparação); velocidade máxima, 70 km/h; autonomia, 550 km. Nenhum tanque da categoria, no mundo (à exceção do alemão Leopard, fora da disputa), reunia em um só projeto a qualidade mecânica e todos os sofisticados sistemas de controle agregados ao Osório. Como era de se esperar, sua performance diante dos demais concorrentes foi excepcional, especialmente nos testes de autonomia e tiro (neste, o Osório foi o único a acertar alvo a 4 km de distância; dos tiros a alvos móveis entre 1,5 e 2,5 km, acertou oito vezes em 12, enquanto que o candidato dos EUA acertou cinco e os demais apenas um).

O tanque francês e o britânico foram desclassificados e, embora o equipamento nacional tenha superado também o norte-americano, os dois foram escolhidos como finalistas. Por pressão política do governo norte-americano, no final de 1990 a Arábia acabou por optar pelos equipamentos daquele país, desistindo dos brasileiros. Os estimados vinte milhões de dólares gastos no projeto do Osório não resultaram em nenhuma encomenda para a Engesa; apenas cinco protótipos foram construídos, um deles incompleto. As duas únicas unidades sobreviventes encontram-se desde 2003 de posse do Exército.

À medida que diversificava a linha de produtos e necessitava atualizar a tecnologia aplicada, a Engesa ampliava seus domínios, criando novas empresas ou absorvendo outras existentes. Assim, em 1983, quando começava a desenhar o Osório, em associação com a Philips holandesa fundou a Engetrônica – Engesa Eletrônica, com 60% do capital, objetivando nacionalizar equipamentos eletrônicos para blindados, tais como visores para combate noturno, pontaria a laser e sistemas diretores de tiro. No mesmo ano incorporou a FNV, tradicional fabricante de equipamentos rodoviários e ferroviários e de fundidos, com unidades em Cruzeiro e Pindamonhangaba, e a Bardella Borriello, de material elétrico, em Jandira, todas no estado de São Paulo.

Engesa 4: de repente, no mercado, o melhor jipe até então produzido no país

Ainda em 1983 adquiriu o controle da Envemo, que havia mais de um ano tinha pronto o protótipo de um jipe militar de ¾ t, de imediato aproveitado pela Engesa como caminhão leve, com a designação EE-34. Equipado com motor diesel Perkins de 77 cv, quatro marchas, caixa de transferência com duas velocidades, tração nas quatro rodas, suspensão por feixes de molas, freios a disco na frente, direção hidráulica, capota de lona e para-brisa rebatível, o carro foi oferecido em cinco versões: uso geral, posto de telecomunicações, transporte de mísseis, transporte de prisioneiros e ambulância. O caminhão leve foi fornecido para o Exército, mas o jipe não chegou a ser colocado em produção. Logo se revelaria a razão: antes do final daquele ano, cheio de lances ousados, a Engesa liberou algumas informações sobre a grande surpresa que havia preparado para o ano seguinte – um moderno jipe leve, para uso civil e militar (categoria de ¼ t), de projeto inédito, já em fase final de execução.

O jipe Engesa EE-12, maior sucesso da empresa no mercado civil, foi apresentado ao público no XIII Salão do Automóvel, em novembro de 1984, e doze meses depois lançado como Engesa 4. Desde o chassi tubular de desenho inovador (fabricado na FNV) até a carroceria metálica de linhas angulares e funcionais, equilibradas e simpáticas, o carro foi concebido para ser um instrumento de trabalho, valente e resistente, sem maiores preocupações com o conforto interno e nenhuma sofisticação. Segundo palavras textuais da revista 4×4 & Pickup, foi “um dos veículos mais fantásticos que já pudemos avaliar até hoje. (…) Estávamos no Galaxie do fora-de-estrada“. Com quatro barras oscilantes longitudinais e molas helicoidais de longo curso, a suspensão era seu ponto alto; aliada à tração nas quatro rodas, proporcionava incomparável condução fora de estrada, situação que se invertia no asfalto, onde era instável e lento; tinha freios a disco na frente, porém a direção era mecânica. Três motorizações foram anunciadas, quando do lançamento: Chevrolet 2,4 litros a gasolina ou álcool (85 e 88 cv) e Volkswagen Kombi diesel (1,6 l e 50 cv), versão que só viria a ser disponibilizada quatro anos depois. A caixa era de cinco velocidades, sem redução. Havia duas versões de acabamento: standard, com capota de lona, santantônio, para-brisa rebatível e rodas de disco pintadas; e luxo, com capota metálica, vidros deslizantes na frente, porta traseira de duas folhas horizontais, acabamentos plásticos nos para-lamas (mais largos, nesta versão), rodas largas cromadas e melhor acabamento interno. O carro, que tinha 500 kg de capacidade de carga (mais 250 kg rebocados), podia vencer rampas de 60% e atravessar vaus com até 60 cm de profundidade.

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Engesa 4, até hoje um “queridinho” dos jipeiros (fonte: site blog4x4.blogspot).

O Engesa 4 teve ótima receptividade: a demanda superou a oferta, inicialmente limitada à faixa das 60 unidades mensais. Sendo o único produto da empresa com potencial significativo de vendas no mercado civil (em quantidade), a ele foi dedicada especial atenção, quer nas campanhas publicitárias, quer nas melhorias para ele preparadas ao longo dos anos. No final de 1986 o carro ganhou capota rígida em fibra de vidro (fabricada pela Envemo), em lugar da metálica, com grande área envidraçada e portas com vidros de acionamento por manivela. Um ano depois, o entre-eixos cresceu 20 cm (o modelo recebeu o sobrenome Fase II), tornando possível a abertura de espaço atrás do banco traseiro para alojar pequenas cargas. As portas laterais e a tampa traseira aumentaram de tamanho, foram eliminados ressaltos no piso e deslocada para trás a saída do cano de descarga, que era lateral. Os pontos de fixação dos limpadores de para-brisa passaram para a margem inferior do vidro; lanternas de direção laterais, volante acolchoado, painel com nova disposição dos instrumentos e (pouco eficiente) sistema de ventilação forçada foram outras novidades. Em novembro de 1988, no XV Salão do Automóvel, foi finalmente apresentada a versão diesel, não mais com motor VW, mas Perkins de quatro cilindros e 90 cv.

No início do segundo semestre de 1986, em meio à preparação da versão final do Osório para a concorrência da Arábia Saudita, a Engesa anunciou um canhão de 155 mm para o lançamento de obuses, com alcance de 40 km, e apresentou o Sucuri II (a já citada atualização do EE-17) e o novo tanque leve EE-T4 Ogum. Pesando apenas 4,9 t, o Ogum era veículo leve, rápido e versátil, próprio para ser aerotransportado.

Projetado para o Iraque, onde foi testado, compreendia diversas versões: reconhecimento, comando, torre para duas metralhadoras, canhão de 20 mm, porta-morteiro de 120 mm, antitanque lançador de mísseis (armamento que a empresa começava a fabricar através de mais uma subsidiária, a Órbita, em sociedade com a Embraer), transporte de munição, transporte de pessoal e ambulância. Tinha estrutura monobloco construída com chapas blindadas soldadas, suspensão por barras de torção, quatro conjuntos de rodas emborrachadas de cada lado e freios a disco atuando na direção. Quatro protótipos foram construídos, todos com transmissão automática de quatro velocidades: dois com motor Perkins turbo (quatro cilindros e 125 cv) e dois com motor alemão BMW diesel (seis cilindros e 130 cv); o trem de força era montado na dianteira, à direita. Apesar das suas pequenas dimensões (3,63 m de comprimento, 1,31 m de altura), comportava guarnição de quatro homens.

Ao mesmo tempo em que apresentava o Ogum, em São José dos Campos, a Engesa participava da IX Expointer, feira agro-pecuária de Esteio (RS), mostrando seu quinto modelo de trator articulado 4×4, EE-918, equipado com o novo motor Cummins série C; ainda em fase de testes, era o modelo de menor porte da marca, depois do EE-815 (9,9 t, motor Mercedes-Benz turbo de 145 cv, cinco marchas com reduzida e freios a tambor), lançado poucos meses antes. No início de 1990 foi colocado no mercado ainda um último trator pesado, o modelo EE-923, de 12,0 t, com motor Cummins turboalimentado e pós-arrefecido de 213 cv, câmbio de 12 marchas à frente e duas a ré e freios a tambor.

Em três anos, concordata e falência

Estes foram os derradeiros projetos concretizados pela Engesa. Em setembro de 1987 a situação financeira da empresa já dera novos sinais de alerta, e a partir daí foi um lento e contínuo processo de exaustão e desgaste, até o pedido de concordata preventiva requerido em março de 1990. O principal motivo alegado para a derrocada foi a perda da concorrência na Arábia Saudita. Este foi, porém, apenas o estopim que detonou a grande crise financeira que hibernava na empresa, sempre adiada pelo potencial imenso do mercado mundial de armamentos e pela aparentemente incessante capacidade da seu corpo técnico desenvolver produtos competitivos. A guerra pela sobrevivência foi perdida, simultaneamente, no terreno externo e no interno, com a decisiva contribuição (negativa) da própria Engesa, empresa com excepcional capacidade técnica de engenharia e projeto, agressiva no mercado internacional, porém temerária na gestão de seus negócios e desinteressada em enfrentar, estruturalmente, as dificuldades que ano a ano se avolumavam.

Vinham de longe os seus problemas: já em 1981 (apesar das vendas elevadas, estimadas em 700 milhões de dólares naquele ano) mostrou os primeiros sinais de fragilidade, quando os trabalhadores da fábrica de São José dos Campos deflagraram greve por atraso de pagamentos e pelo não recolhimento, por quase um ano, da parcela patronal do FGTS. Os salários foram regularizados, mas os graves problemas financeiros, materializados no endividamento excessivo, nas elevadas despesas financeiras, nos empréstimos de curto prazo e no baixo capital de giro não só foram desprezados, como agravados pela política de crescimento quase megalômana da empresa. Lembremos que em menos de três anos, entre 1984 e 87, a Engesa criou três novas subsidiárias, assumiu o controle da Bardella Borriello, Envemo e FNV e participou da privatização da fábrica de helicópteros Helibrás, com 31% do capital.

Para culminar, após obter financiamento do BNDES para fornecimento de grande lote de equipamentos para o Exército Brasileiro (51 blindados Urutu, 82 jipes EE-12 e quase mil veículos de transporte de ¾ e 2 ½ t, além de munição), mediante encomenda formalizada em 1986, não só não cumpriu o contrato como, com os recursos do empréstimo, adquiriu unidade industrial posta à venda pela Imbel em Juiz de Fora (MG). Esse momento marca o início do descenso e morte da Companhia.

É conhecido o ambiente predatório que envolve o comércio internacional de armamentos, onde barganha, pressão política e mesmo ameaças veladas são a regra. Una-se a isto altos custos de desenvolvimento de novos equipamentos, insegurança no retorno dos investimentos e elevados (porém necessários) gastos para participar de competições no exterior, enfrentando concorrentes amparados pelas maiores potências do planeta. A Engesa era dependente deste mercado instável, que respondia por 85% do seu faturamento. O front interno pouco podia contribuir, dada a contínua redução da capacidade de compra das Forças Armadas e a limitação do mercado civil, já que os produtos da empresa eram todos de alto valor unitário. Ademais, havia que se conviver com a oferta, pelos EUA, de equipamentos desativados obsoletos, vendidos a preço simbólico para “aliados do Terceiro Mundo“, exatamente aqueles que constituíam a maior clientela para o material brasileiro, reputado como simples, resistente, de fácil operação e manutenção. Portanto, a perda da concorrência na Arábia Saudita foi apenas a “pá de cal” num processo muito mais complexo.

O Governo Federal, em mais uma das muitas ações irresponsáveis da administração Collor, não intentou nenhum movimento no sentido de resgatar aquele patrimônio tecnológico, colocando-o nas mãos de outro grupo gestor. O Exército, por meio da Imbel, ainda tentou salvar a empresa, mas só logrou se apropriar de seu acervo tecnológico – exceto os projetos de desenvolvimento do Blindado Osório. Em 1991, a britânica British Aerospace, em consórcio com a empreiteira brasileira Norberto Odebrecht, declarou interesse em adquirir o controle da Engesa, porém sem assumir seu passivo (estimado em US$ 400 milhões) e incluindo no negócio a unidade de munições da Imbel, em Minas Gerais. Os entendimentos não tiveram seqüência e, em outubro de 1993, a falência foi decretada. O Gabinete Militar da Presidência da República ainda chegou a propor a desapropriação e reativação da empresa, mas foi desautorizado pelo Governo Federal.

De um golpe desfez-se uma equipe altamente capacitada e perdeu-se todo um conjunto de conhecimentos que em poucos anos conseguira colocar o país, como nunca antes na história, tão próximo da autonomia no equipamento de suas Forças Armadas Terrestres. Falta de visão estratégica e ausência de política industrial, cujos reflexos ainda se fazem sentir: passados vinte anos, nunca mais o país produziu engenhos militares tão modernos e sofisticados. Hoje, mesmo o repotenciamento das viaturas exportadas, vendidas a 18 países, está sendo feito no exterior.

Em 2001 a fábrica de São José dos Campos foi vendida à Embraer. O estoque de peças e veículos incompletos constante da massa falida foi adquirido pela Universal Importação, Exportação e Comércio Ltda.. Fundada em 1967, como fornecedora de peças para o Exército, a Universal é sediada no Rio de Janeiro (RJ), onde disponibiliza um estoque com mais de 30 mil itens para reposição de veículos civis e militares. O jipe Engesa 4 teve melhor sorte: em 1999, um empresário do Paraná arrematou um lote de peças e relançou-o com o nome Envesa; em 2002, seguindo suas especificações básicas, porém com porte aumentado, as firmas Ceppe e Columbus desenvolveram o jipe Marruá, projeto vendido à Agrale e até hoje em produção.

Não se tem notícia do uso dado ao acervo tecnológico da Engesa, até hoje em posse da Imbel. Ainda é desconhecido o paradeiro dos projetos do blindado Osório.





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